12 de Agosto 2019, Segunda-feira: Os cobradores do imposto do Templo aproximaram-se de Pedro e perguntaram: “O vosso mestre não paga o imposto do Templo? ” Pedro respondeu: “Sim, paga” (vv. 24-25a).

19ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Dt 10,12-22

Antes de passar o núcleo mais antigo de Dt, o “código legal” (caps. 12-26), começa a quarta e última série de exortação sobre a aliança e os mandamentos.

A Bíblia de Jerusalém (p. 290) comenta: Essa última seção do discurso retoma o estilo direto e enuncia as exigências da aliança com Deus, fazendo empréstimos dos formulários do tratado da aliança, assim: a declaração inicial (10,12s), a recordação histórica (11,2-7), a descrição da terra (11,10-12.24) e as bênçãos e maldições (11,16-17.22-23.26-29).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 210) comenta: A instituição do culto somente a Javé, como Deus nacional, identificado como “El”, é apresentado por Ezequias e Josias (ou antes, elo sumo sacerdote Joiada, cf. 2Rs 11,17-18) como aliança entre Javé e seu povo, imitando os tratados impostos pelos imperadores assírios aos reis dominados. Ainda não é monoteísmo, pois admite a existência de outros deuses. Javé e sua função sagrada, a proteção aos desamparados da sociedade (vv. 17-18), serão usados para justificar a monarquia.

E agora, Israel, o que é que o Senhor teu Deus te pede? (v. 12a)

Há muitas pessoas que só querem que Deus faça a vontade delas. Outras perguntam: “O que Deus quer de mim?” O autor (na boca de Moisés) faz esta pergunta retórica para responder logo em seguida, apresentando um programa (Mq 6,8 o resume numa frase só).

Apenas que o temas e andes em seus caminhos; que ames e sirvas ao Senhor teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma, e que guardes os mandamentos e preceitos do Senhor, que hoje te prescrevo para que sejas feliz (vv. 12b-13).

O Deuteronômio apresenta a religião do coração (cf. Jr 31,33), mas também muitas leis concretas. “Amar o Senhor, teu Deus de todo coração…” (6,5) implica cumprir (“guardar”) todos os seus mandamentos (cf. Jo 14,15.21.23; 15,14; 1Jo 5,3);

A Bíblia do Peregrino (p. 314) comenta: O amor se traduz em serviço e obediência. O que se pode ler em duas direções: se existe amor, segue-se o cumprimento, porque é um amor dinâmico, ou então se cumpre não por ética humanista, mas por amor a Deus. Fundamento é aquilo que o Senhor é em si e para os israelitas: o que fez por eles e o fará em forma de bênçãos condicionadas.

O pregador (na boca de Moisés) emprega uma série de sinônimos, juntando só v. 12 com v. 20 registramos: respeitar ou “temer”, seguir seus caminhos, amar, servir, respeitar, seguir, apegar-se, aderir, em outras palavras: adesão, entrega, amor, lealdade, respeito, serviço, … Temor e amor não se consideram opostos ou inconciliáveis (cf. 1Jo 4,18), mas integrantes de uma atitude amorosa e reverencial. O v. 21 acrescenta o louvor com atitude cultual. Para os mandamentos, usa “guardar” e “praticar”; os preceitos foram dados “para que sejas feliz” ou “para seu bem” (outra tradução; cf. 4,40)

Vê: é ao Senhor teu Deus que pertencem os céus, o mais alto dos céus, a terra e tudo o que nela existe (v. 14).

A Deus “pertencem os céus e os céus dos céus” (lit.). Esta circunlocução expressa o superlativo em hebraico. Os “céus dos céus” são os céus mais altos (cf. Sl 24,1-2; Is 66,1-2; cf. 2Cor 12,2).

No entanto, foi a teus pais que o Senhor se afeiçoou e amou; e, depois deles, foi à sua descendência, isto é, a vós, que ele escolheu entre todos os povos, como hoje está provado (v. 15).

Um motivo deuteronômio: a escolha qual ato de amor afetuoso, como no namoro (cf. Siquém e Dina, Gn 34). Entre as criaturas, Deus “se afeiçoou e amou”: primeiro aos patriarcas (“teus pais”, cf. 4,37); entre “sua descendência”, que são vários povos, escolheu Israel (“vós”; cf. 7,6; Ex 19,5); escolher é estreitar, preferir.

Abri, pois, o vosso coração, e não endureçais mais vossa cerviz, porque o vosso Deus é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e terrível, que não faz acepção de pessoas nem aceita suborno (vv. 16-17)

A tradução da nossa liturgia só traduziu “abri” (o coração) em vez de “circuncidai”, e assim perdeu-se a alusão a aliança. Ao outorgar a aliança a Abraão, Deus pediu-lhe como sinal a circuncisão do prepúcio (Gn 17). A circuncisão era o sinal de pertença ao povo de Javé (Gn 17,10). Essa pertença, porém, deve atingir as faculdades espirituais, o “coração” (30,6; Gn 8,21; Jr 4,4). Se não é expressão de uma atitude interna, de despojamento e entrega, de nada vale (cf. Rm 2,29; Cl 2,11-13).

Javé Deus está descrito como soberano imperial, embora sem usar o título explícito de rei (cf. 1Tm 6,15; Ap 17,14; 19,16). Está acima de todos, com poder universal. Forte na guerra, juiz incorruptível, justo na paz (cf. Sl 45; Eclo 35,11-24). Deus concede sua graça com toda liberdade e imparcialidade, “não faz acepção de pessoas” (1,17; cf. 2Cr 19,7; Jó 34,19; Sb 6,7-8). O NT retomará esta fórmula (At 10,34; Rm 2,11; Gl 2,6; Ef 6,9; Cl 3,25; Tg 2,1; 1Pd 1,17; cf. Mc 12,14).

Ele faz justiça ao órfão e à viúva, ama o estrangeiro e lhe dá alimento e roupa. Portanto, amai os estrangeiros, porque vós também fostes estrangeiros na terra do Egito. (v. 18).

O amor a Javé que o Deuteronômio exige, não é obediência formal, mas uma radical transformação da consciência a fim de realizar a justiça de Javé, ou seja, comprometer-se com os pobres e marginalizados (imparcialidade, não aceitação de suborno, justiça para com o órfão, a viúva e o imigrante). A grandeza da Aliança consiste em ser aliado do Senhor do universo e da história, que quis unir-se aos pobres e oprimidos para construir a história da liberdade e da vida.

A justiça de Deus é primariamente defender o indefeso, fazer valer os direitos do desvalido. Órfão, viúva e migrante constituem a classe social do proletariado (14,29; 16,11-14; 24,17.19-21; Ex 22,29-22; Is 1,17; Ez 22,7; Zc 7,10; Ml 3,5; Sl 94,6; 146,9). Tal justiça se impõe como modelo que os israelitas devem imitar, já que viviam a condição de escravos e migrantes explorados e experimentaram o auxílio do Senhor nessa situação. Semelhante argumento já serviu para “guardar o dia de sábado” no decálogo (cf. a justificativa do terceiro mandamento de Dt 5,15, diferente a de Ex 20,11). Os mandamentos são “para o bem”, para ser “feliz” (v. 13), para estabelecer uma sociedade justa.

Temerás o Senhor teu Deus e só a ele servirás; a ele te apegarás e jurarás por seu nome (v. 20).

A pessoa jura em nome da divindade que venera (cf. Gn 31,53). Por isso, esse mandamento se reduz ao primeiro (cf. Mt 5,33-37).

Ele é o teu louvor, ele é o teu Deus, que fez por ti essas coisas grandes e terríveis que viste com teus próprios olhos (v. 21).

Deus com seus benefícios é objeto único do louvor litúrgico (cf. Sl 22,4; 148).

Ao descerem para o Egito, teus pais eram apenas setenta pessoas, e agora o Senhor teu Deus te fez tão numeroso como as estrelas do céu’ (v. 22).

O neto de Abraão, Jacó (apelidado Israel; cf. Gn 32,29; 35,10) com toda sua família eram apenas setenta pessoas ao migrarem para o Egito (Gn 46,8-27; Ex 1,5). Agora, pode-se dizer que se cumpriu a promessa a Abraão, uma descendência “tão numerosa como as estrelas do céu” (cf. Gn 15,5). As estrelas são a população celeste, os exércitos do Senhor, aos quais correspondem na terra o povo escolhido (Ex 12,41).

 

Evangelho: Mt 17,22-27

O evangelho de hoje apresenta o segundo anúncio de Jesus da sua paixão e ressurreição, e em seguida uma questão levantada sobre o imposto do templo.

Quando Jesus e os seus discípulos estavam reunidos na Galileia, ele lhes disse: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens. Eles o matarão, mas no terceiro dia ele ressuscitará. ” E os discípulos ficaram muito tristes (vv. 22-23).

Voltando de Cesareia Filipe (16,13) que fica ao norte da Galileia, Jesus volta à origem da sua pregação, à Galileia; e antes de deixa-la para sempre (cf. 19,1; 28,16), anuncia pela segunda vez a sua paixão e ressurreição (cf. 16,21; 20,17-19; 26,2). Mt copiou este anúncio de Mc 9,30-32 e o resumiu.

Contrasta aqui o “Filho do Homem”, cuja majestade celeste já foi anunciada aos discípulos, (16,27s) e os “homens” que o matarão (cf. 17,12). Serão os adversários judeus e romanos. Jesus será “entregue” a eles por Judas Iscariotes (10,4; cf. 18,34; 2Rs 21,14; Sl 106,41).

“Ficaram muito tristes”; em vez da incompreensão e discussão dos discípulos (Mc 9,32-34), Mt fala da tristeza deles. Eles entenderam, mas não querem aceitar (cf. Pedro em 16,22s). Ao anúncio da ressurreição, eles não reagem. Esta não se pode entender de antemão, só pode ser experimentada depois (cf.28,8s.16s).

Quando chegaram a Cafarnaum, os cobradores do imposto do Templo aproximaram-se de Pedro e perguntaram: “O vosso mestre não paga o imposto do Templo? ” Pedro respondeu: “Sim, paga” (vv. 24-25a).

Mt transformou o conteúdo da discussão dos discípulos (Mc 9,33-50) num discurso de Jesus sobre a comunidade (cap. 18), mas preservou aqui o mesmo local, “Cafarnaum” (Mc 9,33), onde se coloca agora outra questão, a do “imposto do templo”.

Os cobradores se aproximam de Pedro porque tinha família e “casa” (v. 25) em Cafarnaum (8,14), e Jesus foi morar lá também (4,13). Este imposto do templo surgiu depois do exílio e costumava-se cobrar no lugar da residência. O valor era duas dracmas (moedas) ou meio siclo (Ne 10,33s; Ex 30,13; 38,26; cf. 2Cr 24,6.9), exigido para o culto do templo uma vez por ano de todos os israelitas de sexo masculino, mesmo daqueles que moravam no exterior. Pagava-se em moeda judaica; isto explica a presença de cambistas na área do templo (21,12; Jo 2,15). Mas a obrigatoriedade deste imposto não foi aceita por todos. Para os essênios em Qumran bastava pagá-lo uma vez na vida (cf. Ex 30,11-16). Os saduceus sustentaram que deveria ser voluntário, como era antigamente obrigação dos reis a financiar as despesas do culto na época persa e grega (cf. 1Mc 10,39s; 2Mc 3,3).

Ao entrar em casa, Jesus adiantou-se, e perguntou: “Simão, que te parece: Os reis da terra cobram impostos ou taxas de quem: dos filhos ou dos estranhos? ” Pedro respondeu: “Dos estranhos! ” Então Jesus disse: “Logo os filhos são livres (vv. 25b-26).

Estes “filhos” dos “reis da terra” (cf. Sl 2,2) tanto podem ser sua família como a totalidade do seu povo, ou seja, “dos seus súditos” (cf. 13,38). Mas Jesus faz um trocadilho com a metáfora semítica do termo “filho” para referir-se a si mesmo, o Filho (Cf 3,17; 17,5 e 10,32s; 11,25-27 etc.), e com ele, os discípulos são os seus irmãos (12,50) e os filhos do mesmo Pai (5,45 etc.; cf. Mt 3,17; Na 4,3…). Como membro do povo de Deus, mais ainda como Filho de Deus (16,16), Jesus é Senhor do Templo e poderia não pagar imposto. “Os filhos”, então Jesus e seus discípulos, são isentos, “livres” (cf. Rm 8,14-17; Gl 3,25-29; 4,4-6; 5,1.13).

O problema era pagar o imposto do templo (v. 24) e o imposto imperial (v. 25). O imposto implica domínio sobre os bens da pessoa. Esses bens, em primeiro lugar, são de Deus. E os homens são filhos de Deus, antes de ser súditos de qualquer poder. Portanto, eles não têm obrigação de pagar impostos ao templo.

Mas, para não escandalizar essa gente, vai ao mar, lança o anzol, e abre a boca do primeiro peixe que tu pescares. Ali tu encontrarás uma moeda; pega então a moeda e vai entregá-la a eles, por mim e por ti” (v. 27).

A razão para pagar imposto é livre e secundária: evitar escândalo. O confronto e a ruptura entre Jesus e as instituições se dão nesse nível mais profundo e decisivo, que supera a própria instituição do Estado e do Templo (cf. 12,6.8), mas não nega os impostos (cf. Mc 12,13-17; Rm 13,6-7). “Escandalizar” quer dizer “fazer cair” (“escândalo” é um obstáculo no caminho, uma armadilha; cf. Sl 124,7; Is 8,14s; Rm 9,33; 1Pd 2,8), ou seja, fazer desistir da fé em Jesus e seu seguimento.

Pedro vai exercer sua profissão de pescador e encontrar o suficiente para pagar o imposto para dois (lit.: “encontrarás um estáter”, que valia quatro dracmas, ou seja, o valor para duas pessoas). Deus providencia o sustento necessário, suficiente para pagar também o imposto (cf. 6,25-34). Jesus sabe de antemão o que Pedro falou com os cobradores e o que vai encontrar na boca do peixe.

O templo em Jerusalém foi destruído pelos romanos em 70. d.C. e já não existia mais, quando Mt escreveu, em 80 d.C. O imposto foi transformado depois pelos romanos numa contribuição obrigatória de todos os judeus no Império para as despesas do templo de Júpiter (!) em Roma. Para Mt era importante mostrar como Jesus cumpriu a lei dos judeus, apesar de ser Filho de Deus, e mostrar a solidariedade dos primeiros cristãos (cf. 5,17-20; 23,23p; cf. Ap 21,23-26; Rm 3,25; 8,14s; Gl 3,24-27; 4,6s).

O site da CNBB comenta: Uma coisa é termos direito sobre algo e outra coisa é a conveniência do uso desse direito. No nosso dia a dia, muitas vezes acontece que temos que renunciar a um direito em vista de um bem maior. O próprio Jesus nos mostra essa necessidade no evangelho de hoje, quando renuncia ao direito de não parar os impostos do templo para conseguir um bem maior que está no fato de evitar escândalos. Assim, também nós devemos deixar de lado determinados direitos, que podem até demonstrar mesquinhez, quando esses podem se tornar causa de escândalos ou conflitos e fazer com que percamos um bem maior como a paz e a tranquilidade.

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