08 de agosto de 2018, quarta-feira: Isto diz o Senhor: “Exultai de alegria por Jacó, aclamai a primeira das nações; tocai, cantai e dizei: ‘Salva, Senhor, teu povo, o resto de Israel’” (v. 7).

Leitura: Jr 31,1-7 (Sl resp.: Jr 31,10-13)

Em Jr 30-33, textos dedicados foram agrupados ao tema da restauração de Israel e Judá.

O trecho de 30,1-31,22 é uma colação poética e pertence provavelmente à escola deuteronomista. A Nova Bíblia Pastoral (p. 991) comenta: As primeiras poesias foram colecionadas e elaboradas durante a reforma de Josias (2Rs 22-23) para exaltar a volta dos exilados de Israel do Norte e sua reunificação com Judá em torno de Sião (31,5-6.15.18.20) … O anúncio de retorno e de restauração foi em seguida estendido e ampliado aos exilados na Babilônia (30,3-4.8-9.17; 31,1 etc.).

A leitura de hoje enfatiza que, antes da restauração, o povo tem de passar pela experiência fundacional do êxodo, libertação e prova, experiência a qual se revela o amor eficaz de Deus. Tomará a forma de caminho por um deserto, peregrinação a um santuário.

Naquele tempo, diz o Senhor, serei Deus para todas as tribos de Israel, e elas serão meu povo (v. 1).

A Bíblia do Peregrino (p. 1923) comenta: Pela introdução temporal e pela fórmula de aliança, este versículo serve de introdução. “Todas as tribos” é expressão enfática: o reino do Norte incluía dez tribos (1Rs 11,30-32), cada qual com muitos clãs. O título ”Deus de Israel” não pode arvorar-se como um monopólio: todas as tribos e clãs são povo escolhido.

Isto diz o Senhor: “Encontrou perdão no deserto o povo que escapara à espada; Israel encaminha-se para o seu descanso”. O Senhor apareceu-me de longe: “Amei-te com amor eterno e te atraí com a misericórdia (vv. 2-3).

Já Oseias retomou do modelo do Êxodo a conversão do povo e o “perdão no deserto” (Os 2,16-25). O tema do novo Êxodo, que trará Israel de volta do exílio, aparece aqui e nos vv. 8-9.21; será desenvolvido no exílio da Babilônia pelo Segundo Isaías (cf. Is 40,3 etc.).

“Te atraí com a misericórdia”; outras traduções: “por amizade que te atraio para mim”; ou “eu faço durar minha fidelidade para contigo”, ou “prolonguei minha lealdade” ou “conservei para ti o amor” (expressão parecida em Sl 36,11 e 109,12).

A raiz de tudo é o amor misericordioso: por causa dele, Deus “prolonga sua lealdade” muito além do pecado e do castigo; por causa dessa lealdade, o povo pode alcançar o “perdão” (favor, graça) num momento infeliz. Amor, favor e lealdade formam um trio significativo.

De novo te edificarei, serás reedificada, ó jovem nação de Israel; de novo teus tambores ornarão as praças e sairás entre grupos de dançantes. Hás de plantar vinhas nos montes de Samaria; os cultivadores hão de plantar e também colher (vv. 4-5).

Do amor misericordioso brota a esperança: há um “de novo” (duas vezes). Os dois verbos na vocação de Jeremias, “edificar” e “plantar” (1,10), ressoam em sentido próprio e como símbolos.

Israel é considerado ainda “jovem nação” (cf. Oseias que vê ela como esposa ou filho); outros traduzem: “virgem Israel”. Edificar/construir tem aqui um duplo sentido, A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 7665) comenta:  Assim como Deus antigamente construiu a mulher (Gn 2,22), da mesma forma “construirá” a virgem Israel para fazer dela uma pessoa perfeita; fará isso “reconstruindo” a sua terra.

A Bíblia do Peregrino (p. 1923) comenta: Entre o urbano e o agrário, entre o repouso da cidade e o trabalho do campo, o poeta insere a festa, que transforma a veste em adorno, o movimento em dança (cf. Jz 9,27).

Virá o dia em que gritarão os guardas no monte Efraim: “Levantai-vos, vamos a Sião, vamos ao Senhor, nosso Deus” (v. 6).

Aqui, o tema do deserto passa para o da romaria: Os guardas dos povoados, que espiam o despontar da aurora (Sl 130,6), dão o grito matutino (“levantai-vos”) para despertar os romeiros (Sl 122,1: “Vamos a casa de Javé”). A romaria os conduz a “Sião”, ou seja ao morro onde está construído o templo de Jerusalém, centro espiritual do povo (cf. 2Cr 30).

O monte de Efraim representa o reino do Norte, Israel (v. 9b; cf. Os 11,3.8; 12,1 etc.). Efraim era um dos dois filhos de José, nascido no Egito. Como os levitas não receberam terra, as tribos Efraim e Manassés receberam terra cada uma no centro do Israel, assim a terra de Canaã foi distribuída entre doze tribos de Jacó-Israel (cf. Gn 48; Js 16-17). Depois de Salomão em 931 a.C., o reino se dividiu em dois, o reino do Norte (Israel com a capital de Samaria) e o do Sul (Judá com a capital de Jerusalém (cf. 1Rs 12). Em 722 a.C., os assírios acabaram com o reino do Norte, em 586, os babilônios com o do Sul; Jeremias vive nos últimos anos do reino do Sul.

As relações entre os dois reinos variavam entre união e divisão, hostilidade e reconciliação, batalhas e alianças. A queda de Samaria em 722 deve ter despertado sentimentos contrastantes como satisfação rancorosa, arrependimento, compaixão fraterna. Muitos israelitas se refugiaram ao reino do Sul na época do rei Ezequias, e a população de Jerusalém aumentou bastante. O rei Josias tentou conquistar territórios e atrair cidadãos do norte. Aqui, Jeremias anima os irmãos do norte, dirige-se aos sobreviventes de Israel, que “escapou da espada” (v. 2) com uma mensagem e esperança: haverá uma nova libertação, um êxodo com uma peregrinação a Sião. Jeremias alimenta o sonho da unidade religiosa reencontrada em torno do santuário de Sião.

Isto diz o Senhor: “Exultai de alegria por Jacó, aclamai a primeira das nações; tocai, cantai e dizei: ‘Salva, Senhor, teu povo, o resto de Israel’” (v. 7).

O destinatário deste v. pode ser o reino do Sul, Judá: o irmão que ficou em casa deve alegrar-se com a volta do irmão pródigo (o reino do Norte, “Israel” que acabou na invasão dos assírios em 722 a.C.). Unificado o “resto” continua sendo a “primeira (lit. cabeça) das nações” (Dt 28,13), “povo” do Senhor.

O texto hebraico tem: “Salva, Senhor, teu povo”; o texto grego tem: “salvou seu”. O grito por socorro (cf. 2Sm 14,4 dirigido ao rei), libertação e salvação (cf. Sl 118,25) tornou-se uma aclamação litúrgica: Hosana (hebraico: Salve-nos). Assim Jesus foi aclamado rei-messias na sua entrada de Jerusalém (Mc 11,9-10p; cf. o grito do cego no último episódio antes dessa entrada, Mc 10,46-52p).

 

Evangelho: Mt 15,21-28

No evangelho de hoje, Jesus se afasta outra vez (cf. 12,15; 14,13), desta vez vai à região pagã do Líbano e da Síria, às cidades Tiro e Sidônia, onde realiza outra cura à distância (a primeira foi a do servo/filho do centurião pagão em 8,5-13)

Jesus foi para a região de Tiro e Sidônia (v. 21).

Estas duas cidades litorâneas da Fenícia (atual Líbano) foram acusadas no AT por causa da sua riqueza e soberba (cf. Is 1,9s; Lm 4,6-16; Ez 16,46-56). Em 8,28-34, Jesus já estava numa região pagã (apesar de 10,5s).

Eis que uma mulher cananeia, vindo daquela região, pôs-se a gritar: “Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim: minha filha está cruelmente atormentada por um demônio!” (v. 22).

Depois da controvérsia com os fariseus e mestres da lei que vieram de Jerusalém (vv. 1-20), Jesus encontra uma mulher pagã, uma cananeia. “Cananéia” não é só expressão bíblica por pagã, mas corresponde à autodenominação dos moradores de lá, dos fenícios. Em Mc 7,26, ela é caracterizada como “grega, siro-fenícia de nascimento”; os gregos chamaram os cananeus de “fenícios”. Em Is 23,11s, a região da Fenícia faz parte da terra de Canaã.

Como o centurião romano em 8,5s (cf. o comentário do sábado da 12ª semana), ela pede ajuda por sua filha, pedindo piedade na linguagem dos salmos (cf. Sl 6,3; 9,14; 27,7; 31,10; 41,5; 86,3; 123,3 etc.), e chama Jesus de “Senhor” (em Mt, só os discípulos e pessoas necessitadas o chamam assim). Ela sabe que Jesus é o messias de Israel, o “Filho de Davi” (cf. 1,1; 9,27; 12,23; 1522; 20,30p; 21,9.15) que já curava muitas pessoas na terra dele. A mulher pagã reconhece que Jesus não é só uma personalidade moral e religiosa, mas alguém que realiza um projeto concreto: guiar o povo de Deus na história. Esse reconhecimento do Filho de Davi faz que ela participe, com sua filha, desse projeto. Não são os atos de purificação ou as crenças particulares que engajam alguém no povo de Deus, mas o fato de acreditar que Jesus é o líder desse povo.

Mas, Jesus não lhe respondeu palavra alguma (v. 23a).

Um rabino judeu não costumava conversar com mulheres estranhas, muito menos com uma pagã (cf. Jo 4,7-9).

Então seus discípulos aproximaram-se e lhe pediram: “Manda embora essa mulher, pois ela vem gritando atrás de nós” (v. 23b).

Mt acrescentou ao relato que pegou de Mc 7,24-30 a reação dos discípulos. Insensíveis a miséria alheia, os discípulos não intercedem, mas querem se livrar da gritaria dela.

Jesus respondeu: “Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel (v. 24).

A resposta de Jesus justifica a má educação dos discípulos diante da mulher com sua própria missão que se dirige ao povo de Israel. As “ovelhas perdidas” de Israel não são os pecadores (cf. 18,12-14), mas o povo eleito por inteiro, ao qual faltam pastores (cf. 9,36; 10,5s). Através da missão de Jesus, Deus é fiel às suas promessas para seu povo. Só pela rejeição do povo judeu, a missão se abrirá aos pagãos, mas só no final do evangelho, depois da ressurreição (28,19s).

Mas, a mulher, aproximando-se, prostrou-se diante de Jesus, e começou a implorar: “Senhor, socorre-me!” (v. 25).

De novo, a mulher pede socorro (cf. Sl 44,27; 70,6; 79,9; 109,28) chamando Jesus de Senhor e agora se prostrando diante dele (cf. 2,11; 8,2; 9,18; 14,33). O pedido repetido da mulher e a tentativa dos outros de afastá-lo lembram a cura do cego Bartimeu (Mc 10,46-52; cf. Mt 20,29-34).

Jesus lhe disse: “Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos” (v. 26).

A resposta de Jesus só se pode entender dentro do (pré-)conceito dos judeus: Os “filhos” são os israelitas (Ex 4,22; Os 11,1). A eles se serve “primeiro” (Mc 7,27) e a comida melhor. Mt salienta a preferência pelos judeus na história da salvação (cf. 10,5s; Jo 4,22; Rm 9,4-5). O que resta é para os cães criados em casa. Nesta comparação, “cães” designa os pagãos, mas não era metáfora tal comum (cf. 7,6).

A mulher insistiu: “É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!” (v. 27).

A mulher aceita a comparação, nem tanto por humildade, mas porque assim resta alguma coisa para ela. Ela pode insistir no seu pedido, porque até os cães recebem comida.

Diante disso, Jesus lhe disse: “Mulher, grande é a tua fé! Seja feito como tu queres!” E desde aquele momento sua filha ficou curada (v. 28).

Agora Jesus atende a vontade dela. Em Mt, não são as pessoas que falam da sua própria fé, mas Jesus declara a insistência e confiança do pedido delas como “fé”. Por causa desta fé, a filha pode sarar. A fé inclui curas concretas, até à distância. O final assemelha-se da cura do filho/servo do centurião romano (8,13), e como esta, é outro sinal para entender a história da salvação após a ressurreição.

Jesus não confina a ação de Deus nos limites de Israel, mas deixa-se tocar pela fé de uma mulher pagã. Os pagãos serão salvos à distância, não pelo encontro direto com Jesus (privilégio histórico dos judeus, da terra santa), mas por sua palavra. A comunidade de Mt consistia de judeu-cristãos, vivendo em ambiente pagã e hostilizados por outros judeus. A abertura de Jesus os incentiva a procurar novos relacionamentos e áreas de atuação. A nós, este evangelho de hoje pode incentivar o ecumenismo e o diálogo inter-religioso, ou seja, reconhecer certa fé em outras religiões também (cf. os documentos do Concílio Vaticano II, UR e NA).

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos revela a diferença fundamental entre o judaísmo e o cristianismo, entre as ideias do povo de Israel e as ideias que devem marcar a vida da Igreja. Para o povo de Israel, ele era o único povo de Deus e não poderia haver outro e as demais nações da terra não poderiam receber os benefícios de Deus. Para a Igreja, todos os homens e mulheres do mundo, de todas as classes, línguas e nações, são objetos da ação salvífica de Deus, de modo que a graça divina é para todos e a salvação é universal. No primeiro momento do Evangelho de hoje, Jesus nos mostra que é verdadeiramente um judeu, mas no segundo, nos mostra como verdadeiramente devemos ser e agir.

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