13 de julho de 2016 – 15ª semana 4ª feira

Leitura: Is 10,5-7.13-16

A leitura de hoje apresenta um oráculo contra o império assírio que ameaçava Israel e Judá no tempo de Isaías (séc. VIII a.C.). O oráculo original compreende os vv. 5-11 e 13-15. Os vv. 12 e 16 parecem acréscimos posteriores. Poderia unir-se à série de oráculos contra povos pagãos (caps. 13-23).

Dirige-se contra o rei Sargão II (721-705) ou Senaquerib (704-681; cf. caps. 36-37 = 2Rs 18-19)? O poema oferece uma aula de teologia da história na imagem coerente do “instrumento”, porém, não se trata de paz (como S. Francisco: “Fazei me, Senhor, um instrumento de vossa paz”), mas de guerra.

(Assim fala o Senhor:) Ai de Assur, vara de minha cólera, bastão em minhas mãos, instrumento de minha indignação! Eu o envio contra uma nação ímpia e ordeno-lhe, contra um povo que me excita à ira, que o submeta à pilhagem e ao saque, que o calque aos pés como lama nas ruas. Mas ele assim não pensava, seu propósito não era esse; pelo contrário, sua intenção era esmagar e exterminar não poucas nações (vv. 5-7)

Encontram-se outros oráculos contra a Assíria em 10,27; 14-24-27; 30,27-33 e 37,22-35 (cf. provavelmente 17,12; 29,5-7 e 33,1). A ideia de que a Assíria é um instrumento nas mãos de Deus reencontra-se em 5,26-30; 7,18.20; 8,7; cf. 30,27; 36,10; 37,26.

“Uma nação ímpia… um povo que me excita à ira”; esta expressão visa Israel (no sentido amplo, cf. 1,3-4; 9,16) e mais especialmente Judá (cf. v. 11). Calcar o inimigo “aos pés como lama nas ruas”; cf. Davi em 2Sm 22,43 (= Sl 18,43) e Is 41,25 (as conquistas do rei persa Ciro II).

Este oráculo deve ser datado após 717 a.C. (tomada de Karkemish por Sargão II) e mais tarde em 701 (ameaça de Sanaquerib contra Jerusalém). Todas as cidades selecionadas no v. 9 (omitido na nossa liturgia) foram definitivamente submetidas por Sargão II entre 722 e 717. Certamente este rei não ameaçou Jerusalém, onde Acaz se comportou como vassalo submisso até o fim do seu reinado (716 – 715). Por isso, pensa-se preferivelmente nos primeiros anos de Sanaquerib (705 – 701) e sua invasão de 701 (cf. os vv. 8-11 com 36,18-20).

Sem o saber, o rei da Assíria é um “instrumento” que executa os julgamentos de Deus que chama o povo de longe contra seu povo rebelde (cf. 13,5; 5,26; 7,18; 8,7). Do mesmo modo, para Jeremias, o rei babilônio, Nabucodonosor, será um martelo nas mãos de Javé Deus (Jr 51,20; 50,23); será até seu servo (Jr 25,9; 27,6; 43,10).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 908) comenta: Em 701 a.C. o exército da Assíria invade Judá e cerca Jerusalém, a cidade santa. Para Isaías, o todo-poderoso e absoluto Deus Javé usa até um exército inimigo como instrumento para castigar e educar Judá, o povo infiel (cf. Is 13,5; Jr 51,20).

A Bíblia do Peregrino (p. 1707s) comenta: Deus explica seu desígnio histórico: “envia” um exército inimigo para que execute um castigo limitado: saquear e humilhar. O inimigo não compreende o plano de Deus e impõe seus planos imperialistas; excede-se e tenta aniquilar: para afirmar-se, o poder destrói.

Esta missão da qual o invasor não tem consciência (“não pensava”) não suprime a sua responsabilidade. O orgulho e a crueldade dele serão castigados no dia escolhido por Deus (v. 12, omitido).

Pois diz o (rei da Assíria): “Realizei isso pela força da minha mão e com minha sagacidade, pois tenho experiência; aboli as fronteiras dos povos, saqueei seus tesouros, e derrubei de golpe os ocupantes de altos postos; minha mão empalmou como um ninho a riqueza dos povos; e como se apanha uma ninhada de ovos, assim ajuntei eu os povos da terra, e não houve quem batesse asa ou abrisse o bico e desse um pio” (vv. 13-14).

A Bíblia do Pergrino (p. 1708) comenta os vv. 13-14: Continua o monólogo do rei que ostenta poder e sabedoria (cf. Dt 8,17; Ez 28,2-6), ostentação que se exercita em saquear e derrubar. É notável a comparação final, que expressa a facilidade da tarefa, a imobilidade do pânico, e o silêncio do terror.

“Aboli as fronteiras dos povos”, não somente submetendo-se ao seu poder, mas também por deportações maciças (cf. 2Rs 17,6.24), o que constitui uma violação da ordem divina do mundo, da qual fazem parte as “fronteiras dos povos” (Dt 32,8; Sl 74,17). Em 8,1-4, segundo uma ordem de Deus, Isaías chama seu filho “Despojo rápido, Assalto ligeiro” simbolizando a destruição de Damasco e Samaria pelos assírios. Nos Anais de Senaquerib, o rei Ezequias de Judá, sitiado em 701, é comparado a um pássaro na gaiola.

Mas acaso gloria-se o machado, em detrimento do lenhador que com ele corta? Ou se exalta a serra contra o serrador que a maneja? Como se a vara movesse quem a levanta e um bastão erguesse aquele que não é madeira (v. 15). 

Mas agora a Assíria, com poder e audácia desenfreados, deve ser castigada porque ousa atacar o monte Sião, a morada de Deus. Aqui o rei da Assírio não enfrenta os ídolos dos outros povos (um nada, cf. vv. 10s, omitidos), mas o Senhor todo poderoso (cf. v. 16: Javé dos exércitos), o dominador (v. 16) da história. O “machado” enfrenta ao lenhador , a serra ao “serrador”?

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 621) comenta: Cf. a metáfora do oleiro (29,16; 45,9; Jr 18,2-6). O machado e a serra talvez evoquem as devastações que os assírios fizeram nas florestas siro-palestinense visando as suas construções (cf. 14,8 e 37,24).

Por isso, enviará o Dominador, Senhor dos exércitos, contra aqueles fortes guerreiros o raquitismo; e abalará sua glória com convulsões que queimam como fogo (v. 16). 

A Bíblia do Pergrino (p. 1708) traduz: “ O Senhor doe exércitos colocará magreza em sua gordura, e debaixo do figado lhe ateará uma febre, como um fogo abrasador”, e comenta: Provável acréscimo. A obesidade pode mencionar-se como traço cômico (Jz 3,17), como aspecto do rico arrogante (Sl 73,4,7).

Em Is 37,36s (= 2Rs 19,35s), o exército assírio é castigado quando sitiava Jerusalém. Um anjo (ou uma epidemia causada por ratos, segundo o historiador grego Heródoto) forçou sua volta a Nínive. O castigo contra a Assíria é um dos temas importantes de Isaías (Is 14,24-27; 29,1-8; 30,27-33; 31,4-55).

Evangelho: Mt 11,25-27

No evangelho de hoje, Jesus se apresenta “manso e humilde de coração”, mas antes agradece louvando ao Pai pelos humildes que aceitam seu evangelho (vv. 25-27). Mateus copiou este louvor da fonte catequética Q que transmitia palavras e parábolas de Jesus e foi usada também por Lucas (cf. Lc 10,21s). Diante da soberba e arrogância das cidades amaldiçoadas (vv. anteriores 20-24, evangelho de ontem) desprende-se no contexto essa exaltação do humilde e simples.

Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado (vv. 25-26).

Os judeus se dirigiam ao bom Deus, chamando-o de “Senhor do céu e da terra”; e Jesus acrescenta a palavra “Pai” (6,9p; Mc 14,36p; cf. Gl 4,6; Rm 8,15). A relação é de grande proximidade. O mistério que cria e coordena as grandes leis do mundo tem rosto e coração paterno. Para alguns, essa identidade do Pai permanece escondida, inacessível, mas para os pequeninos, ela se manifesta. Os “pequeninos” são aqueles humildes que tudo esperam da bondade infinita do Pai e criador de todas as coisas (cf. 18,4.10 e a primeira bem-aventurança em 5,3).

Visto que este trecho (vv. 25-27) não tem conexão mais estreita com o contexto em que Mt o inseriu (cf. o lugar diferente que ocupa em Lc 10,21s), “essas coisas” não só se referem ao que procede (às cidades da Galileia), mas devem ser entendidos de um modo geral como se referindo aos “mistérios do Reino” (13,11), revelados aos “pequeninos”, aos discípulos (cf. 10,42), mas escondidos aos sábios, aos fariseus e seus doutores. O “agrado” do Pai lembra a voz do céu na hora do batismo do Filho (3,17) e a citação de Is 42,1 em Mt 12,18.

Além da linguagem sapiencial (cf. Eclo 51 ou Pr 8; Eclo 24; Sb 6-8) pode se reconhecer a linguagem apocalíptica, como a do livro de Daniel: Os “sábios” não foram capazes de interpretar o sonho do rei (Dn 2,3-13; cf. José no Egito, Gn 41), mas o “mistério é revelado” a Daniel que implorou ao “Deus do céu” (Dn 2,18s.28) e “louva” a Deus por lhe ter concedido a “sabedoria” (Dn 2,23); trata-se do “Reino” fundado pelo próprio Deus (Dn 2,44).

“Deus revela seus segredos aos humildes” (Eclo 3,20). A sabedoria é dada aos sábios (Dn 2,21), mas só se forem humildes e reconhecerem Deus como doador (Br 4,1-4; Eclo 1,4-9; cf. Br 3,37; Eclo 24,3-17) e ele “torna sábio o simples” (Sl 19,8; cf. 119,130; 116,6). Os profetas se manifestam contra os que são “sábios aos próprios olhos” (Is 5,21; cf. 29,14-19; Jr 9,22s). Os prodígios de Deus confundem a sabedoria dos sábios, como em Is 29,14: “Eu continuarei prodigando prodígios, a sabedoria dos sábios fracassará”. O prodígio presente é o envio e a presença do seu Filho, mistério que os ignorantes humildes compreendem, pois não vivem satisfeitos com seus preconceitos; ao passo que os doutores que se crêem suficientes, “olhando não vêem” (cf. Is 42,20; 6,9s; Jo 9,39-41). A fé pascal dos cristãos acolhe e proclama essa revelação. O apóstolo Paulo faz a mesma experiência quando anuncia a mensagem da cruz aos sábios filósofos em Atenas sem muito êxito, mas conquista muito povo simples em Corinto (1Cor 1,17-2,9; cf. At 17,16-18,11).

Meu Pai entregou tudo a mim. Ninguém conhece o Filho, a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar (v. 27).

Toda esta frase com sua união e reciprocidade entre Pai e Filho lembra o evangelho e as cartas de João (cf. Jo 1,18; 3,18; 3.11.35; 6,46; 10,14s, etc.) e testemunha, na base mais primitiva da tradição sinótica (na fonte Q, cerca de 50 d.C.) exatamente como em João (90-100 d.C.), a consciência que Jesus deve ter tido da sua filiação divina.

“Tudo” quanto o Pai entregou ao Filho pode se referir ao poder no universo (“céu e terra”; cf. 28,19; Jo 3,35; 13,3), e aqui, no contexto, à sabedoria e conhecimento do Pai que confia os mistérios celestes ao Filho (cf. Jo 5,20; 7,16.28s; 8,19.38; 12,49).

A afirmação de Jesus de que ele estava em uma relação íntima com Deus (vv. 26-27) e o seu convite aos discípulos (em seguida nos vv. 28-30) evocam muitos passos dos livros sapienciais (Pr 8,22-36; Eclo 24,3-9. 19s; Sb 8,3s; 9,9-18; etc). Jesus desse modo atribui a si mesmo o papel da Sabedoria (cf. Mt 11,19), mas de uma maneira especial, não como personificação (cf. Pr 8-9 etc), mas como pessoa, “o Filho” por excelência do “Pai”.

Mais uma vez, a frase lembra o batismo de Jesus (3,17; cf. 4,3; 27,40; em Mc 1,11, só Jesus escuta a voz do Pai e quer manter segredo até o prazo determinado pela cruz e ressurreição; cf. Mc 9,7-9; 15,39). É uma das três vezes em Mt, em que o próprio Jesus exprime, de maneira indireta, ter uma relação única com Deus, seu Pai (21,37; 24,60; cf. Lc 2,49; 23,46; Jo 20,17).

O site da CNBB comenta: O conhecimento de Deus é diferente de todas as outras formas de conhecimento das quais o ser humano é capaz. De fato, temos diversas formas de conhecimento, como o racional, o científico, o vulgar e o mitológico, entre outros, que encontram a sua origem na nossa relação com as coisas e as pessoas que conhecemos e que se tornam de alguma forma objeto do nosso conhecimento. Com Deus, a coisa é diferente. A mente humana é incapaz de, por si só, chegar até o conhecimento de Deus. Só conhecemos a Deus porque, no seu infinito amor, ele revelou-se a todos nós. É o amor de Deus que, sabendo que somos incapazes de chegar até ele, vem até nós.

Voltar