14 de outubro de 2017 – Sábado, 27ª semana

Leitura: Jl 4,12-21

Depois da visão terrificante do “dia do Senhor (Javé)” em 2,1-11, Joel convocou para penitência e conversão (2,12-17). Se Judá e Jerusalém se converterem, Deus talvez possa voltar atrás do seu desígnio de desgraça. De fato, esta mudança acontece (2,18): Deus, que trouxe os inimigos do norte (praga dos gafanhotos, exércitos estrangeiros), vai afastá-los e expulsá-los para o deserto, abençoar a terra novamente com fecundidade (2,19-27) e derramar o Espírito sobre todo o povo (3,1-5; citado por Pedro em Pentecostes, cf. At 2).

No cap. 4, o dia do Senhor destina-se, agora, às nações inimigas: será a batalha universal. Retoma-se do tema do julgamento (vv. 1-3). Que os povos declarem guerra a Javé e marchem contra Sião (cf. Zc 14,2; 12,3-4); no vale da Decisão (vv. 11-14), eles terão seu julgamento e a sua derrota final (vv. 15-17).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1124) comenta: O autor insiste no Dia de Javé (1,15; 2,1-2.10-11), para confirmar e propagar sua doutrina: Javé é o Deus único e está presente no Templo de Jerusalém, a cidade inviolável (2,27; 4,17; Zc 9,8). Nisso o grupo de Joel é nacionalista e exclusivista.

Levantem-se e ponham-se em marcha os povos rumo ao Vale de Josafá; ali me sentarei como juiz para julgar todas as nações em redor (v. 12).

“Josafá”, em hebraico Yehoshafat, significa “Javé (o Senhor) julga” (cf. vv. 2). Este vale, designado em v. 14 como “vale da decisão”, um lugar imaginário, apocalíptico onde Deus exerce seu julgamento (cf. Jr 25,31; Is 66,16). O v. 11 parece situá-lo perto de Jerusalém (Sião), mas não precisa identificá-lo com o atual “vale de Josafá” (o vale do Cedron, a sudeste do templo), cujo nome aparece apenas no séc. IV d.C.

Um recrutamento militar nos vv. 9-11 (omitidos pela nossa liturgia) precede o julgamento dos povos e a execução da sentença. A Bíblia do Peregrino (p. 2203) comenta: À luz de textos como Ez 38 e seu antecedente, Is 14,25, leio o fragmento em chave irônica (cf. Sl 2,2.4 e 37,13). O Senhor despacha seus mensageiros para que recrutem nações para guerra santa, com o chamariz de grandes vitorias. As nações respondem com ambições e cobiça e são atraídas ao vale trágico, onde se decidirá a sua sorte numa batalha ou julgamento. Grandes multidões acorrem, quando então o Senhor ordena a seus servos que executem a sentença: nova ironia final.

Tomai a foice, pois a colheita está madura; vinde calcar, que o lagar está cheio: as tinas transbordam, porque grande é a sua malícia (v. 13).

O julgamento de alguma maneira precedeu e não se desenvolve aqui. Em v. 13, já se fala da execução da sentença comparada simultaneamente a uma messe madura pronta para ser talhada, e uma vindima pronta para ser calcada.

A Bíblia do Peregrino (p. 2203) comenta: Num salto da fantasia, o vale repleto de homens se transforma num vale coberto de lavouras maduras para a ceifa. Guerreiros como espigas cheias que uma foice gigantesca abate. Ou se transforma em gigantesca tina de lagar, repleta de uvas, pisadas por pés que lhes tiram o sangue (Is 63,1-6).

Povos e mais povos no Vale da Decisão: o dia do Senhor está próximo no Vale da Decisão (v. 14).

É o vale da Decisão ou sentença (Is 10,22s; 28,22; cf. o vale do julgamento (Josafá, vv. 2.12). A palavra hebraica pode designar o instrumento para debulhar o trigo (cf. Am 1,3; Jó 41,22). Pode-se também supor que o profeta jogue com duas acepções do termo.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1743) comenta: O termo pode significar o aparelho munido de pontas que serve para debulhar o trigo (cf. Is 28,27; 41,15; Am 1,3); a imagem é evocada pela messe do v. 13; poderíamos traduzi-lo então por “Vale Rastelo”; a mesma palavra significa também o veredicto, a Decisão, que resolva uma questão.

Escureceram o sol e a lua e as estrelas perderam o brilho. Desde Sião rugirá o Senhor, fará ouvir sua voz desde Jerusalém; tremerão céus e terra, mas o Senhor será refúgio para o seu povo, será a fortaleza dos filhos de Israel (vv. 15-16).

A menção do “dia do Senhor” (v. 14) conduz à visão apocalíptica de uma teofania dominada pelas trevas estelares (já em 2,10), no meio das quais ressoa como rugido o trovão ou “voz do Senhor” (cf. Am 1,2: “Javé rugirá de Sião”). A mesma voz que espanta o universo pode ser reconhecida como chamado que atrai “refúgio” para os seus.

Sabereis, então, que eu sou o Senhor, vosso Deus, que habito em Sião, meu santo monte; Jerusalém será lugar sagrado, por onde não mais passarão estranhos (v. 17).

A confissão plena inclui o nome de Yhwh (“o Senhor”), o título “vosso Deus”, e sua morada “Sião” (a colina onde Jerusalém e o templo foram construídos). A santidade e a inviolabilidade do santuário estendem-se ao conjunto da cidade santa (cf. Is 51,23; 52,1; Jr 31,40; Na 2,1; Ab 17; Zc 9,8; 14,21). Sendo Jerusalém cidade santa pela presença do Senhor, não podem entrar nela estrangeiros ou profanos. A tradução “estranho”, de zar, é de cunho nacionalista; a tradução “profano” abriria a porta para os que se consagram (cf. Is 56).

Acontecerá naquele dia que os montes farão correr vinho, e as colinas manarão leite; aos regatos de Judá não há de faltar água, e da casa do Senhor brotará uma fonte, que irá alimentar a torrente de Setim (v. 18).

Pela penitência, “aquele dia”, o dia do Senhor que ameaçava Judá e Jerusalém se transformou em bênção. Uma fonte maravilhosa no templo suprirá a chuva e os mananciais (Dt 11,11 e 8,7). Recolhendo o tema de Ez 47 (o rio que nasce no santuário; cf. Sl 46,5), anuncia a transformação da natureza como sinal da nova era. O tradicional “leite e mel” (Ex 3,8 etc.) será então leite e licor (Am 9,13). Judá restaurada gozará da fartura de vinho novo, leite e água viva; estes são os bens caracterizados dos últimos tempos (cf. Am 9,13).

A “torrente de Setim” ou o “vale das Acácias” (ou: de Shitim) é discutida. Os estudiosos propõem ou o Wadi-em-Nar, parte inferior do vale do Cedron, ou Wadi-es-Sant, a oeste de Belém, ou ainda o “Wadi das Acácias” (Nm 25,1; Js 2,1) na terra de Moab. A localização é incerta, neste contexto apocalíptico, no qual a Terra Santa será renovada.

O Egito será devastado, e a Idumeia, devastada e deserta, por causa de suas atrocidades contra os filhos de Judá, derramando sangue inocente em suas terras (v. 19).

O dia do Senhor traz agora bênção para Judá e Jerusalém, mas castigo aos inimigos. Em v. 4 já se mencionou as cidades fenícias de Tiro, Sidônia e os filisteus do litoral. Agora o Egito, pelo seu papel histórico, e Edom por sua assonância com sangue. Talvez haja aí alusão às expedições dos egípcios no fim do século VI: por ter devastado Judá, o Egito será, a seu turno, devastado. Edom era o perpétuo inimigo dos israelitas.

Judá será habitada para sempre, e Jerusalém, por todos os séculos. Vingarei meu sangue, não o deixarei sem castigo. O Senhor está habitando em Sião (vv. 20-21).

Na conclusão do livro, figura Judá (não Israel) com a sua capital, Jerusalém. O dia do Senhor inaugurou uma era nova e perpétua, e o segredo é que ele habita em Sião.

“Vingarei meu sangue, não o deixarei sem castigo.” A tradução aqui segue o texto grego e sírio. O hebraico tem literalmente: “Eu torno o seu sangue inocente: sim, eu o inocento” ou “Eu deixarei seu sangue impune, e não deixarei impune”. Esta parte do v. pode ser uma glosa à segunda parte do v. 19.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1124) comenta: Judá restaurado com abundância de vinho, leite e água, que brotam do Templo: é a manifestação escatológica de uma nova era (cf. Am 9,13; Is 30,25; Ez 47,1-12). Centro da argumentação do grupo nacionalista de Joel é a última frase do livro. Javé, o vingador de sangue, permanece para sempre (Nm 35,19; Is 41,14).  

Evangelho: Lc 11,27-28

Ouvimos hoje um trecho breve e próprio de Lc, uma aclamação que envolve Jesus e sua mãe.

Enquanto Jesus falava, uma mulher levantou a voz no meio da multidão e lhe disse: “Feliz o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram” (v. 27).

Na cultura semita, a família (aqui a mãe) participa do destino da pessoa, e ao bendizer ou amaldiçoar, evita-se o nome da pessoa. Ao invés, fala-se dos órgãos, lit. “Feliz o ventre que te trouxe e os seios que sugaste”. É uma expressão tipicamente judaica (cf. 10,23 e Mt 13,16 ou Lc 23,29). Se a mãe é felicitada, refere-se a Jesus. Pelo filho louva-se a mãe e vice-versa. Essa mulher do povo, talvez mãe, representa o sentir popular. Ela faz uma aclamação ao Cristo e expressa a opinião positiva do povo simples apesar da rejeição dos líderes que acabaram de acusar Jesus de um pacto com Belzebul (vv. 11-26, evangelho de ontem)

A Bíblia do Peregrino (p. 2495) comenta: Em termos de realista maternidade, faz eco à felicitação de Isabel e à predição de Maria (1,45.48). Pode emprestar sua voz a uma humanidade que felicita Maria que escutou e cumpriu, ou deixou cumprir-se, a palavra de Deus.

Jesus respondeu: “Muito mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (v. 28).

É possível que Jesus queria responder ao elogio com outro elogio, como convém a um oriental educado.

A resposta da Jesus retoma o de 8,21p: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática.” Ouvir a Palavra e colocá-la na própria vida, enfrentando os obstáculos e conflitos que daí virão, é que faz alguém ser efetivamente da família de Jesus; e aí está a felicidade que importa (8,19-21).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2000) comenta: Em contraste com a maternidade carnal da sua mãe, Jesus proclama a grandeza da fé. Ele visa a todos os crentes, que opõe aos seus adversários do vv. 14-23. Lc não vê aqui uma crítica a Maria, pois esta, ele a apresentou como a “crente” (“feliz aquela que acreditou”, 1,45), que meditava em seu coração o que acontecia com Jesus (2,19.51).

O site da CNBB comenta: A maternidade carnal de Maria é muito importante e, é claro, muito valorizada por Jesus, mas é apenas uma maternidade, algo que faz parte da natureza de todas as mulheres. No Evangelho de hoje, Jesus contrasta a maternidade carnal de sua mãe com a grandeza da fé e do seguimento dos valores do Reino, o que não faz parte da natureza humana, mas é fruto da atuação da graça divina em nós, e que fazia parte da vida de Maria. Mas Maria, quando se dispôs a fazer a vontade de Deus e disse Sim ao seu projeto de amor, foi muito além, pois sua maternidade não foi apenas carnal, foi divina.

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