1 de Abril de 2019, Segunda-feira: Jesus disse-lhe: “Se não virdes sinais e prodígios, não acreditais. ” O funcionário do rei disse: “Senhor, desce, antes que meu filho morra! ” Jesus lhe disse: “Podes ir, teu filho está vivo. ” O homem acreditou na palavra de Jesus e foi embora (vv. 48-50).

Leitura: Is 65,17-21

Os habitantes de Jerusalém e todo o povo de Judá sofriam por décadas o sítio da cidade pelo exército babilônico, que resultou na destruição da cidade em 587/586 a.C. e no desterro. A volta do exílio significava ainda uma vida austera e difícil no meio das ruínas. Também o centro das saudades (cf. Sl 137), o templo de Salomão, era um lugar de desolação (até sua reconstrução em 520). Neste tempo triste, o Terceiro Isaias (Is 56-66) levanta sua voz e anuncia uma nova ação de Deus em favor de seu povo.

(Assim fala o Senhor:) eis que eu criarei novos céus e nova terra, coisas passadas serão esquecidas, não voltarão mais à memória. Ao contrário, haverá alegria e exultação sem fim em razão das coisas que eu vou criar (vv. 17-18a).

Já os profetas antigos como o primeiro Isaías escreveram a felicidade dos tempos messiânicos como um retorno ao paraíso (cf. 11,6-9, citado pelo terceiro Isaías em 65,25), mas nas obras apocalípticas (profecias tardias), vislumbra-se uma renovação total (cf. Dn 7). Será um mundo completamente novo, “novos céus e nova terra”, o que é anunciado e descrito ao longo de toda a literatura apocalíptica (Ap 21,1; 2Pd 3,13).

A nova ordem é estabelecida com a abolição da memória dolorosa e a afirmação da alegria plena. A memória pode paralisar (43,18) e obscurecer a alegria presente.  As angustias do passado, “coisas passadas serão esquecidas, não voltarão mais a memória”. O Senhor suscita não somente um novo êxodo, anunciado pelo Segundo Isaías (43,18), mas um mundo renovado. “Haverá alegria e exultação sem fim” na nesta nova criação que lembra o paraíso (v. 25).

Farei de Jerusalém a cidade da exultação e um povo cheio de alegria. Eu também exulto com Jerusalém e alegro-me com o meu povo; ali nunca mais se ouvirá a voz do pranto e o grito de dor (vv. 18b-19).

A alegria (cf. Is 35) partilhada é festa: o povo festeja o Senhor, o Senhor festeja Jerusalém. “Eu também exulto com Jerusalém e alegro-me com meu povo; ali nunca mais se ouvirá a voz do pranto e o grito de dor” (v. 19; cf. 25,8; Ap 21,4). O Senhor cria uma cidade e um povo convertidos em pura alegria (culmina a série de 51,3; 54,1; 60,5; 62,5).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 957) comenta: A partir das situações de falta de vida experimentadas no cotidiano, nasce o sonho de uma nova sociedade sediada em Jerusalém (v. 18). As bênçãos de Javé se realizarão: vida longa, casa, terra e comida, descendência e possibilidade de usufruir dos frutos do próprio trabalho (vv. 19-23).

Ali não haverá crianças condenadas a poucos dias de vida nem anciãos que não completem seus dias. Será considerado jovem quem morrer aos cem anos; e quem não alcançar cem anos, passará por maldito. Construirão casas para nelas morar, plantarão vinhas para comer seus frutos (vv. 20-21).

“Será considerado jovem que morreu aos cem anos. ” A longevidade é uma das bênçãos no horizonte deste mundo (v. 20; cf. Sl 90,21). Desfrutar do próprio trabalho é outra benção (62,8-9). No novo mundo, serão livres de opressores internos (trabalho escravo) ou agressões externas (ladrões, invasores), “construirão casas para nelas morar, plantarão vinhas para comer seus frutos” (v. 21). Numa terra, sempre insegura (até hoje) e dependente de outras potências (até hoje), podemos imaginar o que significa paz (shalom): ser livre dos agressores e opressores, desenvolver e desfrutar de suas habilidades e seus trabalhos sem ser roubado e assaltado, prosperar e repousar, ou seja, felicidade completa.

Esta leitura de hoje combinaria também no tempo do Advento. A profecia de Trito-(Terceiro) Isaias é menos ligada a pessoas contemporâneas, como Jeremias a Nabucodonosor e Deutero-(Segundo) Isaías a Ciro (“seu ungido”; cf. 44,28-45,1), mas insiste na manifestação da glória do Senhor (cf. 60,1-3; leitura da Epifania). A graça do Senhor, porém, não é barata, tem uma condição: é a conversão do povo (cf. cap. 58) que vai “preparar o caminho” (cf. 40,3-6; 57,14-21; 62,10-12; cf. Mc 1,3s), pois “para os ímpios não há paz” (57,21).

Evangelho: Jo 4,43-54

Na quarta e quinta semana da Quaresma, ouvimos exclusivamente textos do quarto evangelho (Jo). No evangelho de hoje, Jesus realiza seu segundo milagre (“sinal”), uma cura à distância apenas pela sua palavra (cf. Mt 8,5-13; Lc 7,1-10).

Jesus partiu da Samaria para a Galileia. O próprio Jesus tinha declarado, que um profeta não é honrado na sua própria terra. Quando então chegou à Galileia, os galileus receberam-no bem, porque tinham visto tudo o que Jesus havia feito em Jerusalém, durante a festa. Pois também eles tinham ido à festa (vv. 43-45).

Nos evangelhos sinóticos (Mc, Mt, Lc) há uma única viagem de Jesus adulto a Jerusalém onde celebra a Páscoa e é crucificado. Mas no quarto e mais novo evangelho (Jo), Jesus faz várias viagens à capital. Aqui voltou da primeira estadia em Jerusalém, onde acabou de expulsar os vendedores do templo (2,13-22) e conversar com Nicodemos (3,1-21). Na volta à Galileia passou por Judeia (3,22-4,3) e Samaria, onde se converteram muitos habitantes da região (4,3-42).

Nos outros evangelhos (Mc 6,4; Mt 13,57; Lc 4,24), a palavra de Jesus, “um profeta não é honrado na sua própria terra”, se situa na sinagoga de Nazaré. Para que tenha sentido aqui em Jo, podemos referi-lo a Judeia, apoiando-nos em 4,22; 7,12.41s. O messias é judeu de tribo (descendente de Davi que era da tribo de Judá), é entre os “judeus” que encontra hostilidade. O evangelista Jo emprega o termo “judeus” para os representantes do povo e a elite hostil a Jesus. É um reflexo da época do autor (90 d.C.), em que os representantes do judaísmo excomungaram os cristãos da sinagoga (cf. 9,22)

Assim, Jesus voltou para Caná da Galileia, onde havia transformado a água em vinho. Havia em Cafarnaum um funcionário do rei que tinha um filho doente. Ouviu dizer que Jesus tinha vindo da Judéia para a Galileia. Ele saiu ao seu encontro e pediu-lhe que fosse a Cafarnaum curar seu filho, que estava morrendo (vv. 46-47).

O primeiro (“sinal”) milagre de Jesus aconteceu em “Caná da Galileia, onde havia transformado a água em vinho” (2,1-12). Agora, encerrando um ciclo de atividades em Jerusalém e Samaria, Jesus volta a Caná, enquanto de Cafarnaum vem “um funcionário do rei que tinha um filho doente” (v. 46). Será o segundo milagre, a primeira cura em Jo.

Nos relatos paralelos de Mt 8,5-13 e Lc 7,1-10 é um “centurião” (não necessariamente romano, mas pagão), também em Cafarnaum, que tinha um “servo” doente (mas a palavra grega em Mt 8,6 pode ser traduzido também por “menino, filho”). João não diz que o funcionário era pagão, mas ele estava a serviço do rei Herodes Antipas que reinava sobre a Galileia e Transjordânia com o apoio de Roma.

Se o milagre demonstra o poder de Jesus diante da morte iminente (cf. Sl 30), o funcionário demonstra fé. Começa com um ato de confiança baseada na fama de Jesus e pede um milagre.

Jesus disse-lhe: “Se não virdes sinais e prodígios, não acreditais. ” O funcionário do rei disse: “Senhor, desce, antes que meu filho morra! ” Jesus lhe disse: “Podes ir, teu filho está vivo. ” O homem acreditou na palavra de Jesus e foi embora (vv. 48-50).

Jesus critica a ânsia de milagres: “Se não virdes sinais e prodígios, não acreditais” (v. 48; cf. 20,29; 1 Cor 1,22). Mas o pai insiste alegando urgência: “Senhor, desce antes que meu filho morra! ” (v. 49). Jesus, porém, não desce a Cafarnaum (onde foi morar nos outros evangelhos, e encontrou o centurião, cf. Mt 4,12; 8,5; Lc 7,1s), simplesmente diz: “Podes ir, teu filho está vivo”, e o homem “acreditou na palavra de Jesus e foi embora”. Esta é a fé que Jesus procura: a fé na sua palavra, não uma fé a partir de sinais e prodígios.

Enquanto descia para Cafarnaum, seus empregados foram ao seu encontro, dizendo que o seu filho estava vivo. O funcionário perguntou a que horas o menino tinha melhorado. Eles responderam: “A febre desapareceu, ontem, pela uma da tarde”. O pai verificou que tinha sido exatamente na mesma hora em que Jesus lhe havia dito: “Teu filho está vivo”. Então, ele abraçou a fé, juntamente com toda a sua família (vv. 51-53).

No caminho, o pai encontra empregados à procura dele; eles contam que seu filho melhorou na mesma hora. Quando comprovou cuidadosamente o milagre, “abraçou a fé, juntamente com toda a sua família” (lit. “todos da sua casa”; v. 53; cf. a conversão e o batismo dos pagãos com suas famílias em At 10,22.44; 11,14; 16,15.31-34).

Depois dos samaritanos, Jesus converteu um pagão (4,39-42; cf. o esquema em At 1,8). Como nos relatos paralelos de Mt e Lc, o funcionário é um exemplo de fé; em nenhum momento dúvida das palavras de Jesus, confia sem reservas. Jesus não desceu a Cafarnaum (em 2,12 ficou lá “apenas alguns dias”, depois só volta em 6,17.25.59), mas sua palavra alcançou eficazmente o moribundo. Jesus é a “palavra” encarnada de Deus, “nela havia vida” (1,4; cf. 1Jo 1,1-2).

Esse foi o segundo sinal de Jesus. Realizou-o quando voltou da Judeia para a Galileia (v. 54).

“Esse foi o segundo sinal de Jesus” (v. 54). Os milagres são chamados “sinais” no evangelho de João. O primeiro sinal em Caná se insere na plenitude da vida, numa festa de casamento (2,1-12); o segundo está no limite da vida e da morte. São sete sinais em Jo, o sétimo será a ressurreição de um morto depois de quatro dias (Lázaro em Jo 11) que por sua vez prefigura a ressurreição do próprio Cristo para vida eterna (cap. 20). O primeiro final de Jo conclui: “Muitos outros sinais Jesus fez na presença de seus discípulos que não constam neste livro. Estes ficam escritos para que creiais que Jesus é o Messias, o Filho de Deus e para que crendo tenhais vida por meio dele” (20,30-31; cf. o anexo 21,25).

Parece contraditória, esta ênfase aos sinais e ao mesmo tempo uma crítica de uma fé que se baseia em milagres (v. 48). Isso pode se explicar pela evolução deste evangelho. Na exegese do quarto evangelho, se distinguem pelo menos três etapas de redação:

  1. Uma coleção de narrativas, chamada a “fonte de sinais”, que apresentava sete milagres para despertar a fé no Messias Jesus.
  2. Uma fase de redação teológica que ressalta a “palavra” (pré-existente e encarnada; cf. 1,1-18) acrescentando longos discursos (por ex.: “Eu sou.…”) à narrativa e juntando o relato da paixão terminando com 20,29-31. Nesta fase se critica uma fé que se baseia apenas nos milagres (4,28): “Bem-aventurados são os que creem sem terem visto…” (20,29).
  3. Uma redação “eclesial” que quer evitar uma cisma (cf. “permanecer” em 15,1-17,26; Jo 2,18-28; 4,1-6), destacando a união de Pedro e o autor do evangelho e da comunidade joanina, o “discípulo amado” (cf. 13,23-25; 18,15; 20,3-9; cap. 21).

O site da CNBB comenta: Jesus declarou que um profeta não é honrado na sua própria terra. Como ele foi criado na cidade de Nazaré, que fica na Galileia, fazia referência aos galileus, que precisavam de sinais e prodígios para crer e ficavam exigindo que Jesus operasse milagres que testemunhariam que ele de fato era o Filho de Deus. Jesus nos mostra que o processo é justamente o contrário: não são os sinais que devem nos levar a crer, mas é a nossa fé que deve produzir sinais de Reino de Deus, sinais de fraternidade, de justiça, de amor, de vida em abundância. Porque ter fé significa ter a presença amorosa e solidária de Deus em todos os momentos da vida.

Voltar