11 de Dezembro de 2019, Quarta-feira – Advento: Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso (v. 28).

2ª Semana do Advento 

Leitura: Is 40,25-31

Quando a cidade e o templo de Jerusalém foram destruídos pelo exército babilônico em 586 a.C., parecia que Deus havia abandonado o seu povo. Depois, levados ao exílio na Babilônia, os judeus viviam em meio de uma cultura politeísta (crença em muitos deuses) onde se adorava os elementos da natureza e os astros como divindades. Será que o verdadeiro Deus, o “Santo de Israel” era só um santo de casa que não tem muito poder comparando-o aos deuses da Babilônia, ou ele os supera, sendo o Deus do universo todo? Ele ainda acompanha Jacó-Israel, mesmo em terra estrangeira (cf. Gn 28,15.20)? Para responder estas dúvidas, a tradição sacerdotal do Pentateuco (Lei de Moisés, Torá) escreveu um poema sobre a criação (Gn 1) e o Segundo Isaías (Deutero-Isaías) fortaleceu a fé desenvolvendo um monoteísmo exclusivo: a fé no único Deus; os outros deuses nem existem (cf. 41,4.29; 43,10-12; 44,6-8; 45,5-7.14.18.21).

A Bíblia do Peregrino (p. 1776) comenta: Os desterrados teriam alegado o poder de Babilônia e seus deuses; o Senhor apela ao seu próprio poder, sabedoria, grandeza, domínio da natureza e da história. O estilo é retórico e poético, copioso e apaixonado.

“Com quem haveis de me comparar, e a quem seria eu igual?”- fala o Santo (v. 25).

O segundo Isaías retoma o título “Santo” (cf. 6,3; Sl 99; Ap 4,8), que o primeiro Isaías dava preferencialmente ao Deus de Israel: o “Santo de Israel” (1,4; 5,19.24; 10,20; 12,6; 17,7; 29,19; 30,11.15; 31,1; 37,23; cf. 41,14.16.20; 43,3.14; 45,4; 48,17; 54,5; fora de Is, só se encontra em 2Rs 19,22; Jr 50,29; Sl 71,22; 78,41; 89,19). A teologia da santidade de Deus que acarreta e exige a do povo reaparecerá em outro profeta do exílio, Ezequiel, e em certas tradições sacerdotais conservadas em Jerusalém (cf. a lei da santidade em Lv 17-26).

Levantai os olhos para o alto e vede: Quem criou tudo isto? – Aquele que expressa em números o exército das estrelas e a cada uma chama pelo nome: tal é a grandeza e força e poder de Deus que nenhuma delas falta à chamada (v. 26).

Os astros constituem o “exército dos céus” (cf. 34,4; Dt 17,3; 2Rs 17,16; Jr 8,2, etc.). Eram divinizados na Babilônia, onde este oráculo foi escrito. Na Bíblia, os astros não são divindades, mas exército em formação e obediente a Deus (Gn 2,1; Dt 4,19; Br 3,34s; Sl 147,4). O Santo de Israel é o “Javé (Senhor) dos exércitos”, ou seja, de todo o universo (Is 6,3.5; 25,8; este título estava ligado à arca da aliança: 1Sm 1,3.11; 4,4; 2Sm 6,2.18; 7,8.27; cf. Sl 24,10; 46,8.12). Na terra, os israelitas são os “esquadrões” (Ex 12,51; Jó 10,17; 1Sm 17,45s).

Então, por que dizes, Jacó, e por que falas, Israel: “Minha vida ocultou-se da vista do Senhor e meu julgamento escapa ao do meu Deus?” (v. 27).

“Jacó”=”Israel”(o patriarca Jacó recebeu o apelido Israel, cf. Gn 32,29; 35,10), representa o povo eleito, os judeus que se encontram no exílio da Babilônia e se indagam se Javé esqueceu o seu povo (cf. Ez 37,11).

Acaso ignoras, ou não ouviste? O Senhor é o Deus eterno que criou os confins da terra; ele não falha nem se cansa, insondável é sua sabedoria (v. 28).

Javé (Senhor) é o “Deus eterno” (cf. Gn 21,33). A exaltação da grandeza divina comparada à fraqueza do homem é um tema frequente nos escritos sapienciais (Jó 28; 38-39, Pr 8,22s; 30,4) que atribuem mais explicitamente à sabedoria divina toda essa atividade criadora e ordenadora (Jó 28,23-27; Pr 8,22-31; Eclo 1,2-3).

Ele dá coragem ao desvalido e aumenta o vigor do mais fraco. Cansam-se as crianças e param os jovens tropeçam e caem, mas os que esperam no Senhor renovam suas forças, criam asas como as águias, correm sem se cansar, caminham sem parar (vv. 29-30).

Os exilados de Israel devem acreditar no poder de Javé Deus, porque está com os fracos e abatidos e os revigora, liberta, dá lhes “asas como as águias” (cf. 2Sm 1,23; Sl 103,5).

A Bíblia do Peregrino (p. 1777) comenta:

A queixa dos judeus se poderia formular assim: como outrora Moisés (Nm 11), o Senhor se cansou do seu povo, dos seus pecados (43,24) e de sua teimosia (48,4), e o descarregou em terra estrangeira para se desfazer dele. Se restava alguma predição, o povo está cansado de esperar. Um duplo cansaço conjugado lança uma cortina sobre a história, da qual resta recordação nostálgica ou amarga. 

A resposta apela para as dimensões de Deus: é eterno e tem tempo, é inteligente e conhece a estação, é artífice incansável. Ele dá forças aos cansados; é o homem cansado que tem de aprender a esperar. A esperança rejuvenesce.

Evangelho: Mt 11,28-30

No tempo de Advento até o dia 17, os evangelhos são escolhidos em vista da leitura de cada dia. Ouvimos hoje na leitura sobre o cansaço do povo de Deus no cativeiro do exílio que Deus irá aliviar (Is 40,27-31). O evangelho de hoje nos apresenta Jesus convidando as pessoas cansadas a descansarem sob o “jugo suave e fardo leve” dele.

Este convite a carregar o jugo de Jesus só se encontra em Mt. Nos vv. anteriores (da fonte Q; cf. vv. 26-27; Lc 10,21s), Jesus afirma sua relação íntima com o Pai agradecendo-lhe pela sua revelação aos pequenos e humildes, não aos sábios e doutores. Em seguida, Mt acrescentou um convite aos discípulos que evoca os convites tradicionais da sabedoria personificada (Pr 8,1-21.32-36; 9,4-6; Eclo 24,19-22; etc.) ou do mestre que ensina a sabedoria (Eclo 6,18-37; 51,23-29; Sb 6,11-16). Jesus atribui a si mesmo o papel da sabedoria (cf. Mt 11,19), mas de uma maneira especial, não já como personificação, mas como pessoa.

Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso (v. 28).

A escravidão no Egito se definia pelas “cargas” (Ex 6,6). Não só os animais, também os homens carregam o jugo como sinal e exercício da escravidão. Era um jugo curvo de madeira, apoiando com almofadas sobre os ombros, que servia para transportar cargas equilibradas. Um amor de um casal chama se “con-jugal” porque se unem para caminhar juntos (lado ao lado como par) e carregar a carga (jugo) da vida juntos.

A imagem é frequente no AT: pode referir-se à Lei de Deus, escrita ou oral (“jugo da lei” é uma metáfora corrente entre os rabinos, cf. Sf 3,9; Lm 3,27; Jr 2,20; 5,5; Is 14,25; Os 10,11). Este jugo nem sempre era sentido como algo pesado ou ofensivo. O termo pode ser aplicado também à sabedoria (cuja aprendizagem é no início jugo, mas no fim joia; Eclo 6,24-30, cf. 51,26-27) ou ao jugo pesado da tirania estrangeira (Is 10,27; Jr 27,8 etc.; cf. Os 10,11)

A sabedoria dá tranquilidade e “descanso” (Eclo 6,28; 51,27; cf. 24,7), mata a fome e a sede (Pr 9,4s; Eclo 24,20-22; 51,24; cf. 15,3; Jo 4,14; 6,34), dá alegria (Eclo 6,28; 15,6) e vestimenta da honra e a coroa (Eclo 6, 31; cf. 7,16-18). Por isso, o jugo da sabedoria é leve, ele deixa-se encontrar, porque está perto (Eclo 51,26; Sb 6,12.16), pode-se adquirir de graça (Eclo 51,25).

Em Mt, Jesus chama no lugar da sabedoria. Só o Filho de Deus conhece e revela o caminho para Deus que passará pela cruz (cf. 16,24p), mas pode dar o descanso definitivo porque “tudo foi entregue a ele pelo Pai” (v. 27; 28,18; Jo 3,35; 10,28s; 13,3; 17,2; cf. Ap 14,13).

Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso (v. 29).

O Filho de Deus é “manso e humilde de coração”, expressão clássica dos “pobres de Javé” do AT (cf. Sf 2,3; Is 26,6; Dn 3,87; cf. Mt 5,5; 18,4.10; 20,26-28; 23,8-11). Jesus reivindica a atitude religiosa deles e por isso arroga a si autoridade para ser o seu mestre de sabedoria como estava predito a respeito do “servo” (Is 61,1-2; cf. Lc 4,18; Mt 12,18-21; 21,5). De fato, foi para eles que pronunciou as bem-aventuranças e felicidades do reino (Mt 5,3.5) e muitas outras instruções de sua boa nova.

Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve (v. 30).

O jugo que Jesus impõe, aceito com amor e levado com sua ajuda, “é leve” particularmente se comparado com as cargas dos fariseus (23,4), porque as observâncias farisaicas sobrecarregavam ainda mais o fardo da lei (23,4; cf. 5,17). Ao legalismo rígido dos fariseus, Jesus contrapõe sua interpretação libertadora da lei, apresentada no sermão da montanha (caps. 5-7), iniciado com a declaração da felicidade do Reino de Deus nas bem-aventuranças (5,3-12). Simultaneamente com a lei renovada cujo mandamento maior é o amor (22,34-40p; cf. 23,23), Jesus transmite aos homens a alegria do Reino.

Os apóstolos também não querem sobrecarregar os fiéis com a lei da circuncisão (At 15,10; Gl 5,1), mas incentivam a carregar “o peso uns dos outros, assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6,2).

O site do CNBB comenta: Existem pessoas que acreditam que a verdade da religião encontra-se num rigorismo muito grande, principalmente no que diz respeito às exigências morais e rituais. Com isso, a religião acaba por ser um instrumento de opressão. Jesus nos mostra que não deve ser assim. Ele veio ao mundo para trazer a libertação do jugo do pecado e da morte e que a verdadeira religião é aquela que liberta as pessoas de todos os pesos que as oprimem na sua existência. O verdadeiro cristianismo é aquele que não está fundamentado na autoridade e na rigidez, mas na humildade e mansidão de coração, por que o seu fundador, Jesus Cristo, manso e humilde de coração, é o Mestre de todo o nosso agir.

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