11 de janeiro de 2017 – Quarta-feira, 1ª semana

Leitura: Hb 2,14-18

Continuamos na leitura da “carta aos hebreus”, que pode ser chamado “sermão aos cristãos desorientados” (A. Vanhoye) ou “sermão sacerdotal” porque apresenta Jesus Cristo como “sumo sacerdote” (v. 17; 3,1 etc.). Ele é o Filho, superior aos anjos, rei do mundo futuro (v. 5). Embora o reino futuro e definitivo de Cristo ainda não se realize plenamente, não se deve duvidar que Jesus tivesse vivido e morrido por nós, “em favor de todos” (cf. vv. 8b-9).

Visto que os filhos têm em comum a carne e o sangue, também Jesus participou da mesma condição, para assim destruir, com a sua morte, aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo, e libertar os que, por medo da morte, estavam a vida toda sujeitos à escravidão. Pois, afinal, não veio ocupar-se com os anjos, mas com a descendência de Abraão (vv. 14-16).

A humanidade encontra em Jesus um seu semelhante (“em comum a carne e o sangue”). Como todos nós temos origem em Deus, também temos um futuro comum em Deus. Se Deus é o Deus da vida, nada mais é contrária a Deus do que a morte. Como a vida de Jesus não terminou com a morte, mas venceu na ressurreição, também para nós “irmãos de Jesus”, a morte não tem a última palavra (cf. vv. 14-16). O que Jesus e os crentes têm em comum, não é só o destino futuro, também a origem em Deus. Com isso os seres humanos são irmãos, porém, distante de Deus. A encarnação do Filho de Deus uniu os homens com ele e os tornou mais iguais; assim se assemelham mais a Deus também.

“Aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo.” No livro mais novo do AT, escrito por volta de 50 a.C. em Alexandria, “Deus não fez a morte… foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo” (1,13; 2,24). Lutero pensava em Apolo (cf. 1Cor 1,12; 3,4-11.22; Tt 3, 13) como autor de Hb porque sua descrição em At 18,24-28 se encaixa bastante ao perfil do autor de Hb: origem judaica, educação helenista em Alexandria (onde atuava o filósofo judeu e neoplatônico Filon, cf. Hb 1,3a; 8,5), conhecimento da escrituras e reputação de eloquência. Mas isso não basta para atribuir a carta anônima a Apolo, pois estas características podem ser encontradas em outras pessoas apostólicas da época.

“Libertar os que, por medo da morte, estavam a vida toda sujeitos à escravidão.” Sb 10-19 contempla a ação da sabedoria de Deus nos milagres do êxodo (“saída” da escravidão do Egito). Para Paulo, é o Espírito que ressuscita e da vida, nos faz “filhos” e liberta do medo da escravidão e da morte (Rm 8,11-15.21; cf. 1Cor 15,54-56).

“Não veio ocupar-se com os anjos, mas com a descendência de Abraão”. Seria uma justificação de chamar os destinatários desta carta “hebreus” (termo que aparece pela primeira vez em Gn 14,13; cf. Gn 10,21; Ex 1,15 etc.)? O título “aos Hebreus” não faz parte do texto (nem os termos “judeus”, nem “israelitas”, nem “circuncisão”), foi escolhido, provavelmente, na hora de inserir o escrito numa coletânea de várias cartas. Este sermão-carta, porém, se dirige a cristãos de longa data (cf. 5,12), talvez tenham sido judeus antes do seu batismo. Imaginava-se que seria endereçado aos hebreus, por causa do uso abundante do AT (Antigo Testamento) e das referências ao culto no templo de Jerusalém.

Por isso devia fazer-se em tudo semelhante aos irmãos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e digno de confiança nas coisas referentes a Deus, a fim de expiar os pecados do povo. Pois, tendo ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a tentação (vv. 17-18).

Os vv. 17-18 apresentam o tema central do sermão, que vai ser desenvolvido nos capítulos seguintes: Jesus é o “sumo sacerdote” ideal, fiel a Deus e solidário com os homens, “a fim de expiar os pecados do povo” (cf. Rm 3,25; 1Jo 2,2; 4,10). “Fazer-se em tudo semelhante aos irmãos”, incluindo as tentações (cf. Mt 4,1-11p), os sofrimentos e a morte.

Deste modo podemos constatar que a primeira parta da carta (sermão) foi concebida para preparar o novo tema: Jesus, sumo sacerdote. Todo sacerdote deve intermediar entre Deus e os seres humanos. Também a insistência na questão do anjos (1,4-2,5.16) se explica agora. O que atraia os crentes da época para os anjos era exatamente sua capacidade de mediação entre Deus (transcendente) no céu e os seres humanos na terra, cf. Gn 28,12; Jo 1,51).

Mas o autor de Hb mostra: Cristo é muito mais qualificado do qualquer anjo para cumprir esse papel de sumo sacerdote. Filho de Deus, ele tem com seu Pai uma relação mais íntima do qualquer anjo (1,5-14). Irmão dos homens, ele é bem mais capaz de nos compreender e nos ajudar (2,5-16). Certamente, os anjos têm lugar assegurado na realização dos desígnios de Deus, mas trata-se de um lugar subalterno (1,14). Cristo glorificado vale incomparavelmente mais do que eles. Para nós, ele é mais do que simples intermediário, pois foi pelo mais profundo do seu ser que ele se tornou, por meio de sua Paixão, o verdadeiro mediador entre Deus e os homens…

Em última análise, o título que resume e completa os outros é “sumo sacerdote misericordioso e fiel” (2,17). O ouvinte é levado a preferi-lo mesmo em relação ao título de Rei-messias. Com efeito, as imagens do messianismo real … evocam excessivamente o poder político e os triunfos guerreiros… “Filho de Deus” reflete somente sua relação com Deus; “irmão dos homens” expressa somente a sua relação conosco; “Senhor” evoca apenas a sua glória; “Servo” recorda apenas sua voluntária humilhação… No entanto, “sumo sacerdote” dá a ideia da dupla relação e, ao mesmo tempo, evoca sua Paixão e sua glória (Vanhoye, p.55s).

Em todo NT, apenas a carta Hb dá este título a Jesus. Era tal inovador, mas suscetível a mal-entendidos que precisava explicá-lo mais detalhadamente nas seções seguintes (3,1-5,10; 5,11-10,39).

Evangelho: Mc 1,29-39

Continuamos ouvindo o relato do sábado em Cafarnaum, em que Jesus, depois de curar um homem possuído no espaço público da sinagoga (1,21-28, evangelho de ontem), cura uma mulher no espaço privado de uma casa.

Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André (v. 29).

Hoje a sinagoga daquela época e a ruína da casa de Simão Pedro são sítios arqueológicos em Cafarnaum. Tiago e João já haviam deixado a família (o pai em v. 20). Simão, chamado de Pedro em 3,16 (cf. Mt 16,18) parece ter sido chefe da “casa” que serve de apoio para a missão de Jesus nesta cidade (cf. 2,1; 3,20.31; 4,10?; 9,33).

A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus. E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los (vv. 30-31).

A sogra de Simão estava “de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus” (v. 30). Os relatos de cura seguem um esquema simples: descrição da doença e pedido de cura, aproximação, gesto e/ou palavra que cura (“ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se”; em Lc 5,39, Jesus “ameaçou a febre”) e demonstração da saúde recuperada (“a febre desapareceu, e ela começou servi-los”.

O fato de Simão Pedro ter uma sogra demonstra claramente que ele era casado (cf. 1Cor 9,5: salvo Paulo, os outros apóstolos e Cefas-Pedro levaram consigo uma mulher na missão). Alguns acham que já Pedro era viúvo, mas a Bíblia não diz nada a respeito. Em Mc 10,28s, Pedro diz que deixou tudo para seguir Jesus. Jesus promete recompensa para quem tenha deixado “casa, irmãos, irmãs, mãe e filhos e terras” por sua causa. Lc 18,29 acrescenta “mulher”.

À tarde, depois do pôr-do-sol, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio. A cidade inteira se reuniu em frente da casa (vv. 32-33).

“À tarde, depois do pôr do sol” quer dizer que o sábado terminou. No sábado, dia sagrado dos judeus era proibido trabalhar e curar (cf. Mc 2,23-3,6p; Lc 13,14; Jo 5,10.16-18; 9,14-16; no AT: Gn 2,3; Ex 16,23-30; 20,8-11; 23,12; 31,12-17 etc.). Mas para os judeus, o próximo dia já começa com o brilho da primeira estrela na véspera, então carregaram a Jesus “todos os doentes e possuídos pelo demônio” (cf. 6,55-56).

Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios. E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era (v. 34).

Jesus não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem Ele era (v. 35; cf. v. 24; 5,6). Os demônios, ou seja, os espíritos maus e impuros têm conhecimento sobrenatural, mas Jesus quer manter sua identidade em segredo (cf. v. 44; 3,11-12; 7,36; 8,30; 9,9) para não ser confundido com um messias guerreiro e nacionalista (Mc escreveu no meio da Guerra Judaica, 66-70 d.C.)

De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto. Simão e seus companheiros foram à procura de Jesus. Quando o encontraram, disseram: “Todos estão te procurando”. Jesus respondeu: “Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim”. E andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios (vv. 35-39).

Jesus começa afastar-se das multidões (cf. 3,9; 4,10; 7,24) e, “de madrugada… rezar num lugar deserto” (v. 35, cf. 6,31-46). Aos discípulos que o procuraram, responde: “Vamos a outros lugares…, devo pregar também ali, pois foi para isso que vim” (v. 38). Jesus não veio para ser um médico bem-sucedido (cf. 2,17; Lc 4,23) prolongando a vida das pessoas por mais alguns anos, mas para pregar os valores do reino de Deus e salvar-nos do pecado e da morte através da doação de sua própria vida (cf. 2,5.17; 10,45).

O site da CNBB resume: A centralidade da missão de Jesus encontra-se na revelação do Reino de Deus, de modo que para ele é mais importante a pregação do que a realização de curas e outros tipos de milagres. Os milagres estão relacionados com a revelação, pois explicitam o conteúdo principal da pregação de Jesus que é o amor que Deus tem por todos nós e o bem que ele concede a nós como manifestação desse amor. Sendo assim, o mais importante não é o milagre em si, mas a revelação que ele traz junto de si: Deus ama a todos nós com amor eterno e tudo faz pela nossa felicidade, e isso deve ser anunciado a todos os povos.

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