08 de abril de 2016 – Páscoa 2ª semana 6ª feira

Leitura: At 5,34-42
A reação deste segundo julgamento dos apóstolos no sinédrio não foi desconcertante, mais violenta (cf. 7,54-56): “queriam matá-los” (v. 33), indica a intenção, e o imperfeito descreve algo em processo: não se chegou a uma decisão nem tampouco a uma sentença judicial.
Um fariseu, chamado Gamaliel, levantou-se, então, no Sinédrio. Era mestre da Lei e todo o povo o estimava. Gamaliel mandou que os acusados saíssem por um instante (v. 34).
Nesse momento, um homem de grande prestigio se levanta para falar e pronunciar uma palavra que é uma informação valiosa para futuros leitores. É um “fariseu”, nem todos os fariseus foram hostis porque acreditavam na ressurreicão dos mortos, mas os saduceus a negavam (cf. 23,6-8; Mc 12,18-27; At 4,2). É um mestre da Iei, muito estimado de todos; portanto deve se pensar que guiasse uma ala do partido. É Gamaliel I., professor de Saulo-Paulo (22,3), provavelmente filho de Hillel, chefe da ala liberal do judaísmo. Não é cristão e pode representar um modo de relações pacíficas e tolerantes do judaísmo com o cristianismo. (compare-se com a intervenção de Nicodemos em Jo 7,50-52). Talvez Gamaliel estivesse com pesar a respeito do processo de Jesus e queria evitar nova injustica. O autor dos Atos, Lucas, nunca é antisemita e ostenta esse testemunho equilibrado e imparcial frente ao judaísmo de seus dias.
Depois disse: „Homens de Israel, vede bem o que estais para fazer contra esses homens. Algum tempo atrás apareceu Teudas, que se fazia passar por uma pessoa importante, e a ele se juntaram cerca de quatrocentos homens. Depois ele foi morto e todos os que o seguiam debandaram, e nada restou. Depois dele, no tempo do recenseamento, apareceu Judas, o galileu, que arrastou o povo atrás de si. Contudo, também ele morreu e todos os seus seguidores se dispersaram (vv. 35-37).
Gamaliel compara o movimento dos cristãos com dois fatos históricos: dois casos de líderes que se apresentaram como messias ou libertadores contra o poder de Roma. Só que Teudas agiu depois do ano 44. Judas Galileu foi mais famoso como o promotor do movimento independentista dos zelotas, provavelmente na época da infância de Jesus. Os “galileus” tinham fama de turbulentos (v. 37; cf. Lc 13,1). Ambos os movimentos se deram mal, muitos integrantes foram crucificados pelos romanos ou “se dispersaram” (v. 37), “nada restou” (v. 36). Acontecerá o mesmo com os cristãos?
Quanto ao que está acontecendo agora, dou-vos um conselho: não vos preocupeis com esses homens e deixai-os ir embora. Porque, se este projeto ou esta atividade é de origem humana será destruído. Mas, se vem de Deus, vós não conseguireis eliminá-los. Cuidado para não vos pordes em luta contra Deus!“ (vv. 38-39a).
Gamaliel conclui: “Se esse projeto … é de origem humana, será destruído. Mas se vem de Deus, vós não conseguireis eliminá-lo. Cuidado para não vos pordes em luta contra Deus!” (vv. 38-39); recordem-se a luta de Jacó-Israel (Gn 32,23-33), as bravatas de Senaquerib (Is 36,19-20; 37,12) e muitos textos que falam dos inimigos de Deus (do tipo do Sl 68,2; cf. 2 Mc 7,19). Daí brota o “conselho” prático: “não vos preocupeis e deixai-os ir embora” (v. 38).
E os membros do Sinédrio aceitaram o parecer de Gamaliel. Chamaram então os apóstolos, mandaram açoitá-los, proibiram que eles falassem em nome de Jesus, e depois os soltaram. Os apóstolos saíram do Conselho, muito contentes, por terem sido considerados dignos de injúrias, por causa do nome de Jesus (vv. 39b-41).
Aceitaram este conselho de Gamaliel, mas “mandaram acoitar os apóstolos.” Mesmo inocentes, os apóstolos foram castigados (cf. o procedimento de Pilatos com Jesus em Lc 23,16) e depois soltos. Uma nova experiência, permanente, dos apóstolos. Não a superação do temor, nem a alegria da libertação, mas a alegria paradoxal de sofrer por e como Jesus (Lc 6,22-23; 1Pd 4,13), a experiência de sua bem-aventurança (Mt 5,11-12), será o destino do apostolo (cf. 2Cor 1,3-11), “dignos de injúrias por causa do Nome” (v. 41), umas traducoes acrescentam “do nome de Jesus”.
O “Nome” já significa na tradicão judaica o nome do próprio Deus (Senhor, Javé), mas para os cristãos será o nome de Jesus que representa sua pessoa (3,16) e é invocado (2,21; 4,12; 7, 59; 9,14.21; 22,16). Os apóstolos sofrem (21,13; 1Pd 4,14; 3 Jo 7) anunciando este nome (4,10.12.17-18; 5,28.41) que ele recebeu na ressurreicão: “o nome acima de todos os nome, … o Senhor” (2,36; Fl 2,9-11).
E cada dia, no Templo e pelas casas, não cessavam de ensinar e anunciar o evangelho de Jesus Cristo (v. 42).
Os apóstolos “não cessavam de ensinar e anunciar o evangelho de Jesus Cristo” (v. 42), seu movimento não acabará como os outros; a eles pertence o futuro, como Jesus prometeu a Igreja de Pedro: “O poder da morte nunca poderá vencê-la” (Mt 16,18).

Evangelho: Jo 6,1-15
No capítulo 6, Jo se serviu de tradições que se encontram também nos outros evangelhos: a multiplicação dos pães, o andar de Jesus sobre as águas, a exigência de um sinal, a profissão de fé por Pedro. O milagre da multiplicação dos pães é contado pelos quatro evangelistas, duas vezes por Mt e Mc. As seis redações testemunham a veneração com que as primeiras comunidades cristãs conservaram e transmitiram o milagre. O fato diz respeito ao passado, a Moisés, aos israelitas e ao maná no deserto (Ex 16), e diz respeito ao futuro (presente para os evangelistas e a nós), à celebração eucarística. No AT, há de considerar o pastor que dá descanso e comida às ovelhas (Sl 23), o maná no deserto (Ex 16), os milagres de Elias e Eliseu (1 Rs 17,1-16; 2 Rs 4,1-7.42-44) e os banquetes em Is (25,6-8; 55,1-2; 65,13-14).
Mais do que os evangelhos sinóticos (Mc, Mt, Lc), Jo destaca a iniciativa de Jesus (como também na paixão): Jesus arrasta o povo para uma região distante e afastada (vv. 1-4), observa-o (v. 5), provoca o discípulo (vv. 5-6), controla seu plano (v. 6), dá as ordens antes e depois (vv. 10.12), ele mesmo reparte e distribui os pães (v. 11). O povo o receberá como dom de sua mão.
Jesus foi para o outro lado do mar da Galileia, também chamado de Tiberíades (v. 1).
Geograficamente tudo acontece em torno do “mar da Galileia”, um lago que Jo chama também “o mar de Tiberíades” (v. 1), enquanto em Mc e Mt é o “mar da Galileia”; para Lc (e nós hoje) é o “lago de Genesaré” (Lc 5,1). Tiberíades era uma cidade pagã, construída na beira do lago em honra do imperador Tibério (14-37 d.C.). Como no anexo de cap. 21, Jo indica a passagem da Igreja saindo de um ambiente judaico “para o outro lado do mar”, ou seja, para as terras pagãs onde o ressuscitado se fará presente também na eucaristia.
Uma grande multidão o seguia, porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes. Jesus subiu ao monte e sentou-se aí, com os seus discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus (vv. 2-4).
Uma alusão a Moisés (Ex 19,3.20; 24,1.9; cf. o sermão na montanha: Mt 5,1): “Jesus subiu ao monte e sentou-se aí com seus discípulos” (v. 3); os mestres judaicos costumam ensinar sentados, mas o discurso se segue só em vv. 26-66. Antes, Jesus vai alimentar o povo (em Mc 6,34, ele ensina primeiro; Mt 14,14 e Lc 9,11 mencionam também as curas de “doentes”).
A alusão a Eucaristia já se vê em v. 4: “Estava próxima a Páscoa, da festa dos judeus.” Todo judeu adulto tinha obrigação de celebrar a Páscoa em Jerusalém (cf. Lc 2,41-42; Dt 16,16), mas Jesus leva seus discípulos (e a multidão que o seguia, v. 2) ao lado oposto, ao outro lado do mar, terra estrangeira. Segundo Js 5,10-12, com a primeira páscoa na terra prometida em Canaã terminou o maná, próprio do deserto. A última páscoa (ceia) de Jesus cederá passagem (cf. 13,1) ao novo maná, a eucaristia.
Levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: „Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?“ Disse isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer. Filipe respondeu: „Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um“. Um dos discípulos, André, o irmão de Simão Pedro, disse: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?“ (vv. 5-9).
Jo sempre joga com o equívoco e mal-entendido (cf. 2,20; 3,4; 4,11; 5,7 etc.). Aqui, os discípulos, Filipe (1,43-46; 12,21) e André (1,40-41; 12,22) representam esta visão humana, de um realismo forçado a calcular sem resolver: “Nem duzentos moedas de prata bastariam” para alimentar a “grande multidão” (5000 homens; v. 10); na época, uma moeda de prata, o denário, era a diária de um operário.
Em Jo, é um “menino” que oferece “cinco pães de cevada e dois peixes” (v. 9). O pão de cevada era pão modesto, de pobres ou gentes simples. A história de Eliseu (2 Rs 4,42) menciona este pão, e ele ocupa todo o relato de Rute (um clássico do homem e o Deus doador).
Jesus disse: „Fazei sentar as pessoas“. Havia muita relva naquele lugar, e lá se sentaram, aproximadamente, cinco mil homens. Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes. Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: „Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!“ Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido (vv. 10-13).
A fórmula é inconfundivelmente eucarística: “Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os” (v. 11). Na última ceia, Jo não fala mais da eucaristia, mas do lava-pés (cf. 13,1-18,1).
Os “5000 homens” (e mulheres, crianças? cf. Mt 14,21) comem quanto querem, ficam saciados, e ainda sobra (6,11b-13). Como já no casamento de Caná (2,1-11), Jesus representa a generosidade de Deus ”que alimenta a todos” (Sl 136,25), “abre sua mão e sacia todo ser vivente” (Sl 145,15s; cf. 104,27s).
Os “doze cestos” devem aludir às doze tribos de Israel. Fica claro que não se deve desperdiçar o dom de Deus: “Recolhei os pedaços que sobraram para que nada se perca” (v. 12). Vale lembrar que, segundo pesquisas atuais, quase a metade dos alimentos se perdem. Jesus fez o milagre a partir da partilha. Se todos repartissem o que têm e não desperdicem nada, não haveria mais fome, “ninguém passava necessidade” (At 4,34).
Vendo o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: „Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo“. Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte (vv. 14-15).
O quarto evangelho chama os milagres de Jesus de “sinais” (v. 2; cf. 2,11.23; 3,2; 4,48.54; 6,29.30; 7,3.31; 9,16.3; 11,15.42; 12,37; 20,30). O povo viu o “sinal que Jesus tinha realizado” e reconhece nele “o Profeta”, anunciado por Moisés em Dt 18,15.18, e aclama: “Este é verdadeiramente o profeta, aquele que devia vir ao mundo” (v. 14; cf. 1,21; 7,40; 11,25; Mc 8,28par).
Mas “Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte” (como Moisés em Ex 19,3.20; 24,2.12; 34,2-4), quando o povo queria “levá-lo para proclamá-lo rei”. O “rei” é o messias descendente de Davi. Esta proclamação de “rei”, segunda aclamação depois de “profeta”, adquire um caráter político que Jesus queria evitar a todo custo (cf. o segredo do messias em Mc 8,29-30 etc.). O povo interpretou mal e superficialmente o milagre. Em vez de trabalhar e aprender a partilhar, o povo espera uma solução mágica de seus problemas por um rei ou um governo. Jesus busca a fé, não um entusiasmo esporádico e menos ainda um fanatismo agressivo.
O site da CNBB comenta: O capítulo sexto do evangelho de São João é reservado para o discurso sobre o sacramento da Eucaristia, e Jesus, no uso da sua pedagogia, prepara os judeus para esse discurso através da multiplicação dos pães. A prática pedagógica de Jesus deve ser o grande iluminativo para a nossa prática missionária, pastoral e evangelizadora. Nós devemos anunciar o evangelho a partir da realidade das pessoas, de suas experiências de vida, dos seus valores e das suas expectativas. Antes de anunciar a Palavra de Deus, precisamos criar a necessidade dela no coração das pessoas como Jesus, que a partir da necessidade do pão, cria a necessidade do pão da vida eterna.

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