01 junho de 2016 – 9ª semana 4ª feira

Leitura: 2Tm 1,1-3.6-12

Ouvimos nestes dias uma carta que se apresenta como testamento de Paulo, mas a maioria dos biblistas a considera ser escrita pela terceira geração (90-100 d.C., cf. 1,5), por causa dos assuntos e problemas descritos. Em nome de Paulo e lembrando seu exemplo e martírio, o autor quer animar as comunidades para preservarem a tradição apostólica, preocupando-se com a transmissão da fé na família e no Império Romano. Recomenda que se guarde “o depósito da fé” (vv. 12.14; 1Tm 6,20), também nas perseguições e sofrimentos, e faz referência ao testemunho que deverá dar, ao enfrentar o martírio que se aproxima; por isso, a carta soa como testamento.

Paulo, apóstolo de Jesus Cristo pelo desígnio de Deus referente à promessa de vida que temos em Cristo Jesus, a Timóteo, meu querido filho: Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor! (vv. 1-2).

2Tm faz parte das “cartas pastorais”. Estas que não se dirigem a uma determinada comunidade (por ex. Roma, Corinto), mas a um pastor, ou seja, bispo. A liturgia não considera mais Timóteo e Tito como apóstolos, mas bispos na sucessão apostólica, como Timóteo, um dos acompanhantes mais fieis de Paulo (cf. At 16,1-3 etc.) a quem ele chama de “filho” (de fé ou batismo, cf. 1Tm 1,2; 1Cor 4,15; Gl 4,19; Fm 10; 1Pd 5,13).

“Referente à promessa de vida” deve se referir mais ao “apóstolo” do que à “desígnio de Deus. A missão do apóstolo situa-se em prol dessa “promessa de vida”. Além da saudação comum de “graça” (grega) e “paz” (hebraica), acrescenta “misericórdia”, como já em 1Tm 1,2.

A Bíblia do Peregrino (p. 2859) comenta: A saudação tem um elemento não comum, “a promessa de vida”. É uma constante na pregação do Deuteronômio e é condicionada ao cumprimento da lei (4,1; 8,1). Cumpre-se de modo insuspeito na ressurreição de Cristo (At 26,6). Ao passar da primeira à segunda carta a Timóteo, escutamos um tom diferente: mais pessoal nas recordações, mais cordial nos conselhos e avisos. Talvez se deva ao caráter de testamento que o autor quis imprimir ao escrito. Seu personagem contempla seu fim próximo e o futuro distante do seu destinatário, discípulo e sucessor, e se emociona.

Dou graças a Deus, – a quem sirvo com a consciência pura, como aprendi dos meus antepassados -, quando me lembro de ti, dia e noite, nas minhas orações (v. 3).

Como de costume nas cartas de Paulo, o autor agradece a Deus, aqui pela continuidade da sua própria fé pessoal, que provém dos antepassados do judaísmo e continua no cristianismo. Nos vv. omitidos pela nossa liturgia (vv. 4-5) faz emocionada referência à despedida de Timóteo, quando Paulo o deixou em Éfeso (1Tm 1,3) e apresenta um belo exemplo de transmissão da fé na família cristã até a terceira geração (cf. 3,14s), da avó para a filha, e desta para o neto missionário (At 16,1).

A Bíblia do Peregrino (p. 2859) comenta: O remetente remonta a seus antepassados, o destinatário ascende pelo tronco feminino. A razão é simples: o judeu Paulo, feito cristão, continua venerando o Deus de seus pais, porque é o mesmo, o único Deus verdadeiro. Ao invés, Timóteo nasceu de pai pagão e mãe judia convertida (At 16,1). De passagem, o autor nos deixa um valioso testemunho sobre a educação cristã transmitida por uma mãe e uma avó. Refere-se às lágrimas de despedida (1Tm 1,3).

Por este motivo, exorto-te a reavivar a chama do dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos (v. 6).

O autor alude ao momento em que Paulo, junto com o colégio dos anciãos (1Tm 4,14), consagrou Timóteo para o ministério “pela imposição das mãos” (cf. 1Tm 4,14; 5,22; At 6,6; 13,3; Hb 6,2). Recebido “a chama do dom de Deus” (lit. o “carisma”; cf. 1Tm 4,14), Timóteo deve reaviva-lo graças ao auxílio do Espírito, reacender o dom de Deus, como quem sopra o fogo.

A Bíblia do Peregrino (p. 2859) comenta: Impor as mãos é o rito de nomeação ou consagração (1Tm 4,14; At 6,6), conferindo o carisma do encargo. “Reavivar”: o verbo grego significa avivar um fogo. O Espírito Santo veio como em línguas de fogo (At 2,3); pode-se recordar o fogo do santuário (Ex 30,7-8). É interessante que caiba ao homem avivar o fogo aceso nele pelo Espírito (cf. Lc 12,49).

Pois Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e sobriedade. Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor nem de mim, seu prisioneiro, mas sofre comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus (vv. 7-8).

A Bíblia do Peregrino (p. 2859) comenta: O carisma comunica uma forma superior para dar testemunho e suportar por ele padecimentos: “eu, porém, estou cheio de coragem, de Espírito do Senhor… para denunciar…” (Mq 3,8); ou para enfrentar qualquer autoridade (Jr 1,18; cf. Ez 3,8; Is 50,5-9). “Não te envergonhes” ou acovardes (Rm 1,16).

“Seu prisioneiro”. Muitas vezes Paulo é preso pela causa de Cristo (vv. 8.16; 2,9; Fm 1,9s.13.23; Ef 3,1; 4,1; 6,20; Fl 1,7.12-17; Cl 4,3.10.18;). Na composição desta carta como testamento (gênero literário comum), refere-se à segunda prisão de Paulo em Roma (cf. v. 17; a primeira: At 28,16), antes do martírio, que é seu “testamento” final (cf. para o testemunho contra o culto imperial em Ap 2,13).

Deus nos salvou e nos chamou com uma vocação santa, não devido às nossas obras, mas em virtude do seu desígnio e da sua graça, que nos foi dada em Cristo Jesus desde toda a eternidade. Esta graça foi revelada agora, pela manifestação de nosso Salvador, Jesus Cristo. Ele não só destruiu a morte, como também fez brilhar a vida e a imortalidade por meio do Evangelho, do qual fui constituído anunciador, apóstolo e mestre (vv. 9-11).

“Nos chamou com uma vocação santa”; este chamado é santo porque vem do Deus santo e também porque nos coloca à parte para o serviço deste Deus. A Bíblia de Jerusalém (p. 2232) comenta: A palavra designa primeiramente o chamamento dos cristãos à salvação (cf. Rm 1,6-7; 8,28; 1Cor 1,2.24; Cl 3,15; Ef 1,18; 4,4; Fl 3,14; etc.) e em seguida, por metonímia, o estado (vocação) ao qual os cristãos são chamados. Ambos os sentidos são igualmente possíveis aqui.

“Não devido às nossas obras, mas em virtude do seu desígnio e da sua graça”. O autor usa a teologia de Paulo da salvação pela graça e pela fé, não pelas obras da lei (cf. Gl 2,15-21 etc.). Em seguida apresenta uma breve síntese cristológica, talvez citando um hino litúrgico (vv. 9-10).

Cada vocação se inscreve no amplo desígnio de Deus, definido antes de tudo (Cl 1,17-18) e manifestado recentemente (Cl 1,26-27): “dada em Cristo Jesus desde toda a eternidade… revelada agora, pela manifestação de nosso Salvador”.

Esta “manifestação” (lit. epifaneia, aparição) já foi usada em 1Tm 6,14 para designar a parusia sua vinda, no fim dos tempos (cf. 1Tm 6,14; 2Tm 4.1.8; Tt 2,13). Mas aqui, este termo refere-se à primeira vinda de Cristo como homem, sua encarnação e a redenção na cruz (Tt 2,11).

“Destruiu a morte” em si pela ressurreição (1Cor 15,54), “fez brilhar” (lit. “iluminando”, cf. Mt 28,1p) “a vida e a imortalidade” pelo anúncio do evangelho. É anúncio de futuro, contra o que pretendem os impostores “que dizem que a ressurreição (nossa) já se realizou” (2,18).

“Do qual fui constituído anunciador, apóstolo e mestre”. Esta salvação por Cristo precisa ser comunicada. Paulo tem três títulos (como em 1Tm 2,7): O “anunciador” (mensageiro, pregador) anuncia as notícias (Is 33,7); no caso de Paulo é “a boa notícia (lit. evanglho)” (Is 40,9). “Apóstolo” quer dizer o enviado (Is 63,9). “Mestre” (doutor) é título clássico sapiencial, e se encontra na série de 1Cor 12,28. A tradução latina acrescentou: “dos gentios” (cf. Gl 2,8; Rm 1,5).

Esta é a causa pela qual estou sofrendo, mas não me envergonho, porque sei em quem coloquei a minha fé. E tenho a certeza de que ele é capaz de guardar aquilo que me foi confiado até ao grande dia (v. 12).

“A causa pela qual estou sofrendo, mas não me envergonho” é sofrimento do segundo cativeiro em Roma, a prisão (e depois o martírio) por causa de Cristo.

“Guardar aquilo que me foi confiado (lit. “meu depósito”; (cf. 1Tm 6,20 nota). O contexto faz pensar mais na doutrina cristã conservada na íntegra (1Tm 6,20) do que nas boas obras de Paulo (4,7-8; 1Tm 6,19). Segundo outra interpretação, poderia tratar-se também do depósito confiado por Paulo a Cristo. A Bíblia do Peregrino (p. 2859) comenta: O “depósito” de sua vida e destino, deixados como garantia nas mãos de Deus: “em tuas mãos eu confiava minha vida” (Sl 31,6). Outros o interpretam em relação ao encargo recebido (como no v. 14).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2231) comenta: O “depósito” é uma ideia importante das Pastorais (2Tm 1,12.14). Seu conteúdo é o da fé (1Tm 4,6; 2Tm 1,13; Tt 1,9) ou da tradição (2Ts 2,15; 3,6), mas a noção é de origem judaica e acentua, no depositário, o dever de conservar e em seguida de entregar ou transmitir intacto o depósito que lhe foi confiado. Cf. “guarda o que tens” (Ap 2,25; 3,11).

“Até ao grande dia” ou seja, o último dia, aquele do julgamento divino (cf. 4,8).

 

Evangelho: Mc 12,18-27

No evangelho de hoje continua o confronto de Jesus com as autoridades. Depois dos “sacerdotes, dos anciãos e escribas” (representantes do sinédrio, cf. Mc 11,27-12,12) e os “fariseus e herodianos” (Mc 12,13-17), hoje temos os “saduceus” que perguntam sobre a ressurreição.

Os saduceus se baseiam na legislação (Dt 25,5-10) para propor um caso divertido que ponha em ridículo a crença na ressurreição. Mas são eles que caem no ridículo (cf. Pr 29,9), ao mostrarem que não entendem as coisas mais elementares acerca de Deus, do destino humano, da Escritura.

Vieram ter com Jesus alguns saduceus, os quais afirmam que não existe ressurreição e lhe propuseram este caso: ”Mestre, Moisés deu-nos esta prescrição: ‘Se morrer o irmão de alguém, e deixar a esposa sem filhos, o irmão desse homem deve casar-se com a viúva, a fim de garantir a descendência de seu irmão.’ Ora, havia sete irmãos: o mais velho casou-se, e morreu sem deixar descendência. O segundo casou-se com a viúva, e morreu sem deixar descendência. E a mesma coisa aconteceu com o terceiro. E nenhum dos sete deixou descendência. Por último, morreu também a mulher. Na ressurreição, quando eles ressuscitarem, de quem será ela mulher? Por que os sete se casaram com ela!” (vv. 18-23).

Os saduceus era um partido religioso com maioria no sinédrio. Eram de famílias tradicionais dos sacerdotes no templo e da aristocracia em Jerusalém. Seu nome deriva de Zadoc, líder dos sacerdotes no tempo de Salomão. Eram mais liberais à influência greco-romana, mas conservadores na religião. Seguiam a velha tradição e não admitiam outra vida (cf. Jó 14,10-19; Sl 88 etc.); não a liam na Escritura nem aceitavam uma tradição oral dos rabinos. Aceitaram como Sagrada Escritura apenas a Torá (Lei de Moisés, em grego Pentateuco) que são apenas os primeiros cinco livros da Bíblia. Outro partido, os fariseus, tinha mais influência nas sinagogas, seguiam a nova tradição profética (cf. Dn 12,1 e o testemunho de 2 Mc 7; talvez Sl 73,24), acreditavam em outra vida e na ressurreição e imaginavam-na como um retorno a vida em condições de total bem-estar. Paulo se aproveitará desta diferença entre saduceus e fariseus (cf. At 23,8).

O caso aqui apresentado está artificial e engenhosamente construído sobre a base da lei do levirato (v. 19; Dt 25,1-10), que procurava assegurar a descendência (e a propriedade) de um defunto sem filhos e, com isso, acolher uma viúva. Se os sete irmãos ressuscitassem, a mulher voltará ao primeiro para dar-lhe um filho e conservar seu nome? A conclusão é que a lei do levirato desacredita, ridiculariza a ideia da ressurreição e aos que creem nela, também Jesus.

Jesus respondeu: “Acaso, vós não estais enganados, por não conhecerdes as Escrituras, nem o poder de Deus? Com efeito, quando os mortos ressuscitarem, os homens e as mulheres não se casarão, pois serão como os anjos do céu (vv. 24-25).

Jesus afirma a ressurreição, baseada no poder e na fidelidade de Deus (Ex 3,6.15-16). Não apela a uma imortalidade natural da alma, mas ao “poder” (v. 24) vivificante de Deus. Mas não consistirá num prolongamento ou repetição da vida terrena. “Quando os mortos ressuscitarem, os homens e as mulheres não se casarão, pois serão como os anjos do céu” (v. 25). Depois da morte a condição das pessoas é totalmente diferente da atual (os fariseus imaginavam a vida no céu igual à vida aqui na terra). Abre-se para nós uma dimensão de vida muito diferente, onde os laços humanos, mesmo importantes e sagrados, são substituídos e compensados pela vida nova no Espírito (cf. 1 Cor 15,42-49). Projetar para o futuro as condições atuais da vida presente, é empobrecer o mundo de Deus. Serão como anjos, terão uma vida diferente. Não serão mais condicionados pelos limites carnais que caracterizam este nosso modo de ser. Visto que já não morrem, não fará falta a geração para perpetuar o nome. Pela comparação com os anjos e o lugar celeste, está claro que Jesus fala da ressurreição gloriosa dos justos.

Quanto ao fato da ressurreição dos mortos, não lestes, no livro de Moisés, na passagem da sarça ardente, como Deus lhe falou: ‘Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’? Ora, ele não é Deus de mortos, mas de vivos! Vós estais muito enganados” (vv. 26-27).

O argumento da Escritura tinha força para aqueles ouvintes, mas só aceitavam a lei de Moisés, Jesus então cita dela, da auto-apresentação de Javé na sarça ardente diante de Moisés: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó (Ex 6,6). E conclui lapidarmente: “Ele não é Deus de mortos, mas de vivos!”

Os israelitas podiam chamar Yhwh (Javé) de “nosso Deus”, por que era “seu Deus”; também o indivíduo no singular. Mas os mortos não podiam invocar o “nosso Deus” (p. ex. Sl 88,11-13); não era o Deus deles. Em contraste com a crença geral se leem os vislumbres de Sl 16,11; 17,15; 73,23-28. Em outras culturas circundantes, imaginavam a existência de deuses do reino dos mortos (Nergal, Plutão etc.). O Pai de Jesus é Deus de mortos só para que cessem de estar mortos.

O site da CNBB comenta: Tem gente que sente o maior prazer em discutir religião. Essas discussões, na verdade, não significam a busca de uma melhor compreensão da fé com a finalidade de possibilitar uma resposta de qualidade aos apelativos dos valores evangélicos, mas na maioria das vezes se constituem numa discussão sobre posições unilaterais e não negociáveis, muitas vezes posições pessoais, que só servem para aprofundar diferenças e criar divisões e em nada contribuem para que todos possam chegar à verdade, muito menos para viver segundo ela.

 

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