14 de janeiro de 2017 – Sábado, 1ª semana

Leitura: Hb 4,12-16

A carta (sermão) aos Hb começou com um prólogo que mostra o Filho de Deus como Palavra definitiva dele (1,1-2), depois declarou Jesus “sumo sacerdote misericordioso e fiel” (2,17; cf. 3,1). Na leitura de hoje junta a “Palavra de Deus” e o culto do “sumo sacerdote eminente”. A primeira parte se parece com um poema ou um salmo (cf. Sl responsorial 18/19 B).

A Palavra de Deus é viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Ela julga os pensamentos e as intenções do coração. E não há criatura que possa ocultar-se diante dela. Tudo está nu e descoberto aos seus olhos, e é a ela que devemos prestar contas (vv. 12-13).

”A palavra de Deus é viva”, parece-se com uma pessoa viva. Em Pr 8,1-9, a sabedoria fala como se fosse uma pessoa; igualmente também em Eclo 24 onde é identificada com a Lei (Eclo 24,23). O livro de Sabedoria personifica a Palavra de ordem ao anjo exterminador para matar os primogênitos no Egito: “Quando um silêncio profundo envolvia todas as noites e a noite mediava seu rápido percurso. Tua Palavra onipotente lançou-se, guerreiro inexorável, do trono real dos céus para o meio de uma terra de extermínio. Trazendo a espada afiada de tua ordem irrevogável, deteve-se e encheu de morte o universo; de um lado tocava o céu, de outro pisava a terra” (Sb 18,14-16; cf. Ex 12,12.23.29s). No Evangelho de Jo, “a Palavra” é identificada com o Filho de Deus que também é Deus (Jo 1,1.14).

A Palavra de Deus “é eficaz” (como a chuva que molha a terra, cf. Is 55,10s). Não é uma palavra à toa, mas cheia de sentido e tem efeito: Deus falou e assim se fez (Gn 1). É também crítica, ou seja, expressa um discernimento que “penetra até dividir” o ser humano por dentro (como cirurgião ou psicanalista), ”julga” e decide nosso destino. Em grego, krinein, significa discernir, julgar, decidir (o substantivo é krísis, daí a palavra “crise”). O símbolo da justiça é a espada (não só a mulher com olhos vedados). A palavra de Deus discerne o bem e o mal, é julgamento, “a ela devemos prestar conta.”

Desde Adão e Eva (Gn 3,8-11), “não há criatura que se possa ocultar-se diante dela. Tudo está nu e descoberto aos seus olhos” (v. 13). A palavra de Deus é verdade (em grego “verdade” é sem disfarce, sem véu, re-velação).

Temos um sumo sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus. Por isso, permaneçamos firmes na fé que professamos. Com efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado. Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno (vv. 14-16).

Agora o autor de Hb apresenta Jesus como “sumo sacerdote eminente, que entrou no céu” (v. 14), porque quer nós dar esperança: com a vinda de Jesus, a palavra de Deus se revela como amor e não como condenação (cf. Jo 3,15-16; 1Jo 4,8.16-18). Em Jesus, a Palavra de Deus tornou-se uma palavra de misericórdia, “capaz de compadecer das nossas fraquezas, por ele mesmo foi provado em tudo como nós com exceção do pecado” (v. 15). O medo do juízo final, o temor do poder daquele que está sentado no trono de onde sai um rio de fogo (cf. Dn 7,9-10; Ap 20,11-15), transforma-se em confiança de conseguir “misericórdia … e auxílio no momento oportuno”.

Depois que Cristo sentou-se no trono de Deus, este não constitui mais para os crentes um lugar do qual seria perigoso se aproximar (cf. Is 6,1-5; Ex 19,21): aliás, tronou-se “trono da graça” (Hb 4,16), pois Cristo é nosso irmão, que conhece por experiência própria a nossa situação de fraqueza e está aí para nos ajudar (A. Vanhoye, p. 62)

A palavra de Deus nos criou e nos julgará, mas nos conhece por dentro e até tornou-se um de nós em Jesus. Não há como e nem precisa disfarçar ou esconder-se. A nossa reação à palavra de Deus deve ser de “fé” e “confiança”. Não vamo-nos esconder ou fugir, mas “aproximemo-nos então, com toda confiança, do trono da graça”.

Evangelho: Mc 2,13-17

Jesus não só tem o poder de perdoar pecados (vv. 1-2 cf. evangelho de ontem), mas também transforma o pecador em discípulo.

Jesus saiu de novo para a beira do mar. Toda a multidão ia ao seu encontro e Jesus os ensinava. Enquanto passava, Jesus viu Levi, o filho de Alfeu, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me!” Levi se levantou e o seguiu (vv. 13-14).

Como no chamado dos primeiros quatro discípulos que eram pescadores (cf. 1,16-20), Jesus está de novo na beira do mar, só desta vez acompanhada pela “multidão” (v. 13). Ele chama “Levi, o filho de Alfeu” (v. 14; Mt 9,9 o identifica com o apóstolo Mateus), também no lugar do trabalho dele, na coleta de impostos, e igual aos primeiros discípulos só diz: “Segue-me!”. E igual a estes, “Levi se levantou e o seguiu” (v. 14). Para Mc, a palavra de Jesus tem poder e autoridade, é diferente daquela dos escribas e maior do que a dos profetas (cf. 1,22.27; 8,27-29; Lc 9,57-62p; 1Rs 19,19-21). É a “palavra de rei (messias)” que deve ser atendida e “seguida” imediatamente; é Palavra eficaz de Deus (Deus falou e assim se fez, cf. Gn 1).

Levi, porém, não exercia uma profissão honrada. Os coletores de impostos (publicanos) eram vistos como pecadores públicos porque tratavam com não-judeus e abusavam da função, provocando ódio do povo, pois exploravam e estavam a serviço dos romanos. O cargo era recebido em arrendamento (cf. vv. 15-17; Mt 5,46; 18,17; 21,21; Lc 15,1; 18,10-14; 19,1-10). O chamado de Jesus prescinde de preconceito e vence a cobiça que é uma forma de idolatria (cf. Ef 5,5; Mt 6,24).

E aconteceu que, estando à mesa na casa de Levi, muitos cobradores de impostos e pecadores também estavam à mesa com Jesus e seus discípulos. Com efeito, eram muitos os que o seguiam (v. 15).

Os discípulos costumam convidar seu novo mestre em casa (v. 15; cf. 1,29; Jo 1,42-45; 2,1 e 21,2), por isso a “casa” (não definida no texto original) é “de Levi” (tradução) que faz um banquete de despedida (cf. 1Rs 19,19-21) com seus colegas de profissão e classe (desclassificados de “pecadores”, v. 16).

Aliás, sempre quando se apresenta em nossa tradução portuguesa Jesus “estando à mesa”, imaginamo-lo sentado numa cadeira à mesa (cf. a última ceia de Leonardo da Vinci), mas não corresponde ao texto original em grego que diz que Jesus e os comensais estavam “deitados”. Era o costume da época, tomar refeições deitado no chão com almofadas ou em sofás. Para evitar constrangimento cultural, nossas Bíblias de hoje não o traduzem literalmente.

Alguns doutores da Lei, que eram fariseus, viram que Jesus estava comendo com pecadores e cobradores de impostos. Então eles perguntaram aos discípulos: “Por que ele come com os cobradores de impostos e pecadores?” (v. 16).

Jesus e seus discípulos participam do banquete, e os fariseus ficam escandalizados. A palavra “fariseu” em hebraico significa “separado” (talvez um apelido, entre eles se chamavam “companheiros”). Os fariseus se sentiam os guardiões da separação que garantia a pureza e com ela a santidade e consagração do povo; entre as separações, a mais importante era entre justos e pecadores (Sl 13,19-22; Pr 29,27). Compartilhar a mesa com pecadores era pecaminoso, pois participar da mesa significa ter comunhão, uma relação amistosa, selada pela benção sobre alimentos.

Tendo ouvido, Jesus respondeu-lhes: “Não são as pessoas sadias que precisam de médico, mas as doentes. Eu não vim para chamar justos, mas sim pecadores” (v. 17).

Jesus responde com a atitude de anfitrião ou convidado especial (cf. Eclo 32,1), comparando-se com um médico de quem os sadios não precisam, mas os doentes (v. 17; cf. Eclo 38,1-15). Sua missão não é ordenar e separar, mas congregar e salvar (cf. 10,45; 11,9; Lc 15; Jo 3,16-17; 10,8,1-11; Gl 3,28). Seu chamado é universal, porque pecadores são todos (cf. 1Rs 8,46; Jo 8,7), mesmo os que não querem reconhecê-lo.

O site da CNBB resume: Ser coletor de impostos na época de Jesus era ser um pecador profissional. Por isso, a escolha de Levi, ou Mateus, para ser discípulo de Jesus e ir comer na casa dele com os outros cobradores de impostos e pecadores, significava que Jesus comungava com eles, o que era muito grave. No entanto, esse fato nos mostra que Jesus veio para nos mostrar o amor misericordioso de Deus, que havia dito pelo profeta que não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva e que Deus quer que todas as pessoas participem do banquete do Reino definitivo.

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