11 de Novembro de 2020, Quarta-feira: Jesus disse: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados(v. 14).

32ª Semana do Tempo Comum

 Leitura: Tt 3,1-7

O autor da carta, provavelmente um cristão da terceira geração que escreve em nome do apóstolo Paulo, recomenda obediência e submissão às autoridades romanas (cf. Rm 13,1-7), que impunham violenta repressão. Ele apresenta aqui os próprios pecados antes da manifestação de graça que o conduziu à conversão. Essa explicação oferece oportunidade para um pequeno hinosobre oo“amor”e a “bondade” de Deus, com traços que lembram as cartas do próprio apóstolo aos Romanos e aos Gálatas: o amor de Deus; a salvação pela graça, o batismo, o dom do Espírito, a esperança da realização final.

Admoesta a todos que vivam submissos aos príncipes e às autoridades, que lhes obedeçam e estejam prontos para qualquer boa obra. Não injuriem a ninguém, sejam pacíficos, afáveis e dêem provas de mansidão para com todos os homens (vv. 1-2).

Tito deve admoestar“a todos” (lit.“lhes”),estes têm de ser a comunidade cretense.O primeiro conselho dirigido aos turbulentos cretenses é a obediência à autoridade civil (de Roma; cf. Rm 13,1-7). O que se segue são novas séries de conduta (vv. 2-3; cf. Rm 12,9-21; Fl 4,8), “prontos para qualquer boa obra” (a Bíblia de Jerusalém traduz: “trabalho honesto”), os mansos e pacíficos são bem-aventurados em Mt5,4.9).

Porque nós outrora éramos insensatos, rebeldes, extraviados, escravos de toda sorte de paixões e prazeres, vivendo na maldade e na inveja, dignos de ódio e odiando uns aos outros (v. 3).

Assim como antes qualificou duramente os membros dessa comunidade, agora, usando a primeira pessoa “nós”, recorda seu passado, não menos repreensível, também “nós outrora éramos…”.Tito era um convertido do paganismo (cf. o esquema da conversão: “outrora,… mas agora” em Ef 3,1-13; 5,8).

Mas um dia manifestou-se a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor pelos homens: Ele salvou-nos não por causa dos atos de justiça que tivéssemos praticado, mas por sua misericórdia; quando renascemos e fomos renovados no batismo pelo Espírito Santo, que ele derramou abundantemente sobre nós por meio de nosso Salvador Jesus Cristo. Justificados, assim, pela sua graça, nos tornamos na esperança herdeiros da vida eterna (vv. 4-7).

Apresenta-se a segunda síntese doutrinal, com algo de hino (cf. 2,11-14, leitura de ontem). Vários salmos cantam a “bondade” de Deus (Sl25,7; 27,13; 31,20; 145,7); mas Deus já revelou sua bondade a Moisés (Ex 33,19). Agora essa bondade “se manifestou” definitivamente em Cristo. “O amor pelos homens”, em grego filantropia, é atributo divino único no NT. Dt 7,7-8 fala do amor de Deus a um povo escolhido entre muitos; Sb 11,24 fala do amor de Deus a todas as criaturas (“tu amas tudo o que criaste… se alguma coisa tivesses odiado, não a terias feito”). Agora Cristo vem revelar o amor universal de Deus (cf. Jo 1,17s; 3,16s; 6,51).

São os efeitos do batismo: novo nascimento, justificação pela graça de Cristo, comunicação do Espírito Santo (cf. Rm 5,5; At 2,33), direito à herança da vida eterna, de que é penhor o dom do Espírito Santo 9cf. 2Cor 1,22).

“Ele salvou-nos não por causa dos atos de justiça que tivéssemos praticado”, sem méritos nossos: é a doutrina básica de Paulo (Gl e Rm).

“Quando renascemos e fomos renovados no batismo pelo Espírito Santo” (lit. pelo banho do novo nascimento e a renovação do Espírito Santo).Em duas palavras se condensam as duas características do batismo: o “banho” de purificação (Ef 5,26) que nos perdoa o pecado, e “novo nascimento” (Jo 3,5; 1Pd 1,3), cujo equivalente é a renovação “pelo Espírito” (cf. Sl 51,12). O dom do Espírito “que ele derramou abundantemente sobre nós”, foi anunciado por Jl 3,1 e cumpriu-se em Pentecostes (At 2,4.17).

“Justificados”, absolvidos ou tornados justos pelo indulto ou “graça” de Deus (Rm 3,24); e assim nos tornamos “na esperança herdeiros da vida eterna” (Mt 19,29) ou “herdeiros da esperança da vida eterna”.

 

Evangelho: Lc 17,11-19

No evangelho de hoje, Lc conta uma cura de lepra semelhante à de 5,12-16 (copiada de Mc 1,10-45), só desta vez são dez leprosos e um desses é samaritano cuja reação é elogiada por Jesus (cf. a parábola do bom samaritano em 10,29-37).

Hoje a lepra se chama hanseníase (segundo o médico Hansen que descobriu sua causa e cura em 1874). Na antiguidade, era a doença mais temida. Na Bíblia, embora nem sempre se trate de lepra em sentido clínico, é descrita como doença grave e contagiosa, de pele, que impede a participação no culto e na vida civil ordinária. O livro de Levítico regula a conduta desses doentes, pensando mais em proteger os outros do contágio do que em prestar ajuda aos necessitados. Também regula a conduta em caso de cura: cabo aos sacerdotes examinar, opinar, darou negar a permissão para a reincorporação plena à sociedade (Lv 13,45-46; 14,2). Um caso parecido, embora menor, se conta da irmã de Moises (Miriam, em grego Maria), que foi confinada sete dias fora do acampamento (Nm 12,9-16). O general sírio,Naamã foi curado da lepra nas águas do rio Jordão e se converteu ao Deus de Israel (2Rs 5, citado em Lc 4,27). Muito curiosa é a atuação de quatros leprosos durante o cerco de Samaria (2Rs 7)

Aconteceu que, caminhando para Jerusalém,Jesus passava entre a Samaria e a Galileia(v. 11).

“Entre a Samaria e a Galileia”: esta menção geográfica não é exata, pois as duas regiões são limítrofes (outras traduções: atravessava…, ou, através da Samaria e da Galileia). Lc talvez imagine uma estrada na divisa para alcançar o vale do Jordão e descer até Jericó (18,35), de onde Jesus subirá a Jerusalém, Lc abre uma nova seção de viagem (17,11-19,28), como em 9,51 e 13,22.

Quando estava para entrar num povoado,dez leprosos vieram ao seu encontro.Pararam à distância, e gritaram: “Jesus, mestre, tem compaixão de nós!” (vv. 12-13).

Os doentes incuráveis se movem em grupos. Quando chega Jesus, ficam a certa distância (como ordena Lv 13,45s), para não contaminarem a quem se aproxima: “Afasta-te, estou impuro, afasta-te, não me toqueis!” (Lm 4,15); e daí gritam pedindo ajuda (cf. 16,24; 18,38s; Mt 9,27; 15,22).

Aqui é a única vez em que o termo epistátes(“mestre”)não é pronunciado por um discípulo. Este termo só se encontra em Lc (5,5; 8,24.45; 9,33.49) e indica uma fé mais profunda na autoridade de Jesus do que o habitual didáskalos(“professor”, também traduzido por mestre; cf. 11,45 etc.).

Ao vê-los, Jesus disse: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados(v. 14).

A ordem que Jesus dá implica o processo de cura, pois adianta o final, o testemunho oficial dos sacerdotes (Lv 13,19; 14,2-3). Diferentemente de 5,13-14p, a cura acontece somente um tempo depois do encontro com Jesus. Ao obedecer a Jesus, estes leprosos já demonstram fé e confiança, pois do contrário evitariam o diagnóstico oficial.

Um deles, ao perceber que estava curado,voltou glorificando a Deus em alta voz; atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra,e lhe agradeceu. E este era um samaritano (vv. 15-16).

A Bíblia do Peregrino (p.2513) comenta: Pelo caminho de ida descobrem que estão curados, sem necessidade de abluções, banhos e vários ritos, e então um volta sem mais para agradecer, enquanto os outros, cumprindo o mandado de Jesus, preocuparam-se com o aspecto jurídico, ou seja, de serem oficialmente declarados curados.É frequente no Saltério que o homem curado ou libertado acorra a dar graças a Deus na presença de uma assembleia (Sl 31,22-25).

Aqui um dos curados, adiando o requisito legal, “voltou glorificando a Deus em alta voz” (“glorificar a Deus” é tema estimado por Lc, cf. 1,64; 2,20.28.38; 5,25s; 7,16; 13,13; 17,15.18; 18,43; 19,37; 23,47; 24,53; At 2,47; 3,8s; 4,21; 21,20).Ele dá graças a Jesus e se prostra a seus pés: uma síntese significativa.

A gratidão a Jesus pela salvação é componente essencial da vida cristã. A palavra grega eucaristiasignifica “ação de graças” e tornou-se termo litúrgico pela “fração de pão” (At 2,42.46; 20,7.11; 27,35; cf. Lc 2,19p; 24,30.35; 1Cor 10,16; 11,20-43), em latim será chamada “missa”. Podemos reconhecer vários elementos litúrgicos neste texto: invocar a Jesus, pedido, volta (conversão), louvor a Deus, ajoelhar, prostrar, agradecer, despedida.

Então Jesus lhe perguntou: ”Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus,a não ser este estrangeiro?”E disse-lhe: “Levanta-te e vai! Tua fé te salvou” (vv. 17-19).

O gesto do samaritano (meio pagão) põe em relevo a ingratidão dos nove judeus, que parecem esquecer-se de deveres elementares ou não reconhecer a mediação de Jesus. O texto não diz que os “outros nove” eram judeus, mas podemos supor pelo contexto. O texto revela certa decepção e amargura de Jesus sobre a ingratidão do próprio povo que não o reconhece (cf. Lc 4,24-30; 19,41-44; Rm 9,1-5).

Mais uma vez, apesar de 9,51-56, o samaritano é apresentado como bom exemplo (cf. 10,29-37).Os judeus evitavam as relações com samaritanos (a não ser em caso de grave necessidade como aqui neste grupo de leprosos).Eles os odiavam por causa de suas origens bastardas e divergências religiosas (2Rs 17; Esd 4; Eclo 50,25-26; cf. Jo 4,9; 8,48). Jesus rompe com essas querelas (9,51-56; 10,33-37; 17,16-19; At 8,5-25; cf. Jo 4,4-42). Os samaritanos serão os primeiros a acolher o Evangelho fora de Israel (At 1,8; 8,4-8; Jo 4). Este fato pode ser o motivo pelo qual Lc inseriu aqui esta cura preparando assim a sua segunda obra, os Atos dos Apóstolos em que narra a acolhida do evangelho partindo de Jerusalém para a região de “toda a Judeia e a Samaria e até os confins da terra” (At 1,8).

“Tua fé te salvou” (7,50; 8,48; 18,42): e os outros nove? Jesus os curou, apesar de não terem fé? Ou a salvação de que se fala abrange mais que uma simples cura? Os padres da Igreja compararam a lepra com o pecado (original), fácil de contagiar e difícil de curar. Só com a conversão e a fé em Jesus, pelas águas do batismo (cf. a função do rio Jordão na cura de Naamã em 2Rs 5), estaremos salvos.

O site da CNBB comenta:Jesus não quer simplesmente realizar a cura das pessoas, ele quer a libertação integral e a reinserção social de todos os que são por ele curados. Quando Jesus manda que os dez leprosos se apresentem diante dos sacerdotes, ele está realizando a cura deles e quer que eles tenham autorização para voltar a participar ativamente da vida comunitária, o que não era permitido aos leprosos, que eram considerados impuros e, por isso, excluídos da sociedade. Somente quando os sacerdotes constatavam a cura da lepra, poderiam voltar ao convívio de todos.

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