06 de maio de 2016 – Páscoa 6ª semana 6ª feira

 

Leitura: At 18,9-18

Estando Paulo em Corinto, teve outra visão (cf. 16,9s) que confirma o sucesso nesta cidade grega onde se convertem-se nada menos que o chefe da sinagoga, Crispo (1 Cor 1,14,16) e muitos pagãos (cf. vv. 1-8; leitura de ontem).

Numa noite, o Senhor disse-lhe em visão: “Não tenhas medo; continua a falar e não te cales, porque eu estou contigo. Ninguém te porá a mão para fazer mal. Nesta cidade há um povo numeroso que me pertence” (vv. 9-10).

Com o recurso de uma visão noturna (cf. 16,9s; 20), Lucas nos oferece o sentido da nova atuação. Vários elementos pertencem a relatos proféticos, vocação ou encargo concreto de Deus. Entre eles as fórmulas clássicas: “não temas, eu estou contigo” (Is 41,10.13; 43,5; Jr 1,8.19) e o encargo de “falar e não calar-se” (Jr 1,6s.9.17; Is 41,11; 49,2). A motivação é que em Corinto o Senhor escolheu e quer formar para sim um povo (cf. 1 Pd 2,9).

Assim Paulo ficou um ano e meio entre eles, ensinando-lhes a Palavra de Deus (v. 11).

Funda-se uma comunidade, que será uma das mais importantes em território europeu. Pela primeira vez, os incansáveis viajantes podem fazer uma parada longa, de “um ano e meio”, dedicados ao “ensino” (cf. 11,26; 15,35; 20,20). Depois da evangelização, essa atividade se poderia chamar catequese. Assim, Corinto torna-se a terceira cidade significativa da Igreja nascente, depois de Jerusalém e Antioquia. Éfeso será a quarta.

Na época em que Galião era procônsul na Acaia, os judeus insurgiram-se em massa contra Paulo e levaram-no diante do tribunal, dizendo: “Este homem induz o povo a adorar a Deus de modo contrário à Lei” (vv. 12-13).

Governador (procônsul) da província romana da Acaia (Grécia) era Galião, irmão do filósofo Sêneca que educava o futuro César Nero (mais tarde, os dois irmãos serão forçados por Nero a cometerem suicídio). Uma inscrição de Delfos situa o proconsulado de Galião no ano 52. O comparecimento de Paulo perante Galião deve ter-se verificado pelo fim (v. 18) de sua permanência de dezoito meses (v. 11) em Corinto, provavelmente na primavera de 52. Como Paulo escreveu a carta 1 Ts durante esta primeira estadia em Corinto, podemos datar esta carta entre 50 a 52 d.C., o documento mais antigo do Novo Testamento (NT). A coincidência dos fatos relacionados ao edito de Claudio (ano 49 ou 50; cf; v. 2) e do proconsulado de Galião (ano 52) dá um ponto seguro de reconstruir toda cronologia do cristianismo primitivo.

Passado certo tempo, os judeus contra-atacam. Ao convertido Crispo sucedeu Sóstenes como chefe da sinagoga. Os judeus conduzem Paulo ante o tribunal do governador que se encontra na ágora (praça pública). A acusação é bastante vaga: ele prega um culto “contrário à lei”. Termo equívoco que designa tanto a lei romana (cf. 16,21; 17,7) quanto a lei judaica reconhecida e amparada pelos romanos.

Paulo ia tomar a palavra, quando Galião falou aos judeus, dizendo: “Judeus, se fosse por causa de um delito ou de uma ação criminosa, seria justo que eu atendesse a vossa queixa. Mas, como é questão de palavras, de nomes e da vossa Lei, tratai disso vós mesmos. Eu não quero ser juiz nessas coisas” (vv. 14-15).

Galião não quer ver nesta acusação (v. 15) senão uma questão de interpretação da Lei judaica e declina qualquer competência. Paulo não violou nenhuma lei romana; e se trata da legislação judaica e suas interpretações, os judeus desfrutam de autonomia para resolverem entre eles estes pleitos.

A Bíblia do Peregrino comenta: Para o romano, o que separa Paulo dos outros judeus são questões verbais sem substância. Para Paulo e os judeus, a diferença é radical. Galião pensa que Roma está acima de semelhantes distinções, e que a mensagem de Paulo não afeta o Império. Não quer empenhar a autoridade de Roma em assuntos internos ao judaísmo, quando precisamente Paulo quer atingir todo o mundo com sua mensagem universal.

E Galião mandou-os sair do tribunal. Então todos agarraram Sóstenes, o chefe da sinagoga, e espancaram-no diante do tribunal. E Galião nem se incomodou com isso (vv. 16-17).

Galião ficou neutro e não favoreceu a Paulo que nem podia falar e também tinha que sair do tribunal. Mas a promessa do sonho de Paulo, “ninguém te porá a mão para fazer mal” (v. 10), se cumpriu. Paulo sai ileso e inocentado enquanto os inimigos espancam seu próprio líder “Cavaram um buraco na minha frente, e foram eles que caíram” (Sl 57,6). Em 1 Cor 1,1, Paulo escreve aos coríntios junto com “Sóstenes, o irmão”. Será que é o mesmo de At 18,16?  ÉD possível que Sóstenes se tenha convertido (como Crispo) depois de ser espancado pelos próprios irmãos judeus.

Nas palavras do governador e no final da cena percebemos um pouco do antijudaísmo da época. Pode ser que “todos” não são os judeus, mas a multidão que espanca o chefe da sinagoga, deixando-se levar pelo antissemitismo.

Paulo permaneceu ainda vários dias em Corinto. Despedindo-se dos irmãos, embarcou para a Síria, em companhia de Priscila e Áquila (v. 18ab).

O casal Priscila e Áquila (agora a mulher é mencionado primeiro, cf. v. 2) torna um excelente colaborador na missão de Paulo, primeiro em Corinto e Éfeso (vv. 2s.26; 1 Cor 16,19), depois em Roma (Rm 16,3; cf. 2 Tm 4,19). Embarcaram com ele “para Síria”, i.é. Antioquia do rio Orontes, que permanece o ponto de referência para Paulo (cf. v. 22; 11,25s; 13,1-3; 14,26-28; 15,35).

Em Cencréia, (Paulo) rapou a cabeça, pois tinha feito uma promessa (v. 18c).

Cencreia é um dos dois portos de Corinto onde vivia a diaconisa Febe (provavelmente a portadora da carta aos romanos, cf. Rm 16,1). O texto aqui é obscuro. Parece ter sido Paulo quem fez a promessa, não é Áquila. Quem emitia um voto, isto é, fazia promessa, tornava-se nazir (cf. Nm 6,1-21) enquanto perdurava o tempo de seu voto (geralmente trinta dias); devia, entre outras obrigações, não cortar o cabelo durante esse tempo. Não se sabe se Paulo emitiu o voto em Cencréia ou se lá o terminou (cf. At 21,21-27, onde Paulo realiza com quatro outros judeus os ritos finais de um voto).

 

Evangelho: Jo 16,20-23a

Os discípulos (e por meio deles, a comunidade cristã) se perguntaram o que significava o anúncio de Jesus: “Pouco tempo e já não me vereis, e outra vez pouco tempo e me vereis?” (vv. 16-19). Jesus dá uma reposta que se pode referir num primeiro momento ao “pouco tempo” da sua partida (morte) e ressurreição, e depois também à parusia (volta no fim dos tempos).

Em verdade, em verdade vos digo: Vós chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se alegrará;  vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria (v. 20).

Começa uma nova resposta (vv. 20-23a), introduzida por “Amém, Amém” (traduzido “em verdade…). Jesus fala das dores e da tristeza já anunciadas em 15,18-16,4a.6; mas a novidade agora que a “tristeza se transformará em alegria”, tristeza da paixão, alegria de rever o Cristo ressuscitado (cf. 20,20).

A mulher, quando deve dar à luz, fica angustiada porque chegou a sua hora; mas, depois que a criança nasceu, ela já não se lembra dos sofrimentos, por causa da alegria de um homem ter vindo ao mundo. Também vós agora sentis tristeza, mas eu hei de ver-vos novamente e o vosso coração se alegrará, e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria (vv. 21-22).

Numa metáfora de mulher parturiente, Jesus declara que a tristeza e a angustia dos discípulos são passageiras e serão superadas pela alegria depois. “Chegar a sua hora”, esta expressão foi relacionada com o sofrimento de Jesus, que é ao mesmo tempo sua glorificação (cf. 2,4; 7,30; 8,20; 12,23.27; 13,1; 16,32; 17,1). Aqui se refere à angustia dos discípulos (cf. 16,2) que por sua dor fazem Jesus aparecer. Quando ele os verá, a tristeza se transformará numa alegria eterna que “ninguém poderá tirar”. Em v. 16 eram os discípulos que verão Jesus em breve, agora é Jesus que os verá. Ele também tem saudade e quer ver-los de novo (cf. 14,3)

A Bíblia do Peregrino (pag. 2604) comenta: A imagem da mulher na expectativa de dar a luz está carregada de ressonâncias históricas e proféticas: desde o grito triunfal da Eva em sua primeira maternidade (Gn 4,1) até as figuras escatológicas do livro de Isaias (26,14-19; 66,7-14), e como contraste violento Jr 4,31; no NT Ap 12. Is 66 fala do parto maravilhoso de todo um povo (em contraste com o lento e trabalhoso dos doze patriarcas), e menciona a alegria da festa. Is 26 é mais audaz, fala da terra mãe que dá à luz mortos vivificados. Na especulação judaica se falava das dores do parto que abriram a porta para a era messiânica.

No contexto imediato da ceia, a imagem fala da fecundidade da paixão e morte de Jesus, da dor partilhada dos discípulos e da próxima alegria que o ressuscitado trará. No contexto mais amplo da Igreja, enuncia uma condição permanente: o sacrifício por amor e a alegria da sua fecundidade. O mundo não arrebata com suas perseguições a alegria que o Espírito infunde (cf. Sl 4,8; Is 35,10).

Naquele dia, não me perguntareis mais nada (v. 23a).

“Naquele dia” pode-se referir ao rever o ressuscitado (21,12), mas é expressão frequente que introduz anúncios escatológicos (dos últimos tempos ou após a morte etc.); pode identificar-se com o “dia do Senhor” (cf. como exemplo típico a série de Zc 12-14. Jo usa esta forma para indicar o dia escatológico que chega com a glorificação de Jesus: “será um dia único, escolhido pelo Senhor” (Zc 14,7) e que se prolonga na história.

Acabar-se-ão as perguntas de agora, os pedidos serão escutados (v. 23b-24; perguntar e pedir são parentes, já que perguntar é pedir uma resposta). Reinará a claridade, a luz, e não mais as trevas (cf. 8,12). Os discípulos “não perguntarão mais nada” (cf. vv. 5.19), porque conhecerão a “verdade plena” (v. 13) pelo Espírito que revelará o sentido da morte e ressurreição de Jesus (sua partida para o Pai) e com isso também o sentido da nossa vida (de onde viemos, para onde vamos). Naquele dia escatológico, a mediação do Espírito não será mais necessária (por isso não é mencionado aqui), quando olharmos Jesus na sua plena glória (cf. Ap 21,22s; 22,4s). Não perguntar mais é sinal de prefeita sintonia e comunhão (cf. 21,12).

O site da CNBB comenta: Nós hoje sentimos uma série de tristezas, que são causadas por causa dos acontecimentos do nosso tempo que se constituem em negação dos valores do Reino de Deus e que, além de trazer muito sofrimento para a humanidade, principalmente para os mais pobres e desvalidos, exigem de nós um testemunho corajoso de Jesus e do seu Evangelho, o que nem sempre é fácil porque na verdade somos fracos na fé. Mas devemos nos consolar e encontrar forças para esse testemunho a partir da promessa que nos é feita por Jesus no Evangelho de hoje, pois veremos Jesus e isso nos encherá de uma alegria que não nos pode ser tirada e nos levará ao pleno conhecimento da verdade.

 

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