14 de Novembro de 2019, Quinta-feira: Jesus respondeu: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’ ou ‘Está ali’, porque o Reino de Deus está entre vós” (vv. 20-21).

32ª Semana do Tempo Comum

Leitura: Sb 7,22b-8,1

O texto de hoje pode se chamar Cântico da Sabedoria, elogiando seus atributos de maneira transbordante (como Paulo escreveu sobre o dom do amor-caridade em 1Cor 13). Esta passagem glorifica a Sabedoria personificada, unindo as exposições de Pr 8,22-31 e Eclo 24 (cf. a influência destes textos em Jo 1,1-18; Hb 1,1-3). Na Bíblia, a descrição da sabedoria tem pouco a ver com homens velhos, ela é fina e atraente como uma jovem mulher (8,2-16: “esposa de Salomão”; cf. Pr 8).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 843) comenta: Descrição da Sabedoria como manifestação de Deus. Ela faz conhecer o próprio ser de Deus, sua beleza, bondade e amor (cf. Pr 8,35; Hb 1,3). Por isso, não pode ser usada para dominar e oprimir.

Como já foi anunciado (6,22), será abordada ao mesmo tempo sua natureza e origem, principalmente enumerando as características do espírito divino que a Sabedoria possui como própria e que já informam sobre sua natureza; em seguida, determinando a relação da Sabedoria com Deus (vv. 25-26), com a ajuda de imagens que indicam ao mesmo tempo proveniência e participação íntima.

(Na Sabedoria) há um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil, móvel, perspicaz, imaculado, lúcido, invulnerável, amante do bem, penetrante, desimpedido, benfazejo, amigo dos homens, constante, seguro, sem inquietação, que tudo pode, que tudo supervisiona, que penetra todos os espíritos, os inteligentes, os puros, os mais sutis (vv. 22b-23).

Nossa liturgia omitiu o v. anterior que apresentou a “Sabedoria, artífice do cosmo” (v. 22a, ou 21; cf. 8,6; 14,2). Depois continua: “Nela há um espírito…”

É uma nova demonstração estilística do autor que se serve da língua e filosofia grega para sua religião judaica. São 21 adjetivos de formação tipicamente grega. Esse número (21 = 3 x 7), parece intencional para significar uma perfeição eminente. Há certa progressão: propriedades físicas, qualidades morais, disposições providenciais, atributos divinos.

A Bíblia do Peregrino (p. 1541) comenta: É possível definir o sentido conceitual de cada adjetivo? O autor pretendia isso? A impressão é contrária. Parece que o autor se inspira em alguns campos simbólicos; luz, ar ou vento, virtudes humanas. Antecedentes no AT podem ser a Glória de Deus e o Espírito de Deus. A glória é luz e resplendor que enche a terra, é móvel e protege o povo; o alento de Deus espreita, penetra, incita, ajuda o homem (ver v. 25; cap. 1; 9,11).

“Espírito inteligente”: títulos que os filósofos estóicos dão a Deus. A tradição platônica distinguia uma alma inteligente de outra afetiva, com sede na cabeça e no peito. “Único e múltiplo” formam a clássica oposição da filosofia grega. Único em sua espécie, este espírito possui múltiplas possibilidades de ação (cf. 1Cor 12,4.11: “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo”).

“Sutil” se diz de objetos materiais e também da mente. “Penetrante” se diz dos sentidos e da inteligência; também de cores em sentido de “claro”,“evidente”. “Imaculado”: a palavra significa também “que não mancha” (o sentido autêntico é explicado no v. 25). “Lúcido” se diz de som, letras, sinais. “Invulnerável”: também significa “inofensivo”. “Agudo” se usa em sentido material de armas, ângulos; metaforicamente, dos sentidos; e pode-se dizer de um som “agudo”.

“Constante” inclui a gama de duradouro, certeiro, firme, garantido etc.; lembra o “espírito firme” de Sl 51,12. “Seguro” é quase sinônimo: incomparável, que não vacila, confiável. “Que tudo pode, que tudo supervisiona” (lit. todo-poderoso, todo-vigilante; cf. Eclo 42,20s). “Que penetra todos os espíritos” (mencionados no v. 20b, não restritos ao homem cf. 1,4; 7,7), “os puros”: equivale aos imateriais e transparentes (sem fingimento, cf. 1,5). A sabedoria, que transcende os seres humanos, penetra neles e os torna sábios, mas sem ficar trancada ou impedida.

A Bíblia do Peregrino (p. 1541) comenta: É um conjunto de valores que ultrapassa tudo quanto foi sugerido em 7,9-11 e os catálogos de bênçãos materiais de textos antigos. Poderia apelar a muitos filósofos e as mentes seletas do tempo. Vindo da língua hebraica tão pobre em adjetivos, o autor se entrega com fruição à solicitação grega.

Pois a Sabedoria é mais ágil que qualquer movimento, e atravessa e penetra tudo por causa da sua pureza (v. 24).

Os vv. 7,24-8,1 são em parte explicação de alguns atributos citados, em parte explicam a origem divina da sabedoria; ambos os elementos estão entretecidos, pois a origem divina explica e justifica as propriedades. V. 24 comenta v. 22: “móvel”, “penetrante”. “Pureza” também com o sentido de “imaterial”. O âmbito é “tudo”, o universo todo.

Ela é um sopro do poder de Deus, uma emanação pura da glória do Todo-poderoso; por isso, nada de impuro pode introduzir-se nela: ela é um reflexo da luz eterna, espelho sem mancha da atividade de Deus e imagem da sua bondade (vv. 25-26).

O autor estabelece agora a natureza da sabedoria em relação a Deus, passando dos campos simbólicos do ar, da água e da luz. “Sopro” é o alento da boca, no campo simbólico do ar. “Emanação” é termo da filosofia platônica que vê o mundo material emanando (saindo, descendo como de uma fonte) do mundo superior (espiritual) das ideias. Este termo nos leva ao campo simbólico da água: Deus, vertente secreta dessa água puríssima, genuína. “Nada de impuro”, “sem mancha”, cf. “imaculado” de v. 22, talvez aluda à oposição do puro e do impuro, clássica do culto.

Depois passa ao campo simbólico da luz (cf. Ex 24,17; Ez 1; Jó 36,22; Hab 3,4 etc.). A Bíblia de Jerusalém (p. 1215s) comenta: A “luz eterna” identifica-se com Deus, designado sob este aspecto. Certos textos anteriores já sugeriam a idéia de uma luz transcendente que emana de Deus (Hab 3,4), aclara seus fiéis ou seu povo (Sl 18,29; Is 2,5), constitui o brilho de sua glória (Is 60,1.19-20; Br 5,9) ou reside junto dele (Dn 2,22). Mas somente 1Jo 1,5 dirá explicitamente que “Deus é luz”.

Os termos revelam uma estreitíssima dependência (como em Hb 1,3 e Cl 1,15 referindo-se ao Filho de Deus: “resplendor da sua glória e expressão do seu ser”, “imagem de Deus invisível” etc.).

Sendo única, tudo pode; permanecendo imutável, renova tudo; e comunicando-se às almas santas de geração em geração, forma os amigos de Deus e os profetas (v. 27).

A Bíblia do Peregrino (p. 1542) comenta: Soa como comentário ao duplo atributo “único, múltiplo”, em chave de atividade. A capacidade de renovar mudando é um dado fundamental no pensamento do livro, e alcançará sua formulação máxima no último capítulo. A frase é como uma combinação de duas sentenças bíblicas: Sl 102,28 e Sl 104,30.

“Permanecendo imutável, renova tudo”; podemos escutar uma alusão ao “motor imóvel” do filósofo grego Aristóteles, que S. Tomás adaptou para provar a existência de Deus (1ª via).

“Amigos de Deus” como Abraão (Is 41,8; 2Cr 20,7; Tg 2,23) e Moisés (Ex 33,11), “profetas” pode-se entender em sentido amplo (Sl 105,15). A Bíblia de Jerusalém (p. 1216) comenta: Não somente os grandes profetas ou escribas inspirados (Eclo 24,33), mas ainda todos aqueles que por sua vida de santidade e intimidade com Deus, penetram mais no conhecimento de suas exigências ou de seus mistérios e tornam-se seus “intérpretes” autorizados, capazes de iluminar os outros homens.

Pois Deus ama tão somente aquele que vive com a Sabedoria (v. 28).

A convivência com a sabedoria é o tema dominante do capítulo seguinte (cf. essa frase com 4,10 e 11,26).

De fato, ela é mais bela que o sol e supera todas as constelações; comparada à luz, ela tem a primazia: pois a luz cede lugar à noite, ao passo que, contra a Sabedoria, o mal não prevalece (vv. 29-30).

O culto ao deus solar (Ré-Horus) era tradicional em todo Egito antigo. É de notar aqui a ausência da lua, aliás no livro inteiro. Será por lhe faltar o esplendor solar e a harmonia das constelações (cf. Eclo 43,1-5.6-8.9-10)? A correlação é “luz-bondade”, retomando o v. 26; isso mostra o valor simbólico da luz, que poderia remontar a Platão (cf. sua parábola da caverna). Pela perfeição de sua bondade, é incompatível com as almas injustas, a sabedoria não entra nelas (cf. 1,4-5).

Ela se estende com vigor de uma extremidade à outra da terra e com suavidade governa todas as coisas (8,1).

Esta imagem complementa a de 7,24 (mais móvel, penetra tudo). No plano simbólico não se excluem, mas criam polaridade (cf. 1,7).

A Bíblia de Jerusalém comenta (p. 1215): Realizando numerosos empréstimos de vocábulos da filosofia grega, o autor sublinha, enfim, as diversas características da Sabedoria, terminando por identificá-la com a providência divina (8,1). Esse elogio da Sabedoria que participa da intimidade de Deus (8,3), que possui sua onipotência (7,23.25.27) e que colabora com sua obra criadora (7,12.22; 8,4.6) já anuncia toda uma teologia do Espírito a quem ela é assimilada (9,17) e do qual ela recebe as funções tradicionais (cf. Is 11,2, anuncia sobretudo a cristologia, notadamente a de São João, bem como a de São Paulo – cf. Ef e Cl – e da Epístola aos hebreus).

Evangelho: Lc 17,20-25

Lucas juntou umas frases referentes à chegada do reino ou à vinda do messias – filho do homem. Ambas estão na tensão escatológica: “desde já” e “ainda não”. Em Jesus, o messias e o reino de Deus “já” chegaram (“está entre vós”), mas “ainda não” se manifestou plenamente o que será no fim dos tempos que permanece imprevisível (“dias virão”).

A Bíblia do Peregrino (p. 2514) comenta: Como em outras ocasiões, Lc reparte uma instrução em duas seções, uma para os discípulos, outra para os demais. Desta vez responde primeiro aos fariseus sobre o tempo do reinado de Deus (vv. 20s) e depois instrui os discípulos sobre a vinda do Messias (vv. 21-30). A segunda parte é como uma antecipação do grande discurso escatológico do cap. 21.

Os fariseus perguntaram a Jesus sobre o momento em que chegaria o Reino de Deus. Jesus respondeu: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui’ ou ‘Está ali’, porque o Reino de Deus está entre vós” (vv. 20-21).

Muitos judeus esperavam a restauração política de Israel (cf. At 1,6; Lc 24,21). Como Jesus anunciou várias vezes a chegada do reinado de Deus (Mc 1,15p), os fariseus o identificam com sua expectativa e lhe perguntam a data exata.

A expressão “reino/reinado de Deus” é quase exclusiva de Jesus. Mas um conteúdo semelhante, com outros aspectos, era conhecido, esperado e objeto de especulações entre os fariseus e no gênero apocalíptico (cf. Dn 9,2). Dois salmos anunciam a chegada de Javé Deus como rei (Sl 96,13-14; 98,8-9). A data da vinda da vinda do Reino de Deus era grande questão para o judaísmo da época. Os rabinos e os apocalipses procuravam “sinais” que permitissem fixá-la (cf. 11,16.29p; 12,54-56p; cf. 1Cor 1,22; Jo 2,11 etc.).

Jesus evita uma resposta em termo de cronologia. O reino de Deus está presente entre eles desde já, na pessoa e ação de Jesus; assim proclamou-o na sinagoga de Nazaré (4,16-21). Só falta que o queiram reconhecê-lo. Jesus declara que o reino “está entre vós” como uma realidade já atuante. Costuma-se traduzir também: “dentro de vós” (nos vossos corações) o que não parece diretamente indicado pelo contexto; ou o reino de Deus não se reduz a uma realidade íntima. Para Jesus, o reino concerne a todo povo de Deus e está presente de fato em sua atuação de salvação (cf. 11,20: “Se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, então o reino de Deus já chegou a vós”), quer dizer, está a nosso alcance.

A resposta conserva e aumenta a vigência no tempo da igreja pela presença do Ressuscitado (cf. Mt 28,20: “Eu estou convosco até o fim dos tempos”). Para Jesus, os sinais da vinda do reino não dependem da observação, mas da fé. Basta que acolham a ele para encontrar este reino desde já (cf. 12,54-56).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1279) comenta: O Reino não é para ser procurado por meio de sinais fantásticos; ele se manifesta em todos os espações e oportunidades em que a prática do Messias dos pobres é recriada e difundida.

E Jesus disse aos discípulos: “Dias virão em que desejareis ver um só dia do Filho do Homem e não podereis ver. As pessoas vos dirão: ‘Ele está ali’ ou ‘Ele está aqui’. Não deveis ir, nem correr atrás. Pois, como o relâmpago brilha de um lado até ao outro do céu, assim também será o Filho do Homem, no seu dia. Antes, porém, ele deverá sofrer muito e ser rejeitado por esta geração” (vv. 22-25).

Depois Jesus se dirige aos discípulos para exortá-los à vigilância. Os discípulos não desejarão rever “um dos dias” de sua existência terrestre ou contemplar o primeiro dia de sua manifestação gloriosa, mas gozar de um só dos dias que a seguirão. “Dias virão” (19,43; 21,6; 23,29) é fórmula profética (Jr 7,32; Ez 7,12; Is 39,6) indicando tempos difíceis de provação. Falsos profetas e pretendentes de messias (cf. At 5,36s) causarão confusão. O Filho do Homem no seu dia será imprevisível, evidente e surpreendente “como o relâmpago” (cf. 9,29; At 9,3; Sl 77,19), não será oculto nem secreto.

O texto distingue “dias” e o “dia”. Segundo o ensinamento tradicional, há dias de Javé nos quais o Senhor intervém de forma extraordinária na história; há também o decisivo “dia de Javé”, num futuro indefinido (cf. Am 5,18 etc.). Exemplo clássico de ambos é o livro de Joel: a praga dos gafanhotos e a libertação são um dia de intervenção divina (Jl 1-2); nos capítulos seguintes anuncia-se “o dia do Senhor, grande e terrível” (Jl 3,4). Também o “filho do homem” (figura humana contrastando as bestas-feras em Dn 7,13s) tem seus tempos (Dn 9,2.24-26 e 12,11-12 suscitaram cálculos e especulações).

Os discípulos quererão assistir alguns desses dias (v. 22) e não o obterão; ao contrário, devém esperar “o dia” (vv. 24.30-31). Tempo e lugar não são previsíveis; só é certo que “antes deve” acontecer a paixão do Cristo (v. 25; cf. 9,22p.44p) no final do caminho, em Jerusalém.

No site da CNBB comenta-se: O Evangelho de hoje nos mostra que precisamos reconhecer a presença do Reino de Deus no meio dos homens para que possamos reconhecer a presença de Jesus em nosso meio. E vamos encontrar Jesus presente no meio de nós nos que sofrem, que são rejeitados, que são excluídos da sociedade. A sociedade não quer viver os valores do Reino de Deus e vive do egoísmo, do acúmulo de bens, da busca desenfreada de poder e de prazer, da escravidão dos vícios, etc. Os membros dessa sociedade vivem uma fé superficial, materialista, mesquinha e descompromissada, que faz com que queiram ver Jesus, mas não possam vê-lo, pois não o reconhecem nos pobres e necessitados.

Voltar