09 de Setembro de 2018, Domingo: Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!” Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade (vv. 34-35).

1ª Leitura: Is 35,4-7a

A 1ª leitura foi escolhida em vista da cura do surdo apresentado no evangelho de hoje.

Os caps. 34-35 de Isaías receberam o nome “pequeno apocalipse” de Is. Contém uma descrição dos últimos e terríveis combates que Javé Deus deve empreender contra as nações (pagãs) em geral e contra Edom em particular (cap. 34), seguida do anúncio do juízo final que restabelecerá Jerusalém em sua glória total. O caps. 35 inteiro é um hino à alegria, com dez menções de quatro sinônimos de “alegria”.

Junto ao precedente, o texto de hoje é a reviravolta total. Ao julgamento pronunciado contra Edom se opõem as bênçãos reservadas a Jerusalém. A renovação atinge as deficiências do corpo mutilado e a fraqueza da natureza deserta. Uma corrente de alegria atravessa e vivifica tudo; e a razão da alegria é a glória do Senhor, a sua recompensa, a sua redenção. Canta-se apenas a marcha, não se descreve a instauração do novo reino

A intenção e o estilo dependem da segunda parte do livro de Is (Deutero-Isaias, cap. 40-55), são comparáveis aos dos cap. 24-27, o “grande apocalipse” de Is, e pertencem como estes à última etapa de composição do livro na época pós-exílio.

Dizei às pessoas deprimidas: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar” (vv. 3-4).

A comunidade dos judeus ficou enfraquecida pelo exílio, precisava ser socorrida (cf. 40,19-21e as promessas de 40,10; Is 52,6). Para reanimar a comunidade cristã que sofria nas perseguições, Hb 12,12 cita o versículo 3 (omitido pela nossa liturgia): “Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados.”

Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo (vv. 5-6).

Da reanimação de fraquezas temporárias e psíquicas passa para a cura de deficiências físicas. Olhos e ouvidos eram temas condutores nos cap. 28-33 e o são em 40-55. Em Mt 11,5 e Lc 7,18 a cura destas deficiências são citadas como cumprimento da profecia sobre o messias (cf. Is 29,18; At 3,8 etc.) para tirar as dúvidas de João Batista na prisão.

A terra árida se transformará em lago, e a região sedenta, em fontes d’água (v. 7ª).

Esta transformação da seca encontra-se também em Is 41,18s; 43,20; 48,21 (cf. Jo 4). O texto continua com a profecia da volta do exílio como se fosse um segundo êxodo. Os contatos com o Segundo Isaias são particularmente numerosos com os temas do êxodo e o retorno à pátria, como sagrada peregrinação pelo deserto.

A transformação da natureza reflete a “glória do Senhor” (v. 2). No livro de Ex, a glória do Senhor é associada à nuvem luminosa e a tempestade no Sinai (cf. Ex 13,21s; 16,10; 19,18s; 24,16; 34,29; 40,34s; cf. 1Rs 8.10s; 19,11-13; Ez 1), aqui à fecundidade do deserto da Síria pelo qual vão passar os israelitas libertados, saindo do exílio na Babilônia (cf. 40,5). No v. 2, este deserto será como as regiões mais arborizadas (Líbano, Carmelo) e como a planície fértil do litoral (Saron; cf. a flor em Ct 2,1).

 

 

2ª Leitura: Tg 2,1-5

 

 

2ª Leitura: Tg 2,1-5 (TC par, 6ªs 5ª)

6ª semana 5ª feira

Leitura: Tg 2,1-9

Continuando a carta de Tiago, a 2ª leitura de hoje apresenta exemplo concreto do favoritismo que deforma a comunidade cristã: dar mais atenção ao rico do que ao pobre.

A Bíblia do Peregrino (p. 2896) comenta: Se o AT admite parcialidade, é a favor do desvalido em qualquer situação. A inclinação para o necessitado é um ato de piedade que tempera uma justiça rigorosa, impiedosa; uma justiça abstrata, que impõe uma igualdade mecânica, ignorando as desigualdades humanas; uma justiça que se torna injustiça: summum ius summa iniuria.

Assim é a lei “do reino, de homens livres”, não fundada na escravidão (v.12); faz com que a piedade acompanhe a justiça, como no programa de governo no Sl 101. O autor menciona ricos e pobres como caso típico: ver o agudo e irônico comentário de Eclo 13,1-8. Discriminar, embora não seja feito em contexto de tribunal, tem algo de julgamento, porque se traduz em decisões.

Meus irmãos, a fé que tendes em nosso Senhor Jesus Cristo glorificado não deve admitir acepção de pessoas (v. 1).

Jesus é definido como objeto da fé dos destinatários desta carta, e assim nos orienta para o reino e a lei dos homens livres (1,25: “lei da liberdade”). A parcialidade e a acepção que fazem diferença entre as pessoas, opõem-se à fé no Senhor Jesus Cristo. De fato, para o cristão existe uma só glória: é a glória do Senhor. No “Senhor Jesus Cristo glorificado” (lit.: “de glória”; cf. 1Cor 2,8: “Senhor da glória”; Paulo identifica o crucificado com Javé; cf. Fl 2,5-11), Deus não tem nenhum favoritismo, particularmente no exercício de juízo (cf. Rm 2,11; Ef 6,9; Cl 3,25; 1Pd 1,17).  É a única menção explícita de Jesus Cristo na carta (fora do título em 1,1); por isso tem valor particular. A partir daí poderíamos identificar com Cristo outras menções de “o Senhor”. A raridade das menções de Jesus poderia ser um reflexo da tradição conservada na Igreja de Jerusalém sob o patrocínio de Tiago, mas formada e adaptada para os judeu-cristãos do mundo grego, para que não se perdessem os valores cristãos autênticos herdados do judaísmo. De fato, Jesus histórico falava pouco de si mesmo, mas muito de Deus, seu Pai e do seu reino.

Pois bem, imaginai que na vossa reunião entra uma pessoa com anel de ouro no dedo e bem vestida, e também um pobre, com sua roupa surrada, e vós dedicais atenção ao que está bem vestido, dizendo-lhe: “Vem sentar-te aqui, à vontade”, enquanto dizeis ao pobre: “Fica aí, de pé”, ou então: “Senta-te aqui no chão, aos meus pés” – não fizestes, então, discriminação entre vós? E não vos tornastes juízes com critérios injustos? (vv. 2-4).

“Na vossa reunião”, lit.: “sinagoga”. É a única passagem do NT em que a reunião dos cristãos é chamada assim (cf. 5,14). Alguns querem ver aí um indício de que Tiago se dirigia a judeus convertidos ao cristianismo. De fato, a palavra grega sinagoga significa “reunião”. Quando dez homens se reunirem para rezar e ler a Bíblia judaica, é uma “sinagoga”. Para fazer diferença, os cristãos começaram usar a palavra grega ecclesia (Igreja) da raiz “chamar para fora” (para assembleia fora de casa) que vem do hebraico qahal (assembleia).

“Vos tornastes juízes com critérios injustos”, cf. o princípio enunciado pelo rei Josafá na sua reforma da magistratura: “Nosso Deus não admite injustiça, favoritismos, nem subornos” (2Cr 19,7).

Meus queridos irmãos, escutai: não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam? (v. 5).

A eleição divina já opera uma transformação da pobreza segundo o mundo em riqueza de fé, enquanto os ricos só acumulam tesouro ameaçado (cf. 1,11; 5,1-3). Os pobres (1,9-10) possuem riqueza e sabedoria verdadeiras (cf. a comunidade em Corinto, 1Cor 1,26-31). Essa eleição inclui a promessa de uma herança escatológica (eterna; cf. as bem aventuranças em 1,12; Mt 5,3p; cf. 11,25-27; 1Cor 6,9s; 15,50; Gl 5,21).

A Bíblia Sagrada Edição Pastoral (p. 1491) resume: Deus prefere os pobres e, portanto, essa é a única preferência que se justifica na sociedade humana. A dignidade dos pobres repousa no fato de que eles são ricos na fé e herdeiros do Reino (cf. Mt 5,3; 11,25-27). Os ricos são indignos porque difamam o nome, isto é, a própria pessoa de Jesus (cf. At 9,5) oprimindo, perseguindo e distorcendo a justiça contra aqueles que se comprometem com o projeto de Deus. O favoritismo em prol dos ricos não se concilia com a fé cristã, porque se choca com o mais importante dos mandamentos. Segundo o contexto, próximo, aqui, significa o pobre e oprimido. Qualquer tipo de favoritismo em favor do rico não é simplesmente desobediência a um dos pontos da lei de Deus, mas à lei inteira, que se resume no amor ao pobre. O cristão se rege pelo Evangelho, que tem como centro o mandamento do amor (= lei da liberdade,…). E este mandamento se realiza na prática da misericórdia, concretizada na preferência pelos pobres e marginalizados, tornando-se a matéria única do julgamento (cf. Mt 25,31-46).

 

Evangelho: Mc 7,31-37

No cap. 7 de Mc, depois da controvérsia com os fariseus sobre a pureza (vv. 1-23; evangelho do domingo passado), Jesus se dirigiu a terra pagã (atual Líbano), onde curou a filha de uma mulher sirofenícia (vv. 24-30). No evangelho de hoje, Jesus continua atuando em território pagão.

Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galileia, atravessando a região da Decápole. Trouxeram então um homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram que Jesus lhe impusesse a mão (vv. 31-32).

O itinerário que Marcos traça medianamente coloca Jesus outra vez no território pagão da Decápole (cf. 5,1-20) que são dez cidades helenistas (de cultura grega) a leste do lago de Genesaré (chamado “mar da Galileia”).

Não explica quem são “eles” que trouxeram o deficiente auditivo, nem quem é o “povo”: judeus ou pagãos? Hoje não se fala mais “surdo-mudo”, mas apenas “surdo”, porque a dificuldade de falar vem da deficiência auditiva, o homem falaria perfeitamente se ouvisse, aprenderia. “Falar com dificuldade”, esta expressão só se encontra em Is 35,5 grego (1ª leitura).

Pediram a Jesus que impusesse “a mão” (só aqui e em Mt 9,18; a expressão costumeira no NT é no plural: impor as mãos; cf. 5,23)

Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão; em seguida colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele (v. 33).

O doente está incomunicável em grande parte. Ao surdo, Jesus fala primeiro com gestos corporais, comprometendo o tato. O dedo transmite poder e é sinal dele (Ex 8,15; Lc 11,20); penetra e abre o ouvido (cf. Sl 40,7, texto hebraico). Os antigos atribuíam à saliva virtudes terapêuticas: a de Jesus é milagrosa. De fato, a saliva tem certa qualidade anti-inflamatória como se pode observar em animais lambando suas feridas.

Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!” Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade (vv. 34-35).

Erguendo os olhos ao céu indica “de onde vem o auxílio” (Sl 121,1 e 123,1). Este gesto é comum para oração (cf. 6,41). Agora significa abastecer-se da força divina, assim como o “suspiro” (cf. Rm 8,22-27). Este gemido funciona como súplica (cf. Rm 8,26).

A palavra aramaica Efatá pode indicar que a o relato nasceu num âmbito da Palestina. Mas no gênero literário da época greco-romana, fazia parte em relatos de curas que o protagonista curandeiro usava gestos estranhos e falava em línguas exóticas. Jesus fala uma palavra de sua língua materna (aramaica), “Efatá”, que o evangelista traduz para que seus leitores greco-romanos não a confundam com magia (cf. “Talita cum” em 5,41; “Hosana” em 11,9; ”Abba” – Pai em 14,36; “Eloi…” em 15,34). A fórmula “Efatá – Abre-te” entrou na liturgia antiga do batismo simbolizando a abertura da fé (cf. Rm 10,14s: a fé vem do ouvido; cf. o shema – “ouça Israel” em Dt 6,4).

Jesus pronuncia o mandato peremptório que “abre” e “desata, solta” (talvez a palavra alude a amarração por um demônio de doença, cf. Lc 13,16; o amarrado será solto, liberto). A cura é constatada logo, “imediatamente” (palavra preferida de Mc).

Jesus recomendou com insistência que não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais eles divulgavam. Muito impressionados, diziam: “Ele tem feito bem todas as coisas: Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar” (vv. 36-37).

Como em outras ocasiões, Jesus não quer a divulgação da cura. É o chamado “segredo do messias”, uma característica no Evangelho de Mc (1,24s.34.44; 3,12; 5,43; 7,36; 8,25.30; 9,9). Jesus não quer ser confundido com um messias guerreiro igual a Davi ou com um médico famoso que prolonga a vida dos doentes. A sua missão de messias é salvar o povo através da doação de sua própria vida, e isso só se revelará na cruz (cf. 10,45; 15,39).

Mas as pessoas “muito impressionadas” não conseguem guardar o segredo (cf. 1,45; 4,22) e prorrompem numa exclamação que recorda a ação criadora de Gn 1,31 e a profecia de Is 35,5-6 (cf. 1ª leitura): o criador ”tem feito bem todas as coisas”, o redentor restaura a bondade. Por Jesus, a criação caída será renovada inteiramente (cf. Ap 21,5 e o significado simbólico do primeiro dia da semana em Gn 1,3-5 e Mt 28,1p).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB, p. 1939) observa certas semelhanças da cura do surdo em vv. 32-37 com a do cego em 8,22-26: Esses dois relatos, próprios de Mc e situados cada uma ao termo de uma série de episódios ligados a uma multiplicação dos pães, parecem tomar em Mc o valor de sinais de apoio para uma catequese inspirada em Is 35,5-6, aqui citada em v. 37. O texto de Is, citada em Mt 11,5p fala não só da cura dos surdos e mudos, ilustrada pela primeira narrativa, mas também da dos cegos, ilustrada pela segunda.

O site da CNBB resume: A comunicação é fundamental para que a pessoa possa viver em sociedade, e quem tem dificuldades para se comunicar pode facilmente ser excluído da comunidade à qual pertence. Quando vemos Jesus curar o surdo-mudo, ele não está simplesmente resolvendo o problema de saúde de alguém, mas está criando condições para que essa pessoa possa ser integrada na comunidade em que vive, possa também discutir os seus valores e deixar de ser uma pessoa com dependência, mas ser protagonista da sua história e da sua própria vida, portanto os benefícios que Jesus propicia ao surdo mudo vão muito além da simples cura.

 

 

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