12 de Abril de 2019, Sexta-feira: “Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim. Mas, se eu as faço, mesmo que não queirais acreditar em mim, acreditai nas minhas obras, para que saibais e reconheçais que o Pai está em mim e eu no Pai” (vv. 37-38).

Leitura: Jr 20,10-13

A leitura de hoje mostra uma das páginas mais trágicas do livro de Jeremias, é a última das cinco confissões (a primeira foi lida no sábado passado: 11,18-12,6; as outras: 15,10.15-20; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18). O profeta sabe que foi chamado por Deus e não pode deixar de denunciar injustiças e anunciar calamidades, mas sofre com esta missão difícil.

Eu ouvi as injúrias de tantos homens e os vi espalhando o medo em redor: “Denunciai-o, denunciemo-lo.” Todos os amigos observavam minhas falhas: “Talvez ele cometa um engano e nós poderemos apanhá-lo e desforrar-nos dele” (v. 10).

Até os parentes de Jeremias (cf. 11,18-23; 12,6;) e “todos os amigos (lit. “os homens da minha paz”) observavam as falhas do profeta para apanhá-lo. Tantos homens o ameaçam “espalhando o medo em redor”, lit. “terror de todos os lados” (v. 10; 6,25; 46,5; 49,29; cf. Sl 31,14), querendo denunciar, prender, torturar e eliminar o profeta (cf. 38,1-6).

Mas o Senhor está ao meu lado, como forte guerreiro; por isso, os que me perseguem cairão vencidos. Por não terem tido êxito, eles se cobrirão de vergonha. Eterna infâmia, que nunca se apaga! O Senhor dos exércitos, que provas o homem justo e vês os sentimentos do coração, rogo-te me faças ver tua vingança sobre eles; pois eu te declarei a minha causa (vv. 11-12).

Jeremias se sente pressionado por dois lados: por um lado pelos homens aos quais pode passar sua mensagem só sob perigo de morte; por outro lado pelo próprio Deus: “Tu me seduzistes Senhor e eu me deixei seduzir, tu me forçaste, me violaste” (v. 7; cf. as expressões à luz da legislação de Dt 22,23-29), como o Senhor tivesse atraído o profeta até seduzi-lo. Recorde-se que o Senhor tinha proibido o profeta de se casar (16,1). Jeremias seduzido por belas promessas, agora se encontra abandonado e feito zombaria do povo (cf. Sl 22).

Mas sua confiança no Deus dos pobres permanece inabalável (cf. Jó 19,15-27). Jeremias espera no “Javé (Senhor) dos exércitos” (v. 12; 32,18; estes “exércitos” podem ser as estrelas ou o exército de Israel ligado à arca da aliança; cf. Gn 2,1; 1Sm 1,3; 4,4; 2Sm 6,2; Is 6,3 etc.). Que o Senhor não abandone seu mensageiro, mas o defenda como “forte guerreiro” (v. 11; Is 42,13; Sf 1,14), como já prometeu na sua vocação (1,19). Os seus inimigos “se cobrirão de vergonha. Eterna infâmia que nunca se apaga” (v. 11; 17,18; 23,40; Sl 40,15).

O Senhor também é justo juiz que “vê os rins (sentimentos) e o coração”, pois a ele Jeremias confia sua causa (v. 12; 11,20; 17,10; cf. 1Sm 16,7; Sl 7,10; 26,2; 1Cr 28,9; 2Cr 16,9; 1Ts 2,4; 1Pd 2,23; Ap 2,23).

A Tradição Ecumênica da Bíblia (p. 748) comenta: Jeremias sabe que todo crime deve ser punido e que toda ação será compensada por algum sofrimento … o princípio do equilíbrio das transações deve predominar sempre e em todo lugar nas interações entre os membros da sociedade. Jeremias, contudo, não executa uma ação punitiva por sua conta: deixa-a nas mãos do Senhor (cf. Dt 32,35; Rm 12,19). – Jesus e seu seguidor Estevão admitirão implicitamente este princípio, porém, intercederão pelos seus carrascos (Lc 23,34; At 7,60 …).

Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, pois ele salvou a vida de um pobre homem das mãos dos maus (v. 13).

O pedido de justiça e canto de vitória se inspiram na linguagem dos salmos (cf. Sl 35,4.8-9.27; 37,5; 96,1; 97,10; 148,1 etc.). Mas o estado emocional de Jeremias sempre está entre esperança e desespero. Logo cai de novo em depressão e suas palavras seguintes são: “Maldito o dia em que nasci, o dia em que minha mãe me deu à luz não seja abençoado” (v. 14; cf. Jó 3,3-26). No AT, os heróis são humanos demais e não escondem seus sentimentos.  Admirável é o fato de Jeremias aguentar esta situação por tantos anos sem esmorecer na sua missão.

 

Evangelho: Jo 10,31-42

O confronto entre Jesus e seus adversários se agrava cada vez mais. Em João, os “judeus” geralmente representam as autoridades judaicas que condenaram Jesus no ano 30 d.C. e excluíram os cristãos da sinagoga em 90 d.C, na época do evangelista, por sua fé em Jesus Cristo, Filho de Deus.

Desta vez, Jesus encontra-se em Jerusalém na ocasião da festa da dedicação (cf. 10,22) na qual se comemora a consagração do templo por Judas Macabeus em 164 a.C., depois da perseguição e profanação pelo rei Antíoco IV Epifanes (cf. 1Mc 4,36-39; 2Mc 1,9-18; 10,1-8).

Os judeus pegaram pedras para apedrejar Jesus. E ele lhes disse: “Por ordem do Pai, mostrei-vos muitas obras boas. Por qual delas me quereis apedrejar?” Os judeus responderam: “Não queremos te apedrejar por causa das obras boas, mas por causa de blasfêmia, porque sendo apenas um homem, tu te fazes Deus!” (vv. 30-33).

Mais claramente do que nunca (cf. 2,18; 5,16; 8,25), as autoridades judaicas exigem de Jesus uma definição clara e pública do caráter messiânico da sua missão: “Se és o Cristo, dize-nos abertamente” (v. 24). Esta exigência é uma negação da fé, Jesus já o disse (vv. 11.14: “Eu sou o bom pastor”), e suas obras confirma suas palavras (v. 25; cf. 5,36; 9,4).

Nos evangelhos sinóticos (Mt, Mc, Lc), o sumo sacerdote fez pergunta semelhante no processo diante do Sinédrio (Mc 14,61; Mt 26,63; Lc 22,67). Jo parece situar o processo já no discurso de toda a vida de Jesus; desde agora já ressoa a acusação de blasfêmia (Mc 14,64; Mt 26,65).

Como resumo das afirmações anteriores (3,35; 5,17.19-29; 6,20.45; 8,19.24.28.58), Jesus acabou de dizer: “Eu e o Pai somos um” (v. 30; cf. v. 38), e outra vez “os judeus pegaram pedras para apedrejar Jesus” (v. 31; cf. 8,59). Em Lv 24,16 prescreveu-se: “Aquele que blasfema o nome de Javé (Senhor) será morto; a comunidade inteira o apedrejará” (cf. At 7,58); só havia blasfêmia no momento em que se pronuncia o nome divino, mas a condição divina que Jesus reivindica implicitamente, explica esta grave acusação: “Blasfêmia, porque, sendo apenas homem, tu te fazes Deus!” (v. 33; cf. 5,18). Mas Jesus não se faz Deus, é a palavra de Deus que se fez homem (cf. 1,1s.14).

Se Jesus tivesse só falado, os judeus poderiam ter razão. Palavras podem mentir, obras não. Por isso, Jesus pergunta: “Por qual delas me quereis apedrejar?” Mas os judeus querem se apegar só às palavras que são para eles “blasfêmia, porque sendo apenas um homem, tu te fazes Deus!” Os leitores conhecem esta acusação contra a cristologia joanina: os cristãos divinizariam um homem. Deve ter sido o pivô dos conflitos que levou ao ódio e excomunhão da sinagoga (15,18ff; 16,2).

Jesus disse: “Acaso não está escrito na vossa Lei: ‘Eu disse: vós sois deuses’? Ora, ninguém pode anular a Escritura: se a Lei chama deuses as pessoas às quais se dirigiu a palavra de Deus, por que então me acusais de blasfêmia, quando eu digo que sou Filho de Deus, eu a quem o Pai consagrou e enviou ao mundo? (vv. 34-36).

Jesus responde citando da Escritura, que é “vossa Lei” (significa aqui o conjunto do AT; cf. 7,49; 12,34; 15,25), a frase de Sl 82,6: “Eu disse, vós sois deuses”. Deus blasfema contra si mesmo nesta frase da Escritura?

O texto original deste Salmo se refere às divindades inferiores chamados a prestar contas diante do Deus supremo. Mais tarde, abolido todo traço de politeísmo (crença em muitos deuses), os deuses foram identificados com juízes ou governantes “pela graça de Deus”. Neste sentido, a exegese judaica aplicava essa palavra também ao conjunto dos israelitas, “as pessoas às quais se dirigiu a palavra de Deus”.

Se eles recebem o título de “deuses” por terem recebido ou transmitido a palavra de Deus, quanto mais caberá o título a Jesus. Ele não se faz Deus, mas “o Pai o consagrou e enviou ao mundo” (v. 36). Ele tem direito de se chamar “Filho de Deus”, como se pode ver nas suas obras; por ex. o cego curado declarou: “Se esse homem não viesse de Deus, nada poderia fazer” (9,33; cf. 5,19.36). Não há, portanto, motivo para falar em blasfêmia.

“Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim. Mas, se eu as faço, mesmo que não queirais acreditar em mim, acreditai nas minhas obras, para que saibais e reconheçais que o Pai está em mim e eu no Pai” (vv. 37-38).

Jesus ainda desobriga os judeus da fé nele (na sua pessoa e nas suas palavras), se ele não faria as obras de Deus. “Mas, se eu as faço, mesmo que não queirais acreditar em mim, acreditai nas minhas obras” Como não se pode negar as obras de Jesus, a fé é obrigatória. Acreditar nas obras de Jesus é concordar com as palavras do cego curado: quem faz algo desse tipo, tem que ser de Deus.

“O Pai está em mim e eu no Pai”. Junto com v. 30 é outro ápice deste controvérsia com os judeus adversários. Agora está dito tudo “abertamente” (cf. v. 24; 7,4). Mas em vão. Onde falta a disposição para crer e dominam preconceitos e desconfianças, nem palavras nem obras conseguem convencer os críticos.

Outra vez procuravam prender Jesus, mas ele escapou das mãos deles (v. 39).

A tentativa de prisão falha mais uma vez (7,30.44; 8,20; cf. 18,1-12).

Jesus passou para o outro lado do Jordão, e foi para o lugar onde, antes, João tinha batizado. E permaneceu ali. Muitos foram ter com ele, e diziam: “João não realizou nenhum sinal, mas tudo o que ele disse a respeito deste homem, é verdade.” E muitos, ali, acreditaram nele (vv. 39-42).

Às vésperas da fase decisiva, antes de subir a Jerusalém para morrer, Jesus se retira para o “outro lado do Jordão” (Pereia; cf. 6,1), é uma volta ao começo, aos lugares do testemunho de João Batista (cf. 1,19.28; 3,22). Este testemunho “é verdade” (cf. 1,19-34; 3,27-36; 5,33-36), por isso “muitos, ali, acreditaram” (1,7; 2,23; 7,31; 8,30).

Aqui já começa outra parte do evangelho (10,39-11,54) que culmina a ressurreição de Lazaro, o último e maior “sinal” (milagre) de Jesus em Jo, antes de sua própria morte e ressurreição.

O site da CNBB comenta: Quando a gente não está com o coração aberto, não está disposto a acolher a palavra de Jesus, não querendo de fato assumir um compromisso de fé com Deus e com os irmãos, não buscando novos valores e não querendo uma constante mudança de vida para cada vez mais procurar uma união mais íntima e profunda com Deus, qualquer coisa torna-se motivo para a crítica e para a rejeição de Jesus.

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