10 de outubro de 2017 – Terça-feira, 27ª semana

Leitura: Jn 3,1-10

O livro do profeta Jonas é atípico; está entre os livros proféticos, porém, seu conteúdo é mais sapiencial e cômico. O protagonista (cf. 2Rs 14,25) é um profeta atípico: desobediente a Deus, fraco na fé e teimoso, mais humano e perto de nós do que alguns dos seus colegas de profissão. Ele devia anunciar o castigo e a destruição à cidade de Nínive, capital da temida Assíria. Com medo, Jonas embarcou em direção oposta, mas através de uma tempestade e uma baleia, Deus o traz de volta (cap. 1-2). O cap. 3 trabalha por paralelismo: Jonas, o hebreu que crê, e os ninivitas idólatras; os ninivitas convertidos e os marinheiros bons (1,5-15). Jonas antes em oração solitária (cap. 2), agora prega a multidões (cap. 3).

A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas, pela segunda vez: (v. 1)

Tudo recomeça com a palavra do Senhor (cf. 1,1), só que mudou o destinatário: Agora Jonas sabe que é inútil tentar escapar de Deus (cf. Sl 139). Se escapou, foi da morte. Desta vez, o profeta vai obedecer e anunciar.

“Levanta-te e põe-te a caminho da grande cidade de anuncia-lhe a mensagem que eu te vou confiar”. Jonas pôs-se a caminho de Nínive, conforme a ordem do Senhor. Ora, Nínive era uma cidade muito grande; eram necessários três dias para ser travessada (vv. 2-3).

A cidade é gigantesca (lit. “grande em relação a Deus”, a expressão mais forte de superlativo em hebraico), como a baleia (cetáceo), e engole o profeta por “três dias”, como o cetáceo, outro exagero para acentuar as dimensões desta metrópole.

Jonas entrou na cidade, percorrendo o caminho de um dia; pregava ao povo, dizendo: “Ainda quarenta dias, e Nínive será destruída” (v. 4).

“Arrasar” (traduzido aqui por “destruir”) em hebraico é um verbo ambíguo, que significa subverter e converter. É o verbo das cidades malditas (Gn 19,21.25.29; Is 1,7; Jr 20,16 etc.) e é o verbo da mudança radical de atitude ou situação (Dt 29,22; Os 11,8; Sl 105,25 etc.).

“Quarenta dias” (uma “quaresma”) lembram os 40 dias do dilúvio ou os 40 anos do deserto no êxodo (cf. Elias em 1Rs 19,8); são um prazo, não para antecipar a angústia diante do inevitável, mas para provocar uma reação que o evite.

Os ninivitas acreditaram em Deus; aceitaram fazer jejum, e vestiram sacos, desde o superior ao inferior (v. 5).

A reação é sensacional: é Nínive, a arqui-inimiga de Israel, modelo de agressão e crueldade (cf. Na 3,1.4) que se converte a partir da única frase do profeta Jonas. Creram “em Deus”: não diz: em Yhwh (Javé – Senhor; cf. os marinheiros em 1,16), mas tampouco menciona seus deuses pagãos que são “ídolos vazios”. O que creem? – Que o grito do estrangeiro é palavra de Deus; creem na ameaça merecida e no prazo para penitência.

Cumpriram os ritos de penitência e de luto, pelo quais demostravam diante de Deus a sua conversão: fazer jejum, vestir sacos, usar cinzas (vv. 6-8; Sl 35,13; Jr 36,9; Jl 1,14; Ez 27,30s; Est 4,1), “desde o superior ao inferior”, das elites (pessoas do alto escalão, de nível superior) até à massa popular (gente simples, sem instrução).

A pregação chegara aos ouvidos do rei de Nínive; ele levantou-se do trono e pôs de lado o manto real, vestiu-se de saco e sentou-se em cima de cinza. Em seguida, fez proclamar, em Nínive, como decreto do rei e dos príncipes: “Homens e animais bovinos e ovinos não provarão nada! Não comerão e não beberão água (vv. 6-7).

É surpreendente ver os animais convocados ao jejum (cf. Sl 36,7). A reação dos ninivitas e do seu rei é o contrário da reação negativa da elite de Jerusalém à profecia de Jeremias (cf. Jr 36).

Homens e animais se cobrirão de sacos, e os homens rezarão a Deus com força; cada um deve afastar-se do mau caminho e de suas práticas perversas. Deus talvez volte atrás, para perdoar-nos e aplacar sua ira, e assim não venhamos a perecer.” Vendo Deus as suas obras de conversão e que os ninivitas se afastavam do mau caminho, compadeceu-se e suspendeu o mal, que tinha ameaçado fazer-lhes, e não o fez (vv. 8-10).

A mensagem se concretiza no verbo hebraico da “conversão” (repetido quatro vezes nos vv. 8-10, duas para os homens e duas para Deus). Deus está disposto a mudar, se o homem mudar. O rei põe uma pitada de dúvida (v. 9: “talvez”), respeitando a liberdade de Deus.

O que é oferecido aos israelitas (Ex 32,14; Jr 26,13; 36,7) vale também para os pagãos, representados por Nínive e seu rei; é o princípio formulado por Jeremias: “Ora, eu falo sobre uma nação ou contra um reino, para arrancar, para arrasar, para destruir, mas se esta nação, contra quem eu falei, se converte de sua perversidade, então eu me arrependo do mal que jurara fazer-lhe” (Jr 18,7-8).

Esta conversão exemplar dos ninivitas será lembrada por Jesus em Mt 12,41; Lc 11,30.32. Aqui, como no evangelho, ela contrasta com a incredulidade dos judeus.

 

Evangelho: Lc 10,38-42

Este evangelho é próprio de Lc que valoriza a participação das mulheres (cf. Lc 1-2; 7,11-16.36-50; 8,1-3; 13,10-17; 15,8-10; 18,1-8; 24,10-11; At 1,14; 9,36-42; 16,14s; 18,2 etc.). No episódio de Marta e Maria, tudo está concentrado na palavra que o conclui. Nas sinagogas e no templo, as mulheres não podiam participar plenamente. Jesus dá a mulher o direito de escutar a Palavra de Deus e não só o dever de servir aos homens.

Paulo valorizava as mulheres (cf. Gl 3,28) e deu a elas o direito de falar na assembleia (1Cor,11,2-16), o qual foi revogado pela terceira geração (que escreveu as cartas pastorais, cf. 1Tm 2,11-12, e criou o ministério das viúvas, cf. 1Tm 5,2-16). Paulo chama uma mulher de “diaconisa”, outra de “apóstola” (Rm 16,1.7). Lc menciona um casal colaborador na missão de Paulo, em que o nome da mulher Priscila/Prisca geralmente é citado antes do seu marido, porque era a parte mais ativa (cf. At 18,2.18.26; Rm 16,3; 1Cor 16,19; 2Tm 4,19). Todos os evangelistas reconhecem o papel das mulheres no pé da cruz e no primeiro anúncio da ressurreição. St.º Agostinho chamou Madalena “a apóstola dos apóstolos”.

Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!” (vv. 38-40).

As duas irmãs são provavelmente as mesmas que em Jo 11,1-40 e 12,1-3, pois elas são descritas com os mesmo traços: Marta empenhada no serviço (Jo 11,20; 12,2), Maria prostrada aos pés de Jesus (11,32; 12,3). Marta faz uma bela profissão de fé em Jo 11,27 (comparável a de Simão Pedro em Mt 16,16!). A preferência em Lc é de Maria, sentada aos pés de Jesus escutando a Palavra (atitude de discípulo: os alunos sentavam-se no chão aos pés do mestre, cf. 8,35; 10,39; At 22,3)

O Senhor, porém, lhe respondeu: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (vv. 41-42).

Lc prefere chamar Jesus de “Senhor” (cf. 7,13.19; 10,1.39.41; 12,42; 13,15; 17,5s; 18,6; 19,8; 22,61; 24,34). Chamar o nome da mulher duas vezes, indica que uma atitude precisa ser corrigida. A preocupação central deve ser a do reino de Deus (cf. 12,31p). Jesus passa da perspectiva da refeição (“pouca coisa é necessária”) a do único necessário (em 10,42 tem variação do texto: “no entanto, uma só coisa é necessária”, ou “no entanto, pouca coisa é necessária”). A palavra de Jesus passa adiante de toda preocupação temporal (cf. 12,31p), e na obra de Lc, o texto é comparável ao de At 6,2 (a instituição dos diáconos para os apóstolos poderem servir melhor a Palavra).

No contexto do “amor a Deus e ao próximo” (vv. 25-37), nosso episódio seja talvez uma correção para valorizar a contemplação (meditação da Palavra), e não só o ativismo (do serviço social, do bom samaritano). São duas atitudes humanas que devem estar em equilíbrio. Assim S. Bento deu sua regra “Ora et labora” (reze e trabalhe) e o fundador da comunidade de Taizé, Frei Roger Schütz, falava de “luta e contemplação”. A escuta precede e acompanha o serviço. Não se trata de contrapor Marta e Maria como ação e contemplação. O desejo de escutar a palavra de Deus não pode ser cancelado por outras atividades sociais. Devemos dar tempo e espaço para estarmos com Deus e receber dele todo o amor para depois dedicarmos aos outros.

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