11 de julho de 2018, quarta-feira: Jesus chamou os doze discípulos e deu-lhes poder para expulsarem os espíritos maus e para curarem todo tipo de doença e enfermidade

Leitura: Os 10,1-3.7-8.12

O cap. 10 apresenta palavras do profeta Oseias e de discípulos posteriores sobre culto e reis. A pregação de Oseisa se deu pouco tempo depois de Amós no reino do Norte (por volta de 740 a.C.). Mas a crítica nesta leitura contra o culto e a outras divindades é própria do tempo de Josias no reino do Sul (620 a.C.). A destruição do reino do Norte (722 a.C.; cf. 2Rs 17) foi considerada como castigo de Deus por causa do culto a outros deuses; o bezerro de ouro (cf. v. 6), símbolo da divindade, foi levado para Assíria. Nos vv. 1-8, pecado e castigo vão se entrelaçando com calculada correspondência, delimitados pelo benefício inicial e pelo grito de fracasso final.

Israel era uma vinha exuberante e dava frutos para seu consumo; na medida de sua produção, erguia os numerosos altares; na medida da fertilidade da terra, embelezava seus ídolos. Com o coração dividido, deve agora receber castigo; o Senhor mesmo derrubará seus altares, destruirá os seus simulacros (vv. 1-2).

O cap. inicia com uma retrospectiva do tempo próspero no reino do Norte sob Jeroboão II (783-743). A imagem de “vinha” é frequentemente aplicada a Israel (cf. Is 5,1-7; Sl 80; Jr 2,21; Ez 15,2; 17,6; 19,10; Sl 80; Mt 20). Projeta luz segundo o contexto sobre a grandeza da escolha, a índole insensata da desobediência e o aspecto inevitável do julgamento. Corresponde à época de Jereboão II, como cíclo de múltiplo ao múltiplo: quanto mais propriedade, mais altares, levando em conta que a mais altares corresponde mais prosperidade.

Mas não é multiplicação, é divisão: os numerosos santuários correspondem a um “coração dividido” (cf. 2Rs 18,21), contra Dt 6,4s: “Ouça, Israel, o Senhor teu Deus é um único Senhor. Por isso amarás o Senhor, teu Deus, de todo teu coração…”. Não se queria negar Javé Deus, mas o assemlhou ao Baal, deus da tempestade e da fertilidada. O coração deste povo parece estar ligado ao Javé, mas de fato está com os baals (deuses cananeus).

Com essa divisão incorrem em crime: quanto mais altares, mais dívidas (“receber castigo”, lit. vão pagar). “Derrubará”, lit. desnucará, parece metáfora para quebrar as quatro saliências angulares, garantia de consagração dos altares e sua força sagrada. Os “simulácros” (cf. 3,4) são estelas de pedra, bem trabalhados no séc. VIII., mas “o Senhor mesmo derrubará” através do invasor assírio.

Decerto, dirão agora: “Não temos rei; não temos medo do Senhor. Que poderia o rei fazer por nós?” (v. 3).

A instabilidade do poder e a tutela assíria tiraram toda eficácia da instituição real (cf. 3,4). Este v. pode ser uma confissão posterior de culpa, mas como Os 6, o profeta não a leva a sério. A Bíblia do Peregrino (p. 2186) comenta: É duvidoso o tom com se pronuncia a primeira frase: desolação ou triunfo? Pelo paralelismo e pelo contexto, optamos pelo segundo. Negada a autoridade do Senhor e do rei, cada um “faz o que quer” (Jz 17,6; 21,25); sem entraves divinos nem humanos, a imoralidade reina nas relações civis.

O tempo sem rei pode se referir à revolta após o ano 733, ou refletir o tempo depois o exíio (586-538).

Nossa liturgia salta os vv. 4-6, em que se fala que do símbolo da idolatria, o bezerro de ouro que Jeroboão havia colocado em Betel (1Rs 12) “será levado para Assíria”. A arqueologia atesta o costume de transportar as estátuas dos povos subjugados para os santuários dos povos vencedores; assim aconteceu com a arca da aliança: ele foi transferida para a terra dos filisteus (1Sm 4,11), e depois da destruição do templo de Jerusalém em 586 a.C. talvez tenha sido transferida para Babilônia (cf. 2Rs 25,8-15) onde se perdeu (só na Etiópia se mantém a lenda que esteja guardado neste país num lugar secreto e seguro).

Samaria está liquidada, seu rei vai flutuando como palha em cima da água. Será desmantelada a idolatria dos lugares altos, pecado de Israel; ali crescerão espinhos e abrolhos sobre seus altares; então se dirá aos montes: “Cobri-nos!” e às colinas: “Caí sobre nós!” (vv. 7-8). 

O reino do Norte com sua capital Samaria foi destruído em 722 ou 721 a.C. pelo exército violento dos assírios que deportaram boa parte da população e assentaram outros povos (daí a mistura étnica e religiosa dos samaritanos, cf. 1Rs 17; Esd 4). “Espinhos e abrolhos” são o sinal da maldição como na perda do paraíso em Gn 3,18.

Diante da dimensão da catástrofe que lhes tira toda a razão de viver eles lhe desejarão o fim do mundo. É no mesmo sentido que Jesus cita essa palavra na sua profecia sobre a destruição de Jerusalém em 70. d.C. (Lc  23,30; cf. Ap 6,16).

A Bíblia do Peregrino (p. 2187) comenta o v. 8: Um grito desesperado faz eco ao grito de triunfo: é melhor morrer numa catástrofe natural, nas mãos do Senhor, do que nas mãos do exército inimigo.

Nossa liturgia omite os vv. 9-11.13-15 que falam do pecado de Israel que levará ao fim do seu reino (v. 15)

Semeai justiça entre vós, e colhereis amor; desbravai uma roça nova. É tempo de procurar o Senhor, até que ele venha e derrame a justiça em vós” (v. 12).

Semeiar “justiça” (cf. 2Cor 9,10) no sentido religioso de conformidade com a vontade divina (hesed, cf. 2,21) expressa em sua Lei. Lemos varias expressões de duplo sentido: “Semear” seguindo a justiça, atendo-se as normas do ofício (Is 28,23-29) e respeitando direitos alheios . “Colher” lealmente tendo em conta as normas de caridade e generosidade (Lv 19,9s; Dt 24,19-22). “Desbravar” terrenos novos respeitando a terra (Lv 26,36); ou então campos novos, não acumulando sem cultivar. “Procurar” e conhecer o Senhor são temas constantes na exortação profética; na prática, significa consultar e interrogar o profeta a respeito da vontade do Senhor (1Rs 22,5ss; 2Rs 3,11; 8,8; 22,13; Jr 42,1-3; 37,7; 38,14; cf. Am 4,6; Jr 10,21). “Derramar” faz pensar na chuva e na instrução (cf. 4,6; 55,10s) e enfatiza o aspecto totalizante da salvação (Is 45,6) que transforma tanto os corações como a terra. Deus vai “derramar a justiça”. A justiça tem aqui, como em muitos textos do AT, o sentido de salvação (cf. 2,21).

 

Evangelho: Mt 10,1-7

Depois da introdução que ouvimos ontem (Jesus pede mais trabalhadores para a messe), entramos hoje no segundo dos cinco discursos de Jesus em Mt que trata sobre a missão dos apóstolos (cap. 10). Para este discurso, Mt combinou a chamada dos Doze de Mc 3,13-19 com o envio em missão de Mc 6,7-13 e as recomendações para missão em Q (coleção perdida com palavras de Jesus, que Lc usa também, cf. Lc 9,1-6; 10,1-12), acrescentando depois outras palavras sobre a perseguição (vv. 16-42; cf. Mc 13,9-13; Lc 12,2-9.51-53; 14,26-27; 21,12-19).

Jesus chamou os doze discípulos e deu-lhes poder para expulsarem os espíritos maus e para curarem todo tipo de doença e enfermidade (v. 1).

Mt supõe já conhecida a escolha dos doze, que Mc e Lc mencionam explicitamente (“escolheu”), distinguindo a da missão: Em Mt, Jesus apenas “chamou” os doze “e lhes deu poder…” Os escolhidos que foram chamados agora são “doze” como representantes das doze tribos de Israel (19,28; Ap 21,12-15; cf. Ex 1,1-5; 24,4; … Ap 7,4-8), como a família do novo Israel (no AT, apresenta-se o antigo Israel como descendência dos doze filhos de Jacó-Israel; cf. Gn 29,31-30,22; 35,16-25).

O mestre comunica-lhes seus poderes messiânicos: desalienar as pessoas (“expulsar demônios”, cf. 8,28-34) e libertá-los de todos os males (cf. 4,23; 9,35). Exorcismos e curas dependem do mesmo poder. A doença é sinal do reino de Satanás e do pecado; a cura é sinal da vitória sobre ele.

Estes são os nomes dos doze apóstolos: primeiro, Simão chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o Zelota, e Judas Iscariotes, que foi o traidor de Jesus (vv. 2-4).

Antecipa-se o título futuro de “apóstolos”, ou seja, “mensageiros, enviados” (cf. Lc 6,13).

Pedro encabeça os apóstolos com seu novo nome de ofício (“Pedro”) que será dado em 16,18 (cf. Jo 1,42: “Céfas” em hebraico, cf. 1Cor 1,12; 3,22; 9,4; 15,5; Gl 1,18; 2,9.11). Os nomes dos Doze são de origem e mentalidade muito diversas: nomes hebraicos e gregos, vários pescadores, um publicano (cobrador de impostos para os opressores romanos), um zelota (os zelotas cometiam atos de terroristas contra os romanos). Esta diversidade tem seu centro de unidade em Jesus e mostra sua capacidade em unir pessoas divergentes.

A lista dos doze apóstolos (cf. Mc 3,14 e Lc 6,13) chegou a nos sob quatro formas diferentes, a saber, de Mt, Mc, Lc e At. Divide-se sempre em três grupos de quatro nomes (enquanto no quadro da última ceia, Leonardo da Vinci os dividiu em quatro grupos de três). Todas as listas têm as mesmas pessoas que encabeçam estes três grupos: Pedro, Filipe e Tiago, filho de Alfeu. A ordem pode variar no interior de cada grupo. Pedro é sempre o “primeiro” (Mt ainda o destaca como tal), Judas Iscariotes o último da lista,

No primeiro grupo vemos os discípulos mais ligados a Jesus (cf. Mc 13,3): Mt e Lc colocam juntos os irmãos Pedro e André e os irmãos Tiago e João, enquanto em Mc e At, André está no quarto lugar, para dar lugar aos dois filhos de Zebedeu que juntamente com Pedro se tornam os três íntimos do Senhor (cf. Mc 5,37; 9,2; 14,33). Nos At, um filho de Zebedeu, Tiago, cede o seu lugar a seu irmão mais moço, João que se tornou mais importante (cf. At 1,13; 12,2 e já Lc 8,51p; 9,28p).

O segundo grupo parece ter tido mais afinidade com os não-judeus (cf. Jo 12,20s; Mt 9,9). Neste, Filipe em primeiro lugar. Mateus ocupa o último lugar nas listas de Mt e dos At, e só em Mt é chamado “ o cobrador de impostos” (cf. 9,9s: Mt contou sua vocação trocando o nome Levi de Mc 2,13; Lc 5,27; cf. comentário de sexta-feira passada). A tradição identificou Bartolomeu com Natanael (por sua proximidade a Filipe em Jo 1,45-50; cf. 21,2).

O terceiro grupo é o mais judaizante, encabeçado por Tiago, filho de Alfeu, chamado de Tiago menor, que pela tradição foi identificado com Tiago, o “irmão (parente) do Senhor” (cf. 13,55; Mc 6,3p; 16,1; Jo 19,25; At 12,17; 15,13-21; 21,18-26; 1Cor 15,7; Gl 1.19; 2,9.12; Tg). Parentes de Jesus (cf. 13,55p) têm nomes iguais também aos próximos da lista: Tadeu (variação Lebeu) de Mt e de Mc, se é a mesma pessoa que o “Judas de Tiago” (filho ou irmão de Tiago em Jd 1) em Lc e nos At, e passa nestes últimos, do segundo para o terceiro lugar. Simão, o “zelota”, de Lc e At, não é senão a tradução grega do aramaico, Simão Qan’ana (“cananeu”) de Mt e Mc; significa “zeloso” (a palavra portuguesa vem desta palavra grega e significa ardor, fervor, emulação; os zelotes tinham tanto zelo ao ponto de se tornarem fanáticos e terroristas violentos contra os romanos (p. ex. Barrabás em Mc 15,7p; cf. At 5,36-37). Judas Iscariotes, o “traidor”, figura sempre em último lugar da lista, e se menciona seu destino. O nome é interpretado frequentemente como “homem de Cariot” (cf. Js 15,25; Am 2,2), mas poderia também ser um derivado do aramaico sheqarya, “o mentiroso, o hipócrita” ou transcrição semítica de sicárius, equivalente latino de zelota (assim formaria um par com Simão Cananeu); esta última interpretação ajudaria entender o motivo da sua traição, porque Jesus repudiou a ideologia dos zelotas (cf. 17,24-27; 22,15-22).

Jesus enviou estes Doze, com as seguintes recomendações: “Não deveis ir aonde moram os pagãos, nem entrar nas cidades dos samaritanos! Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel! (vv. 5-6).

Em seguida, “Jesus enviou esses doze com as seguintes recomendações” (v. 5). “Enviar” corresponde ao título apóstolo – enviado encarregado de missão (cf. 10,16.40; 15,24). Em 15,24, mas sobretudo em Jo, Jesus apresenta-se como “enviado” do Pai (Jo 3,17.34; 5,36s; 17,3.18 etc.).

Em Mt, os conselhos seguintes para missionários itinerantes (cf. evangelho de amanhã) se situam ainda antes da ressurreição, por isso sua área de operação é por ora restrita e mostra a preferência por Israel: “Não deveis ir aonde moram os pagãos nem entrar nas cidades dos samaritanos! Ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel!” (vv. 5-6; cf. v. 23). Só no final do Evangelho, depois da rejeição de Israel e a ressurreição de Jesus, ele os envia a todos os povos (28,19).

Os samaritanos, miscigenados desde a queda da Samaria (reino do Norte) em 721 a.C. (2Rs 17,29-34), tinham a lei de Moisés, mas seu próprio templo no monte Garizim (Jo 4,20); não são o Israel autêntico, estão a meio caminho entre os judeus e os pagãos. “Casa de Israel” é hebraísmo bíblico que Jesus usa em 15,24: é o povo de Israel, ovelhas dispersas por culpa dos pastores (cf. 9,36): “Meu povo era um rebanho perdido” (Jr 50,6). Como herdeiros da eleição e das promessas, os judeus devem ser os primeiros a receber o oferecimento da salvação messiânica. Assim Paulo, Barnabé e Marcos começam evangelizar primeiramente nas sinagogas, só depois da recusa dos judeus se dirigem aos pagãos (cf. At 13,46; 18,6; 28,28). Em Lc, Jesus passa pela Samaria (cf. Lc 9,51-55; 10,29-37) e o evangelho será anunciado lá pelo diácono Filipe (cf. At 1,8; 8,5-25). Em Jo 4, o próprio Jesus evangeliza os samaritanos.

Em vosso caminho, anunciai: ‘O Reino dos Céus está próximo’” (v. 7).

Em Mt, é o mesmo anúncio de João Batista e de Jesus (3,2; 4,17). Conforme o costume dos seus leitores judeu-cristãos, Mt evita pronunciar o nome de Deus e prefere e expressão “Reino dos Céus” (em vez de Reino de Deus); não designa um reino celeste, mas que Aquele que está no céu (5,48; 6,9; 7,21) reina sobre o mundo. O reino sempre pertence ao Senhor (Sl 22,29; 103,19; 145,11-13;…), mas este reinado de sempre “se aproximou” dos seres humanos na pessoa de Jesus.

O envio dos discípulos não acontece somente no passado. Jesus tem sempre compaixão das multidões. Nós também somos pessoas muito diferentes, viemos de diversos lugares e situações, mas fomos chamados por Jesus para trabalhar juntos pelo “reino de Deus e sua justiça” (6,33).

O site da CNBB comenta: Nós devemos ter sempre a convicção de que, se fomos chamados para trabalhar no Reino de Deus, foi Jesus quem nos chamou. Outras pessoas podem até ter participado deste chamado, mas foram instrumentos nas mãos de Jesus para que esse chamado acontecesse. E porque foi Jesus quem nos chamou, é da obra dele que participamos. Não temos o nosso próprio projeto e nem participamos de projetos de outras pessoas, mas na verdade, nos inserimos no projeto do próprio Jesus. Com isso, não realizamos a nossa obra, mas a obra daquele que nos chamou e não agimos pelo nosso próprio poder, mas agimos pelo poder daquele que nos chamou e nos enviou para a realização do seu projeto de amor.

Voltar