11 de maio de 2017 – Quinta-feira, Páscoa 4ª semana

Leitura: At 13,13-25

Ouvimos hoje de Paulo e Barnabé em plena missão, saindo da ilha de Chipre indo à terra da Panfilia e Pisidia, atual sul da Turquia. Paulo não é mais assistente de Barnabé (cf. 11,25s.30; 12,25; 13,1), mas aparece em primeiro lugar como líder da missão.

Paulo e seus companheiros embarcaram em Pafos e chegaram a Perge da Panfília. João deixou-os e voltou para Jerusalém (v. 13).

Desde 13,9, o narrador chama Saulo de “Paulo”. A mudança de nome não se deve à conversão e ao batismo, mas os judeus costumavam adotar outro nome mais comum no mundo greco-romano (cf. 1,23; 9,36; 13,1), também “João” tinha o nome romano “Marcos”; ele era de Jerusalém, sua mãe se chamava Maria em cuja casa Pedro encontrou refúgio (12,12.25). Na tradição, ele era companheiro também de Pedro (cf. 1Pd 5,13) e escreveu o evangelho mais antigo (por volta de 70 d.C.). Aqui não se diz porque João Marcos voltou para Jerusalém; pode ser que não estivesse plenamente de acordo com a linha de ação dos companheiros (cf. 13,37-39). Barnabé e Marcos eram primos (Cl 4,10).

Eles, porém, partindo de Perge, chegaram a Antioquia da Pisídia. E, entrando na sinagoga em dia de sábado, sentaram-se. Depois da leitura da Lei e dos Profetas, os chefes da sinagoga mandaram dizer-lhes: “Irmãos, se vós tendes alguma palavra para encorajar o povo, podeis falar” (vv. 14-15).

O primeiro destino da viagem foi a ilha de Chipre (vv. 4-13), depois foram ao litoral da atual Turquia subindo cerca de 100 km a uma região no interior chamado Pisídia. Lá havia outra cidade chamada Antioquia. Não confundir com Antioquia no rio Orontes (11,19-30), capital da província romana da Síria (hoje Antiaka no sul da Turquia na divisa com o Líbano e a Síria) que se tornou o segundo centro missionário (depois de Jerusalém); lá Barnabé e Saulo foram escolhidos para esta viagem missionária (13,1-3); também nas outras duas viagens, Paulo partirá de lá.

Chegando a um lugar, Paulo costuma procurar a sinagoga para iniciar sua pregação sobre Cristo primeiramente aos judeus (cf. 9,20; 13,5, 14,1; 16,13; 17,1s.10.17; 18,4.19; 19,8; 28,17.23), seu povo eleito e conhecedor das Escrituras (cf. Rm 9,4s). No culto das sinagogas no sábado, lia-se primeiro um trecho da Lei e um dos profetas, depois seguia-se o comentário ou a homilia. Qualquer judeu presente podia propor seu comentário. Como em Lc 4,16ss, os visitantes são convidados a falar. O convite fala de “exortação” (encorajamento) dirigida “ao povo”. Em primeiro lugar é o povo judeu, mas também prosélitos e simpatizantes acorriam as sinagogas.

Trata-se de exortações que tem por ponto de partida a Escritura (cf. Rm 15,4). O costume das sinagogas como vemos aqui, será retomado nas reuniões litúrgicas dos cristãos, onde estes discursos de exortação são proferidos pelos “profetas” ou “doutores, mestres” (cf. 1Cor 14,3.31; 1Tm 4,13; Hb 13,22; At 11,23; 14,22; 15,32; 16,40; 20,1.2).

Paulo levantou-se, fez um sinal com a mão e disse: “Israelitas e vós que temeis a Deus, escutai! (v. 16).

Gesto habitual do orador antigo para chamar a atenção dos ouvintes: estendia a mão direita com os dois dedos menores dobrados e os outros três estendidos (cf. 19,33; 21,40; 26,10). Nas imagens da tradição cristã, este gesto de falar tornou-se o gesto de abençoar (bem dizer).

Paulo fala da fé, no estilo grego. O amplo discurso de Paulo se assemelha muito aos de Pedro (2,22-36; 3,12-26); a razão óbvia é que se dirige a judeus. Mas a nova linha de Paulo ou a presença de não-judeus na sala induz algumas mudanças. Usa o nome mais amplo e tradicional, “israelitas”, mas se dirige também aos simpatizantes com um título que é frequente nos salmos, “veneradores de Deus”, traduzido aqui: “vós que temeis a Deus” (cf. Cornélio em 10,2).

O Deus deste povo de Israel escolheu os nossos antepassados e fez deles um grande povo quando moravam como estrangeiros no Egito; e de lá os tirou com braço poderoso. E, durante mais ou menos quarenta anos, cercou-os de cuidados no deserto. Destruiu sete nações na terra de Canaã e passou para eles a posse do seu território, por quatrocentos e cinquenta anos aproximadamente (vv. 17-20a).

A primeira frase do discurso é “o Deus deste povo de Israel escolheu os nossos antepassados” (não cita nomes): pura iniciativa de Deus, realizada numa escolha soberana. Os judeus presentes na sinagoga são a continuação dessa escolha que começou com Abraão (cf. v. 26): Ela se manterá? Ou ampliará? Sem falar de José (cf. o discurso mais detalhado de Estêvão em cap. 7), elogia o tempo do Egito e a qualifica como “exaltação” (não humilhação): “fez deles um grande povo”.

A libertação é articulada em três etapas clássicas: saída do Egito, caminhada pelo deserto, ocupação de Canaã. As pragas e a passagem do mar Vermelho são sintetizadas no “braço erguido (poderoso)” (Ex 12,51) do Senhor. No deserto, “cercou-os de cuidados” (cf. Dt 1,31); saltam-se a aliança e a lei (que mais adiante serão citadas na sua impotência, cf. a teologia de Paulo em vv. 38s); não menciona o nome Moisés, nem o sumo sacerdote Aarão e nem o culto. Os “quarenta anos” aludem claramente a rebeldia do povo (Nm 14,34). Os “sete povos na terra de Canaã” formam o número clássico completo (Dt 7,1).

“Quatrocentos e cinquenta anos aproximadamente”: 400 anos corresponde ao tempo no Egito (7,6; Gn 15,13; “430 anos” em Gl 3,17; Ex 12,40), mais 40 ao deserto, mais 10 a conquista e ocupação da terra; soma-se 450.

Depois disso, concedeu-lhes juízes, até ao profeta Samuel. Em seguida, eles pediram um rei e Deus concedeu-lhes Saul, filho de Cis, da tribo de Benjamim, que reinou durante quarenta anos. Em seguida, Deus fez surgir Davi como rei e assim testemunhou a seu respeito: ‘Encontrei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que vai fazer em tudo a minha vontade.’ Conforme prometera, da descendência de Davi Deus fez surgir para Israel um Salvador, que é Jesus (vv. 20b-23).

Os juízes formam um bloco de transição (Jz 2,16ss) “até” Samuel, a quem dá o título de “profeta”, por sua vocação e porque recebia oráculos de Deus (cf. 1Sm 3; 8,7; 9,9.15; 15,10; 16,1.7.12). Saul serve para marcar o começo do regime monárquico (1Sm 8-9) e como fundo de contraste para a escolha de Davi (1Sm 16,12). O próprio Paulo era da tribo de Benjamim (Rm 11,1; Fl 3,5) e trazia o nome do primeiro rei (Saul=Saulo).

“Tendo o deposto” (lit. v. 22, aqui traduzido apenas: “em seguida”), “Deus fez surgir Davi” (1Sm 16,12s), retoma o aspecto positivo (segundo Sl 89,20s; 1Sm 13,14; cf. Is 44,28) com traços que possam convertê-lo em tipo do futuro Messias: Deus fez “surgir” ou “ressuscitar”? O verbo grego é ambíguo e a argumentação explora essa ambiguidade como em 3,20-26: a “promessa” realizou-se pela ressurreição de Jesus (vv. 32-33; ver ainda 26,6-8); é também pela ressurreição de Jesus que foi constituído salvador (cf. 5,31; ver também 2,21; 4,12; Rm 5,9-10; Fl 3,20 etc.). Assim o verbo que no v. 22 significa “suscitar”, a partir do v. 30 significa, sem duvida, “ressuscitar”, no v. 23 serve de transição e é equívoco.

“Da descendência de Davi” (lit. “de sua linguagem”, cf. Is 11,1); de Saul relativiza o regime, Davi relativiza a pessoa porque sua função mais importante é receber uma promessa e gerar um descendente. Promessa ou anúncio e cumprimento são o esquema que governa o que se segue. De Davi salta a Jesus, que fazendo jus ao nome (Jesus = Javé salva; cf. Mt 1,21), é enviado como “Salvador” para “Israel” (outra vez o nome do povo escolhido em sua amplidão ideal, cf. vv. 16.24).

Antes que ele chegasse, João pregou um batismo de conversão para todo o povo de Israel. Estando para terminar sua missão, João declarou: „Eu não sou aquele que pensais que eu seja! Mas vede: depois de mim vem aquele, do qual nem mereço desamarrar as sandálias” (vv. 24-25).

Muita importância relativa é dada a João Batista (cf. 10,37): sua atividade e seu testamento (“declarou, estando para terminar sua missão”). Enviado a “todo o povo de Israel” (novo acento, cf. vv. 16.23) como percursor e arauto de um batismo de “conversão” (cf. depois o apelo atual em v. 38). Como seu testamento, cita-se uma frase que encontramos aqui e também nos quatro evangelhos (dado excepcional, Lc 3,16 p): “Depois de mim vem aquele, do qual nem mereço desarramar as sandálias” (provável alusão à lei do levirato (Rt 4,7s; Dt 25,9s).

Com este discurso (que continuará na leitura de amanhã), Paulo quer dizer que a ressurreição de Jesus está bem fundamentada. Foi uma ação longamente preparada. Deus não improvisa as suas ações, prepara os acontecimentos. Com bases assim tão profundas no passado, a ressurreição pode se irradiar para toda a história sucessiva.

 

Evangelho: Jo 13,16-20

Nos evangelhos dos dias das semanas pascais (até Pentecostes), lemos o evangelho de Jo. Hoje entramos nos discursos da última ceia. Jesus lavou os pés dos discípulos (cf. evangelho de Quinta-feira Santa) como sinal de um amor que dá sua vida e faz participar os discípulos (vv. 1.8) que deviam então seguir este seu “exemplo” de humildade (v. 15; cf. Fl 2,1-7). Em seguida, lemos outras palavras de Jesus, duas frases com a solene introdução “Em verdade, em verdade (lit. Amém, amém) vos digo” para sublinhar a mensagem do lava-pés.

Em verdade, em verdade vos digo: o servo não está acima do seu senhor e o mensageiro não é maior que aquele que o enviou. Se sabeis isto, e o puserdes em prática, sereis felizes (vv. 16-17).

O aforismo de v. 16 se acha com variantes em Mt 10,24s e Lc 6,40. O “mensageiro” (em grego lit. “apóstolo”, designa alguém que foi “enviado”, um “missionário”) não é maior que aquele que o enviou. O “servo” (escravo) não está acima do seu “senhor e mestre” (vv. 13s; cf. 15,20), então não pode estar mais livre, folgar mais do que seu senhor, mas tem obrigação de fazer o que o senhor fez (ou manda fazer). O agir de Jesus, seu serviço é norma para os discípulos. O v. 17 pressupõe que seriam capazes de agir assim. Seu mestre os ensinou, eles sabem; agora, porém, precisam “pôr em prática” para serem “felizes (bem-aventurados)” (cf. Tg 1,25; Is 56,2).

Eu não falo de vós todos. Eu conheço aqueles que escolhi, mas é preciso que se realize o que está na Escritura: ‘Aquele que come o meu pão levantou contra mim o calcanhar.’ Desde agora vos digo isto, antes de acontecer, a fim de que, quando acontecer, creais que eu sou (vv. 18-19).

Os discípulos seriam capazes de imitar o exemplo de Jesus, “mas nem todos”; outra vez, Jesus fala do traidor (cf. vv. 10s). Parece que a traição de um apóstolo (como a morte escandalosa da cruz, cf. 1Cor 1,18-2,5) era um imbecilho para a fé dos primeiros cristãos. Mas a traição de um não deve desconcertar, pois Jesus a anuncia de antemão (cf. 14,29; 16,4) e estava predita na Escritura (cita Sl 41,10; oração de um inocente perseguido). O extraordinário é que ao cumprir-se a traição anunciada, seja motivo de fé na divinidade da pessoade Jesus, “creais que Eu sou” (v. 19). “Eu sou” é o nome divino revelado a Moises (Ex 3,14: Yhvh=Javé, na tradução grega: “Eu sou aquele que sou”). Em Jo se aplica também a Jesus, porque nele Deus se faz definitivamente presente (cf. Jo 8,28.58; 13,19 e também 6,35; 18,5.8). Essa fé está na base da missão. A referência serve de transição à declaração que se segue.

Em verdade, em verdade vos digo, quem recebe aquele que eu enviar, me recebe a mim; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou (v. 20).

Outra vez, ouvimos a introdução “Amém, amém, vos digo” (cf. v. 16). A frase da acolhida do enviado foi tirada do contexto de envio em missão (cf. Mt 10,40p). Neste contexto de Jo, significa que este envio dos discipulos à missão ainda vale embora haja traição e negação entre eles.

Quem recebe Jesus, recebe o próprio Deus (cf. 10,30). O “enviado” (mensageiro, apóstolo, missionário) não é maior (v. 16), mas também não é menor que aquele que o enviou, se agir do mesmo modo. No serviço dos apóstolos continua a missão de Jesus, então eles representam Jesus e nele, Deus no mundo. O serviço deles é imitar o “exemplo” de Jesus (v. 15). É apóstolo, quem faz o que fez Jesus.

 

Voltar