07 de maio de 2016 – Páscoa 6ª semana sábado

Leitura: At 18,23-28

A leitura de hoje apresenta outro homem importante nas primeiras comunidades cristãs, mas sabemos pouco dele.

Paulo permaneceu algum tempo em Antioquia. Em seguida, partiu de novo, percorrendo sucessivamente as regiões da Galácia e da Frígia, fortalecendo todos os discípulos (v. 23).

Paulo deixou o casal colaborador, Priscila e Áquila, em Éfeso, e continuou sozinho para Cesareia, “subiu para saudar a igreja” (de Jerusalém?) e depois para Antioquia, ponte de partida para suas viagens missionárias (v. 22, onde “permaneceu algum tempo”. Depois partiu para terceira viagem, visitando os discípulos “da Galácia e da Frígia” (cf. 16,6, Gl; na atual Turquia).

Chegou a Éfeso um judeu chamado Apolo, natural de Alexandria. Era homem eloquente, versado nas Escrituras. Fora instruído no caminho do Senhor e, com muito entusiasmo, falava e ensinava com exatidão a respeito de Jesus, embora só conhecesse o batismo de João (vv. 24-25).

“Chegou a Éfeso um judeu chamado Apolo”, o nome de um deus grego (!), “natural de Alexandria” onde se tinha familiarizado com a Escritura e com suas técnicas de interpretação, era homem “eloquente” (ou “sábio”).

Éfeso é a terceira maior cidade do Império Romano, depois de Roma e Alexandria. Nos At é a única menção de Alexandria do Egito, importante centro cultural (maior biblioteca da antiguidade), onde se traduziu a Bíblia Hebraica para o grego (chamada LXX, escrita por setenta sábios) a partir do séc. III a.C. Lá, o livro mais novo da Bíblia, Sabedora (Sb), foi escrito e o filósofo judeu, Fílon, explicou sua fé de maneira alegórica, influenciado pela filosofia de Platão. Gostaríamos de saber mais: como o evangelho chegou a esta cidade, etc.? Segundo esse relato, a fé cristã teria atingido o Egito em época muito remota. Seja como for, o cristianismo de Apolo é de um tipo arcaico que se poderia qualificar de “anterior a Pentecostes”, visto que ele ignora o batismo cristão (cf. 2,38).

Sua figura é aqui ambígua. Por um lado parece um cristão conhecedor da figura de Jesus à luz da Escritura; ele só deve aperfeiçoar seus conhecimentos (v. 26b). Por outro, não é batizado em nome de Jesus (cf. 2,38) nem recebeu o Espírito Santo. Talvez Lucas queria apresentá-lo como discípulo do movimento do Batista, bem informado sobre a atividade de Jesus e que se faz discípulo cristão (como os de Jo 1,35-51). A notícia sobre Apolo tem traços comuns com a notícia seguinte sobre os doze discípulos de João Batista em Éfeso (19,1,7). O cristianismo incompleto de ambos talvez reflita o da igreja de Alexandria nessa época.

Então, ele começou a falar com muita convicção na sinagoga. Ao escutá-lo, Priscila e Áquila tomaram-no consigo e, com mais exatidão, expuseram-lhe o caminho de Deus (v. 26).

Encarregados de aprofundar sua instrução é o casal judeu expulso de Roma, que frequenta regularmente a sinagoga (só como ouvintes?). Como Priscila é nomeada sempre antes do seu marido (exceto 18,2), podemos concluir que ela teve um papel mais importante na evangelização, na catequese e na liturgia. O tema da instrução “com maior exatidão” é “o caminho de Deus”, termo genérico que abrange muitas coisas (cf. Dt 5,33;J r 7,23), embora Apolo já conhecesse “ o caminho do Senhor” (v. 25; drk Yhwh, expressão pouco frequente no AT, Jz 2,22; Jr 4,4-5). As comunidades cristãs eram então conhecidas como seguidoras do “Caminho” (cf. 9,2; Jo 14,6).

Como ele estava querendo passar para a Acaia, os irmãos apoiaram-no e escreveram aos discípulos para que o acolhessem bem. Pela graça de Deus, a presença de Apolo aí foi muito útil aos fiéis. Com efeito, ele refutava vigorosamente os judeus em público, demonstrando pelas Escrituras que Jesus é o Messias (vv. 27-28).

Uma vez bem formado, Apolo põe toda a sua perícia bíblica a serviço do evangelho. “Ele refutava vigorosamente os judeus em público, demonstrando pelas Escrituras que Jesus é o Messias” (cf. 2,36; 9,22). Nota-se que aqui Apolo só se dirige aos judeus. M. Lutero propus ver nele o autor da carta aos Hebreus, que foi escrito por um judeu anônimo, de ambiente helenista e muito versado nas Escrituras e na oratória.

Apolo queria viajar para a região da Acaia (na Grécia), onde fica a cidade de Corinto. Lá, Paulo já havia formado uma grande comunidade na sua segunda viagem missionária e Apolo será bem-sucedido, mas o entusiasmo lá suscitado degenera em polêmicas e partidos (cf. 1 Cor 1,12; 3,4-11.22s; 16,12, cf. Tt 3,13).

Lc harmoniza, mas sabemos disso de 1Cor: sua passagem por Corinto suscitará entusiasmos, logo dará ocasião a polêmicas na Igreja (1 Cor 1,12; 3,4-6; 4,6; 16,12; cf. Tt 3,13).

Variação do texto ocidental: Coríntios residentes em Éfeso, que tinham ouvido, convidaram-no a passar com eles para a pátria deles; com o seu consentimento, os efésios escrevam aos discípulos de Corinto que o acolhessem bem.

De passagem, Lucas nos conduz a Éfeso, com sua sinagoga, sua comunidade de “irmãos” e sua relação com as outras igrejas. Quanto ao uso das cartas de recomendação entra as primeiras comunidades cristãs, cf. Rm 16,1; 2Cor 3, 1s; Cl 4,10; 3Jo 9-10.12.

O terreno está preparado para a estável visita de Paulo em seguida no próximo capítulo: “Enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo atravessou as regiões montanhosas e chegou a Éfeso” (19,1a).

 

Evangelho: Jo 16,23b-28

Continuamos ouvindo a parte do discurso de despedida na última ceia, que a redação eclesial acrescentou no quarto evangelho (cf. 14,30 que continuou em 18,1). Trata-se da ausência de Jesus depois da sua ida e seu significado para os apóstolos, mas também para a Igreja. Os apóstolos, o verão de novo como ressuscitado no terceiro dia, mas também para a Igreja sua ida não será para sempre, ele continua no Espírito (14,16s.26s etc.) e na Palavra (14,23) e voltará no fim dos tempos (cf. 14,3; 16,16-20). Ausência e tristeza não prevalecerão, ao final haverá alegria e comunhão com o glorificado (16,20-22). Nesta fase intermediária, precisa de fé e oração.

Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes ao Pai alguma coisa em meu nome, ele vo-la dará. Até agora nada pedistes em meu nome; pedi, e recebereis; para que a vossa alegria seja completa (v. 23b-24).

“Até agora”, os discípulos não rezaram em nome de Jesus, porque é em virtude da sua passagem para a glória que Jesus assume plenamente o seu poder de mediação (14,13). Jesus já prometeu atender a oração de quem “pedir em meu nome” (14,13s). Em 15,16 e aqui em 16,24.26 é o Pai que dará atendimento (Vários manuscritos e versões leem: ele vo-lo dará em meu nome).

A certeza de ser atendido nas orações faz parte da fé cristã e se encontra também nos outros evangelhos (Mt 7,7-11p; 18,19; Lc 11,9-13). Mas também experimenta-se que a oração nem sempre é atendida da forma como se pensa e pede (cf. Mc 14,36p). Em Jo, precisa pedir “em nome de Jesus”. O nome representa a pessoa. Usar o nome de Jesus na oração é honrar (glorificar) o Pai. Como o Pai deu tudo na mão do Filho, o julgamento, a vida, também é Jesus que realizará os pedidos da oração (cf. 5,19-27). Mas pedir em nome de Jesus significa também sintonizar-se com a vontade de Deus e pedir com reta intenção, de modo que ele possa assinar o pedido (cf. At 19,13-16; Tg 4,2s). Nos salmos, com frequência se diz “pelo teu nome” (Sl 25,11; 31,4; 54,3; 79,7 etc). Doravante, porém, pode se invocar o nome de Jesus. Na liturgia e espiritualidade cristã, rezamos: “Por Cristo, nosso Senhor.”

Aqui Jesus promete a alegria junto ao atendimento: “Pedi, e recebereis; para que a vossa alegria seja completa” (cf. 15,11). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2079) comenta: Sinal de uma vida que desabrocha, a alegria era considerada no AT como a característica do tempo da salvação e da paz escatológica. (is 9,2; 35,10; 55,12; 65,18; Sf 3,14; Sl 126,3-5) e o tema reaparece nos evangelhos (Mt 25,21.23; Lc 1,14; 2,10); em Jo, a alegria do Cristo ressuscitado é compartilhada, desde logo, pelos discípulos, que vivem vida nova; est alegria deve possuir o homem todo e atingir assim uma espécie de plenitude (cf. 17,13; 1 Jo 1,4; 2 Jo 12). Ela pode coexistir com o sofrimento (16,20-24; 14,28).

O tema da alegria (com seu correlativo, a festa) é frequente no AT; com Javé como sujeito: “Vou alegrá-los em minha casa de oração” (Is 56,7); a seu servo (Sl 86,4); “houve uma festa, porque o Senhor os inundou de alegria” (Ne 12,43). Também na evangelização, a alegria no Espírito Santo acompanha os apóstolos (At 2,46 etc.).

A Bíblia do Peregrino (p. 2604) comenta: Quem pede e recebe fica satisfeito e contente; que o pedir não tenha limites, para que o receber complete a alegria. Um pai que ama seu filho não lhe nega o que pede razoavelmente. Pois bem, Deus Pai ama os que amam seu Filho, e lhes concede tudo o que pedem movidos pelo Espírito (Rm 8,26-27).

Disse-vos estas coisas em linguagem figurativa.  Vem a hora em que não vos falarei mais em figuras, mas claramente vos falarei do Pai (v. 25).

“Linguagem figurativa” e “figuras”, traduzem a palavra “parábolas” (cf. v. 29). A Bíblia do Peregrino (p. 2605s) comenta: Ao longo do discurso e em ocasiões precedentes os discípulos interromperam ou abordaram Jesus com perguntas: pela forma e também pelo conteúdo do seu ensinamento. No sentido restrito e no contexto próximo, “parábolas” foram a da videira, a da mulher parturiente (Mt 13). Em contexto mais amplo e em sentido lato, também eram “parábolas” as ações simbólicas (lavar os pés, purificar o templo), os milagres como sinais (cura de um cego, ressurreição de um morto). Em outra ordem, as comparações e símbolos empregados no seu ensinamento. Só a experiência viva, medida pelo Espírito, põe em contato com a realidade sem mediação de “parábolas”. Tal é a promessa de Jesus para depois da ressurreição.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2079) comenta: Os evangelhos sinóticos tinham sublinhados a importância do ensinamento em parábolas que, proposto publicamente a todos reclamava explicações ulteriores e uma compreensão progressiva, reservadas aos discípulos (cf. Mc 4,11-12.33.34; Mt 13,11-13.34-35; Lc 8,10; Jo 10,6). Mas aqui, é o conjunto do ensinamento de Jesus no decurso do seu ministério na Palestina que é considerado como parcialmente inacessível, até o momento em que a luz pascal e o dom do Espírito permitirem penetrá-lo verdadeiramente (2,19.22; 12,14.16; 13,4-7). Note-se que este ensinamento parece concentrar-se na pessoa do Pai.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2030) comenta: Com a ressureição e a vinda do Espírito, terá começo a iniciação perfeita que se consumará na visão de Deus, “tal como ele é” (1Jo 3,2).

Naquele dia pedireis em meu nome, e não vos digo que vou pedir ao Pai por vós, pois o próprio Pai vos ama, porque vós me amaste se acreditastes que eu vim da parte de Deus. Eu saí do Pai e vim ao mundo; e novamente parto do mundo e vou para o Pai (vv. 26-28).

A mediação do Cristo ultrapassa a de um simples intermediário. Ela se realiza na medida em que os cristãos participam diretamente da sua comunhão com o Pai (cf. 3,35; 5,20). É nesta perspectiva que aparece a eficácia da oração “em nome de Jesus”. A Bíblia de Jerusalém (p. 2030) comenta: Jesus permanece o único mediador (cf. 10,9; 14,6; 15,5; Hb 8,6), mas os discípulos, sendo um com ele pela fé e pelo amor, serão amados pelo Pai: a medição de Jesus terá atingido o seu efeito em plenitude.

Nem Jesus precisa pedir em favor dos fieis, porque quem tem fé em Jesus, tem acesso direto ao Pai. Como os filhos de um rei tem acesso direto ao rei, assim os filhos de Deus não precisam de um mediador para falar com Deus. Fé em Jesus é definido aqui: acreditar que ele saiu do Pai, veio ao mundo e que voltou ao Pai (cf. 13,3).

O site da CNBB comenta: Jesus está prestes a cumprir plenamente a missão que lhe foi confiada pelo Pai. Ele é o verdadeiro missionário, que nos foi enviado pelo próprio Pai para realizar o grande mistério da nossa salvação. Agora que ele cumpriu a sua missão, ele volta para o Pai. Ele é para nós o grande modelo de missionário, pois também nós fomos enviados pelo Pai para participarmos da missão da Igreja, e devemos cumprir plenamente esta missão que nos foi confiada a fim de que, como o próprio Cristo, possamos, um dia, ir para um encontro definitivo com o Pai.

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