1 de Julho 2019, Segunda-feira: Jesus lhe respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (vv. 19-20).

13ª Semana Comum

Leitura: Gn 18,16-33

Na leitura de ontem (18,1-15) ouvimos como Senhor apareceu a Abrão e Sara em forma dos “três homens” (Deus e dois anjos) “de junto ao carvalho de Mambré” em Hebron (cf. 13,18; 14,13; 15,1). Abraão os acolheu e serviu generosamente a seus hóspedes que renovaram a promessa da descendência.

Na leitura da hoje, Abrão intercede num diálogo pelo seu sobrinho Ló que morava em Sodoma (13,12), uma das cidades que o Senhor pretende destruir (cap. 19). Ao que aprece, um ciclo de Ló (cap. 13-14) foi ligado ao ciclo de Abraão recolhendo e transformando uma velha lenda sobre a destruição de Sodoma e Gomorra.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 37s) comenta: Os pastores praticam o sagrado direito da hospitalidade (18,2-7; 19,1-8; 24,30-32; Jz 19,16-21; Jó 31,32). Inspirados pelo aspecto das rochas e da depressão do mar Morto, os pastores contavam histórias contra as cidades que despeitavam com violência esse costume deles (19,5-8; cf. 12,10-20; Jz 19,22-25). Para seus filhos continuarem como pastores, mostravam Deus do seu lado e as cidades como lugar do mal (18,20; cf. 13,13… Jr 23,14; Mt 11,23; Ap 11,8), onde não havia nenhum justo (18,23-33).

Os homens levantaram-se e partiram na direção de Sodoma. Abraão acompanhava-os para encaminhá-los (v. 16).

Os “homens” que partem são os “dois anjos” (19,1), distintos do Senhor (Javé) que fica com Abraão. Abrão acompanha os dois para encaminhá-los “em direção de Sodoma” (v. 16, cidade cujos vestígios se mantém ao sul do mar Morto).

E o Senhor disse consigo: “Acaso poderei ocultar a Abraão o que vou fazer? Pois Abraão virá a ser uma nação grande e forte e nele serão abençoadas todas as nações da terra. De fato, eu o escolhi, para que ensine seus filhos e sua família a guardarem os caminhos do Senhor, praticando a justiça e o direito, a fim de que o Senhor cumpra em favor de Abraão tudo o que lhe prometeu” (v. 17-19).

Enquanto isso, o Senhor fala consigo (monólogo): “Acaso poderei ocultar a Abrão o que vou fazer? ” (v. 17; cf. Am 3,2-8). Lembra a promessa da benção (cf. Gn 12,2-3). Abraão encontrou a graça de Deus, é um “amigo de Deus” (cf. 18,3; Is 41,8; 2Cr 20,7; Tg 2,23). É um “conhecimento” de pessoa a pessoa que desabrocha em “eleição” (Dt) e “amor” (Os). Para a benção se cumprir, Abraão deve ensinar sua família “os caminhos do Senhor, praticando a justiça e o direito” (v. 19); são as duas virtudes sobre as quais estará baseada a monarquia de Davi (cf. 2Sm 8,15; Is 9,6). Assim Abraão e apresentado aqui como o pai da justiça e do direito, além de ser o pai da fé (Gn 15,6; Rm 4).

Então, o Senhor disse: “O clamor contra Sodoma e Gomorra cresceu, e agravou-se muito o seu pecado. Vou descer para verificar se as suas obras correspondem ou não ao clamor que chegou até mim. ” Partindo dali os homens dirigiram-se a Sodoma, enquanto Abraão ficou na presença do Senhor (vv. 20-22).

Continua um diálogo sobre a justiça divina inspirando-se no questionamento (teodiceia) que catástrofes evocam quando morrem milhares de pessoas culpadas e inocentes. O autor adota um esquema judicial. Chegou ao juiz uma denúncia (v. 20); despacha funcionários para comprovar se é certa (vv. 21-22); sem interrogatório, o juiz vai proceder à sentença; mas antes concede a palavra a um defensor (vv. 17.23). Não sendo suficiente a defesa, passa-se a execução ou condenação (cap. 19). O juiz é Deus, os investigadores são os dois anjos, o defensor é Abraão, cujo sobrinho Ló escolheu morar naquela cidade de pecadores (13,10-13).

Aplica-se o esquema forense do juiz que investiga da denúncia (cf. Dt 17,4-5), porém, quem desce, são os dois anjos, Javé fica com Abraão. Em outros textos se diz que Deus vê tudo e nem precisa averiguar (Sl 11,4-5; Jó 34,24; Pr 15,3. Eclo 16,17-23). Em Ex 3,7-10, o Senhor “viu” a miséria, “ouviu” o clamor do seu povo oprimido e “desce” para libertá-lo (fazer sair/subir) através de Moisés.

Então, aproximando-se, disse Abraão: “Vais realmente exterminar o justo com o ímpio? Se houvesse cinquenta justos na cidade, acaso iríeis exterminá-los? Não pouparias o lugar por causa dos cinquenta justos que ali vivem? Longe de ti agir assim, fazendo morrer o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ímpio. Longe de ti! O juiz de toda a terra não faria justiça? ” O Senhor respondeu: “Se eu encontrasse em Sodoma cinquenta justos, pouparia por causa deles a cidade inteira”. Abraão prosseguiu dizendo: “Estou sendo atrevido em falar a meu Senhor, eu que sou pó e cinza. Se dos cinquenta justos faltassem cinco, destruirias por causa dos cinco a cidade inteira? ” O Senhor respondeu: “Não destruiria, se achasse ali quarenta e cinco justos”. Insistiu ainda Abraão e disse: “E se houvesse quarenta? ” Ele respondeu: “Por causa dos quarenta, não o faria”. Abraão tornou a insistir: “Não se irrite o meu Senhor, se ainda falo. E se houvesse apenas trinta justos? ”. Ele respondeu: “Também não o faria, se encontrasse trinta”. Tornou Abraão a insistir: “Já que me atrevi a falar a meu Senhor, e se houver vinte justos? ” Ele respondeu: “Não a iria destruir por causa dos vinte”. Abraão disse: “Que o meu Senhor não se irrite, se eu falar só mais uma vez: e se houvesse apenas dez? ” Ele respondeu: “Por causa dos dez, não a destruiria”. Tendo acabado de falar, o Senhor retirou-se, e Abraão voltou para a sua tenda (vv. 23-33).

Abraão se atreve questionar uma sentença coletiva e interceder barganhando como que estivesse num mercado oriental: 50? 45? 40? 30? 20? 10? Abraão exagera o respeito para dissimular a audácia, mas sua audácia supõe alto grau de confiança previamente adquirida: “Estou sendo atrevido em falar a meu Senhor, eu que sou pó e cinza” (v. 27; cf. 2,7; 3,19; Jó 34,15; Sl 90,3; 104,29).

O diálogo discute um problema ético e teológico, um problema de todos os tempos: devem os bons sofrer com os maus e por causa deles? Problema desde a educação (castigo coletivo) até a justiça divina (teodiceia).

Supondo que Deus rege a história, qual é a sua responsabilidade em casos de conflitos? Devem ser castigados justos com pecadores (cf. Ez 21,8-9)? Não é castigo – ou é castigo para uns e desgraça para os inocentes. Para salvar os inocentes, não será justo deixar de castigar os culpados, afirma Abraão: “Longe de ti, agir assim, fazer morrer o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ímpio. Longe de ti! O juiz de toda terra não faria justiça?” (v. 25, cf. Rm 3,5-6). Observe o tom apaixonado da pergunta: Abraão dispara a falar, numa explosão de indignação ante a possível e colossal injustiça. Há mais injustiça em condenar alguns inocentes do que em poupar uma multidão de culpados? Eis aqui a grande questão da teodiceia (cf. Sb 12,12-18). Que Deus é justo, também como juiz, o afirmam muitos textos (Sl 33,5; 99,4; Jó 34,10-13 etc.).

Sendo forte, no antigo Israel, o sentimento da responsabilidade coletiva, não cabe aqui a pergunta, se os justos poderiam ser individualmente poupados (compare-se com as afirmações de Ex 34,7; Jr 18,7-10 corrigidas por Dt 7,9s; 24,16; Jr 18,31,29-30; Ez 14,12-20). Na última suposição, o defensor vai abaixando o número e se detém ao chegar até dez. Porque não continua? Num bazar (mercado oriental), se não barganhar, o outro se sente até ofendido, mas se abusar demais, o negócio não sai e o preço volta ao nível inicial. Segundo Jr 5,1 e Ez 22,30, Deus perdoaria a Jerusalém, se aí se encontrasse um só justo. Enfim, em Is 53, é o sofrimento único do Servo que deve salvar todo o povo, mas este anúncio não será compreendido senão quando for realizado por Cristo (1Pd 2,22-25; 3,18; Jo 1,29; 10,50 etc.).

Deus está pronto para salvar a cidade, não por causa da justiça dos seus habitantes, mas pelo “pequeno resto” de justos que nela se encontram (cf. Is 1,9; 4,3 etc.). Em Ez 16,53-55 se diz que mesmo para Sodoma condenada existe uma salvação possível.

Deus salvará Ló e sua família (19,15-16, cf. leitura de amanhã). Abraão pediu somente, já que todos deviam sofrer a mesma pena, se alguns justos não poderiam obter o perdão para muitos culpados. As respostas do Senhor sancionam o papel salvador dos Santos no mundo. No final, não se salva toda cidade, mas se salva a família de Ló. A solução de Deus é distinguir entre justos e pecadores.

 

Evangelho: Mt 8,18-22

Depois relatar três curas exemplares (vv. 1-15, entre outras, cf. v. 16; 4,23-24), Mt apresenta o tema do seguimento num diálogo que encontrou na fonte Q (cf. Lc 9,57-60). Antes do sermão da montanha, Jesus já havia chamado os primeiros quatro discípulos (4,18-21 par Mc 1,16-20). Agora responde a duas solicitações.

Vendo uma multidão ao seu redor, Jesus mandou passar para a outra margem do lago (v. 18).

De fato, embarcará só em v. 23 e chegará à outra margem em v. 28 (cf. evangelhos dos próximos dias). Em 13,2s (copiado de Mc 4,1p), Jesus viu a “multidão ao se redor” e entrou num barco também, mas só ele e para ensiná-la com mais eficiência. Depois do diálogo no evangelho de hoje, Mt relata a tempestade no mar (cf. evangelho de amanhã) com que Mc finalizou o discurso das parábolas (Mt o reserva para o cap. 13). A “outra margem” é terra pagã. Quem vai seguir Jesus para lá? As multidões “o seguiam” (cf. 4,25-5,1; 7,28-8,1.10) como discípulos em potencial, mas não iriam caber no barco, então, a ordem deve se dirigir aos discípulos já chamados.

Mas em seguida aparecem duas pessoas quer querem “estar no mesmo barco”, ou seja, seguir Jesus de verdade. São dois casos complementares e exemplares: um é um letrado, um “mestre da lei”, que quer fazer-se discípulo. Outro já é discípulo (o texto deve ser traduzido melhor assim): “Outro, um dos discípulos, …” (v. 21). O mestre da lei chama Jesus também de “Mestre”, enquanto o discípulo o chama de “Senhor”, uma expressão de fé (cf. Fl 2,11; At 2,36…). Em Mt, só os discípulos o invocam como “Senhor” (8,25; 14,28.30; 16,22; 17,4; 18,21) ou os doentes pedindo a cura (8,2.6.8; 9,28; 15,22.25.27; 17,15; 20,30s.33).

Mas o entusiasmo suscitado pelo ensinamento (a interpretação da lei no sermão da montanha) e pelos milagres não deve iludir, pois o seguimento de Jesus é exigente. As respostas de Jesus são radicais. Ao primeiro, Jesus enfrenta com a dificuldade de não ter lar; ao segundo, Jesus não lhe permite distrair-se.

Então um mestre da Lei aproximou-se e disse: “Mestre, eu te seguirei aonde quer que tu vás. ” Jesus lhe respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (vv. 19-20).

Este mestre da lei não é hostil a Jesus como os outros (cf. 9,3; 12,38; 15,1 etc.), ao contrário, quer seguir Jesus aonde for! Não sabemos como o letrado reagiu à resposta de Jesus, mas no final do discurso das parábolas, em 13,52 se fala de um “mestre da lei que se tornou discípulo” (alguns veem nele um autorretrato do evangelista cuja identificação tradicional com o publicano de 9,9 é questionada hoje).

Os rabinos (mestres judaicos) costumavam acolher discípulos em suas casas que funcionavam como escolas. Mas Jesus é pregador itinerante: “As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (v. 20; sobre as raposas, cf. Sl 63,11; Ez 13,4, e as aves cf. Sl 104,12.17). Pr 27,8 compara o “vagabundo longe do lar” com o “pássaro que fugiu do ninho”. O leitor se lembra das palavras de Jesus no sermão anterior sobre os pássaros e os lírios que o Pai Celeste alimenta e veste (cf. 6,25-34). Aqui Jesus apresenta a pobreza quotidiana do pregador itinerante cuja primeira preocupação não é alimento nem vestimenta, mas “o reino de Deus e sua justiça” (6,33).

Nem um lar o Filho do homem tem! É a primeira vez em Mt, que aparece este termo “Filho do homem”. Pode significar simplesmente “ser humano” (em hebraico: “filho de Adão”; cf. Sl 8,5; Ez 2,1 etc), assim Jesus queria dizer: “Até os animais tem tocas e ninhos, mas eu, como ser humano, não tenho residência fixa. ” Mais provável, porém, é o significado apocalíptico que vem de Dn 7,13-14, onde um ancião (Deus) entrega o reino de Deus a um “Filho do Homem que vem nas nuvens” e contrasta com as bestas-feras dos reinos pagãos. Em Dn 7,29, o Filho do Homem é identificado com o “povo dos santos”. Em alguns círculos judaicos (ex. no Apocalipse de Henoc), este Filho do Homem foi identificado como indivíduo: o Messias que virá e julgará o mundo no final dos tempos (cf. 13,41; 16,27; 24,30.37.39.44; 25,31; 26,64). Jesus não podia ser preso ao utilizar este título “filho do homem”, pela ambiguidade do significado, e aplicou-o a si mesmo com predileção, não só para indicar sua futura glória celeste, mas também para expressar sua humilhação humana (anúncios da paixão: 17,12; 20,17-19; Mc 8,31; Jo 3,14). No evangelho de hoje, o mestre da lei não vai entender seu pleno significado (antes da Páscoa), mas para o leitor cristão de Mt (depois da Páscoa) se esclarece: O Filho do Homem, aquele que ressuscitou e voltará para julgar o mundo, tinha que viver na pobreza absoluta e sem lar. Aquele, que é do céu e “vem das nuvens” (24,20p; 26,64p), aqui na terra não tem lar. O Filho de Deus se fez verdadeiro homem (Filho do homem) e mostra através da sua pobreza que seu reino não é deste mundo (cf. Jo 18,36). Não se deve interpretar mal o texto e trocar a exigência da pobreza (cf. 19,21) pelo trabalho sem descanso (cf. Jo 5,17). Jesus viveu pobre, não estressado.

Um outro dos discípulos disse a Jesus: “Senhor, permite-me que primeiro eu vá sepultar meu pai. ” Mas Jesus lhe respondeu: “Segue-me, e deixa que os mortos sepultem os seus mortos” (vv. 21-22).

A outra solicitação vem de um discípulo que quer, antes de partir com Jesus, enterrar seu pai falecido e assim cumprir um dos deveres mais sagrados do judaísmo e do helenismo como se lê nos relatos patriarcais (a única terra que o nômade Abraão adquiriu foi a do túmulo da esposa, cf. Gn 23; 25,8s; 35,27-29) ou no livro de Tobias (Tb 2,3-8; 4,3-4; 14,10-13).

A resposta de Jesus numa forma paradoxal é chocante: “Segue-me e deixa que os mortos sepultem os seus mortos” (v. 22). Outra vez se posiciona em favor do mandamento “honrar pai e mãe” (15,4-5p), mas aqui fala de uma ruptura com a própria família; ele mesmo a realizou (12,46-50p) e exige dos seus seguidores (10,37; Lc 14,26). A comunidade a experimentou também após a páscoa (10,34-36; 19,27-30). Mas esta atitude radical combina com o amor e a piedade? Mais uma vez se trata de manifestar o contraste entre este mundo e o reino de Deus. Quem segue a Jesus, deve ser sinal do reino com suas palavras e seu estilo de vida (cf. Jr 16,1-9).

Os que confiam seu horizonte a esta vida mortal que se ocupem de enterrar; eles por sua vez serão enterrados. Jesus chama a uma vida nova, ele é “a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Se o discípulo voltar atrás para se despedir da sua família (como Elias permitiu, cf. 1Rs 19,19-21; cf. Lc 9,61-62) e participar do luto familiar, perderá a chance de embarcar com Jesus “para outra margem” (símbolo do além) e testemunhar a morte e a ressurreição de Jesus. Se o discípulo seguir sem olhar atrás agora, poderá consolar sua família (e muitos outros) depois com o anúncio do reino de Deus (cf. o acréscimo em Lc 9,60), ou seja, com a mensagem da ressurreição e da vitória de Jesus sobre a morte. Os mortos estão com Ele, com Ele viverão (cf. 22,32p).

O site da CNBB comenta: O seguimento de Jesus traz consigo uma série de implicações e exige de todos nós muito mais do que o entusiasmo ou a boa vontade. Exige disposição de deixar muita coisa para trás, inclusive o conforto, os costumes, a cultura e até mesmo os grandes valores que norteiam a nossa vida. Seguir Jesus significa ter a disposição de sempre ir em frente, sempre ir além, sempre buscar o novo para que a boa nova aconteça, é uma vida marcada sempre por novos desafios, é sempre atravessar o lago e buscar a outra margem do lago onde novas pessoas esperam para serem evangelizadas. Seguir Jesus significa colocar a obra evangelizadora acima de tudo

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