15 de Outubro de 2020, Quinta-feira: Ai de vós, mestres da Lei, porque tomastes a chave da ciência. Vós mesmos não entrastes, e ainda impedistes os que queriam entrar” (vv. 52).

28ª Semana do Tempo Comum 

 Leitura: Ef 1,1-10

A Carta aos Efésios faz parte das cartas do cativeiro (Ef, Fl, Cl, Fm). Paulo está preso (Ef 3,1; 4,1; 6,20; cf. Fm 9.10.13.27; Cl 4,3.10.18); rodeado dos mesmos companheiros, encarrega Tíquico de idêntica missão (Cl 4,7-8; Ef 6,21-22). Enquanto Fl e Fm foram escritos pelo próprio Paulo, as cartas Ef e Cl apresentam estilo e teologia diferentes e uma situação posterior. Por isso, muitos peritos consideram estas duas cartas Deuteropaulinas, ou seja, escritas por discípulos de Paulo (talvez por Epafras, cf. Cl 1,7; 4,12?) em nome dele por volta de 80 d.C.. Ef retoma várias expressões de Cl e depende dela.

O conteúdo de Ef é uma longa meditação sobre o mistério da igreja como plenificação da obra de Deus (Ef 1-3) e uma exortação aos batizados (Ef 4-6).

Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, aos santos e fiéis em Cristo Jesus: a vós, graça e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo (vv. 1-2).

O remetente se identifica como Paulo, com o título de apóstolo e com a vocação divina (Rm 1,1). Os destinatários, “santos e fiéis”, não incluem nenhum nome especifico.

Como as palavras “que estão” acham-se atestadas por todos os manuscritos, mas as palavras “em Éfeso” faltavam, sem dúvida, no texto primitivo. Levantou-se a hipótese de um espaço em branco, destinado ao nome desta ou aquela Igreja à qual seria enviada a carta. Talvez fosse uma carta circular às comunidades da região próxima de Éfeso, ou que fossa a mesma carta dirigida à igreja de Laodicéia, citada em Cl 4,16.

Embora sejam habituais nas cartas e passem facilmente despercebidos, observemos os títulos: Deus “nosso Pai” (cf. a oração dominical “Pai nosso” em Mt 6,9), Jesus Cristo “Senhor”, a grande proclamação cristã, que costumamos incluir no final de nossas orações.

A Bíblia do Peregrino (p. 2804) comenta o hino que se segue em vv. 3-14 (os vv. 11-14 ouviremos amanhã):

Parágrafo dificílimo, provavelmente o mais difícil no NT. Tem apenas seis verbos em forma finita… É como se o autor respirasse fundo para pronunciar sua complexa benção num só fôlego, numa única frase gramatical. Para orientar-nos nessa demonstração (ou emaranhado) gramatical, observamos três ondas que concluem em três menções de “louvor” (vv. 6.12.14)…

O texto pertence ao gênero das bênçãos, frequente na liturgia judaica: o homem “bendiz” a Deus agradecendo as “bênçãos” recebidas. O texto é trinitário. No princípio Deus, identificado com o “Pai de Jesus Cristo” (v. 3) e nosso pela adoção (v. 5); ele é o agente de tudo “segundo seu desígnio e decisão” (vv. 5.9.11). Realiza tudo “por meio de Cristo” (mencionado nos vv. 3.5.10.12). Termina o parágrafo com a referência ao Espírito, “selo e garantia” (vv. 13.14).

Vários temas são transposição de “tipos” do AT: escolha, filiação, resgate, sabedoria, herança. A razão é que a consumação ou plenitude presente estava prevista e decidida de antemão (vv. 4.5.9.11).

O hino celebra a expansão da graça de Deus e pertence ao gênero literário da bênção (cf. 2Cor 1,3; 1Pd 1,3), muito difundido na liturgia judaica.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2266) comenta: Deus é sujeito dos verbos: a sua ação fica ritmada pelos em “Cristo (nele) ”, e batizada por fórmulas de louvor (cf. os vv. 6.12.14). A benção de Deus é considerada sob os seus aspectos sucessivos, mas inseparáveis: eleição (4-5), libertação (redenção) (6-7), recapitulação (8-10), herança prometida (11-12), dom do Espírito (13-14). Esses temas pertencem ao vocabulário da aliança no AT. Ef realiza uma fusão notável entre a perspectiva bíblica do povo de Deus e a ideia nova da Igreja corpo de Cristo.

Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele nos abençoou com toda a bênção do seu Espírito em virtude de nossa união com Cristo, no céu. Em Cristo, ele nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor. Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por intermédio de Jesus Cristo, conforme a decisão da sua vontade, para o louvor da sua glória e da graça com que ele nos cumulou no seu Bem-amado (vv. 3-6).

A primeira estrofe (vv. 3-6) começa com o título de “Cristo” = Messias = Ungido, o esperado. Termina com o titulo “Bem-amado (predileto)”: outrora título de Israel (Dt 32,15; Is 44,2); agora título de Jesus Cristo, pronunciado no batismo e na transfiguração (Mc 1,11; 9,7p; cf. Cl 1,13).

A 1ª benção é o chamado dos eleitos à vida santa, aliás já iniciada de maneira mística pela união dos que crêem no Cristo glorioso. O “amor” designa primeiro o amor de Deus por nós, que inspira a sua “eleição” e o seu chamado para a “santidade” (cf. Cl 3,12; 1Ts 1,4; 2Ts 2,13; Rm 11,28), mas dele não se poderia excluir o nosso amor a Deus, que dele deriva e a ele responde (cf. Rm 5,5).

“Abençoou-nos” (v. 3) retoma a grande tradição do AT: a de Isaac, paterna, testamentária e limitada (Gn 27); a de Jacó, paterna e distribuída às doze tribos (Gn 49); a de Moisés, profética, para as tribos (Dt 33). Isaac abençoou Jacó e não lhe restou outra benção; o Pai celeste em Cristo abençoa todos.

A expressão “no céu” (v. 3), que em sua forma grega é peculiar à carta (Ef 1,20; 2,6; 3,10; 6,12), situa sucessivamente no mundo celeste: Cristo, a Igreja, os cristãos, mas também os espíritos do mal (cf. 6,12). Aqui a expressão associa estreitamente os eleitos ao triunfo do Cristo, vencedor das potencias celestes. Neste plano celeste se manterá toda a carta. É do céu que, desde toda eternidade, partiram e é lá que se realizam, até o fim dos tempos, as “bênçãos espirituais”, que serão expostas nos vv. seguintes.

“Antes da fundação do mundo (criação, v. 4)”: ou seja, antes da primeira palavra da Bíblia, Gn 1,1: “No princípio, Deus criou”. Jeremias foi escolhido pelo Senhor “antes de te formar no ventre” (Jr 1,5); os cristãos, antes da criação do mundo (cf. Rm 8,28s); o projeto de Deus abrange o tempo inteiro (Is 43,13).

“Santos” ou consagrados: como Israel, “um povo santo” (Ex 19,6), “os santos do Altíssimo” (Dn 7,22.27); “No amor” (infundido, não por mero rito), fórmula conclusiva nas bênçãos judaicas. No entanto, alguns a ligam “a ele nos predestinou” (v. 5). O autor da carta só fala da predestinação para o bem, não para o mal. Os verbos formados com o prefixo “pré –“ (de antemão, desde sempre) não cessam de sublinhar a iniciativa absoluta da graça de Deus. “Eleição” e “predestinação” constituem a boa nova de nossa “adoção filial” (cf. Rm 8,15s); elas não atenuam, mas, pelo contrário, comprometem a nossa responsabilidade (cf. o fim da benção, vv. 11-14).

A 2ª benção é o modo escolhido para essa santidade, isto é, o de uma filiação divina, cuja fonte e cujo modelo é Jesus Cristo, o filho Unigênito (cf. Rm 8,29). “Filhos” (v. 5): título coletivo de Israel (Ex 4,23; Is 1,2; Os 11,1 etc), agora dos cristãos (Jo 1,12; 1Jo 3,1-10). “Glória” e “graça”, lit. gloriosa graça (v. 6), é o favor que revela sua glória. A benção faz da glória de Deus a finalidade de toda a sua obra, como o seu livre desígnio (graça) é a fonte da mesma.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2196) comenta: O termo grego “charis” designa aqui o favor divino em sua gratuidade, noção que inclui e, até, ultrapassa a “graça” em seu sentido de dom santificador e intrínseco ao homem. Ela manifesta a “glória” mesma de Deus (cf. Ex 24,16 etc.). Aqui temos os dois refrões que escandem toda a exposição das bênçãos divinas: elas não têm outra fonte que a liberdade de Deus, outro fim que a exaltação da sua gloria pelas criaturas. Tudo vem dele e a ele tudo deve conduzir.

Pelo seu sangue, nós somos libertados. Nele, as nossas faltas são perdoadas, segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramou profusamente sobre nós, abrindo-nos a toda a sabedoria e prudência. Ele nos fez conhecer o mistério da sua vontade, o desígnio benevolente que de antemão determinou em si mesmo, para levar à plenitude o tempo estabelecido e recapitular em Cristo, o universo inteiro: tudo o que está nos céus e tudo o que está sobre a terra (vv. 7-10).

Os vv. 7-12 formam a segunda estrofe (cf. o hino em Cl 1,14-20). A 3ª benção e a obra histórica da redenção pela cruz de Cristo, “pelo seu sangue…” (v. 7) O antigo resgate começou no Egito com o sangue pascal (Ex 12) e se perpetua no culto, especialmente pelos sacrifícios de expiação (Lv 4 e 16). Era uma libertação de escravos para a liberdade: o nosso é um resgate de pecadores para o perdão, também com sangue, o da cruz (Hb 9,22).

A “sabedoria e prudência” (v. 8) não são aqui qualidades ou aquisições humanas (Pr 3,13), e sim dom, revelação (Eclo 24; Sb 9) de Deus que nos capacita para compreendermos o “mistério da sua vontade, o desígnio benevolente…” (v. 9). Em 3,3-12, o autor da carta descreve qual é este mistério que foi revelado a Paulo. Esta revelação do mistério (cf. Rm 16,25) é a 4ª benção.

O cumprimento dos tempos ou dos prazos neste mistério pode referir-se à encarnação (Gl 4,4) ou à glorificação (cf. Cl 1,15s). “Levar à plenitude o tempo estabelecido” (v. 10), lit. “para a dispensação da plenitude dos tempos” ou “visando à economia da plenitude (pleroma) dos tempos”. Esta expressão foi compreendida de duas maneiras: 1° No sentido de Gl 4,4, “quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu filho”; neste caso ela visa à encarnação ocorrida no término do AT. 2° Num sentido peculiar da carta, a “plenitude dos tempos” designa o tempo da Igreja inaugurado na Ressurreição, e a economia, a maneira com que Deus conduz a história à sua consumação.

“Recapitular em Cristo, o universo inteiro (lit. todas as coisas)”. O verbo grego composto contém duas idéias que a tradução explicita: a de resumir, repetir, reunir (ideia que se encontra no termo “capítulo”) e por outro lado, a ideia de colocar sob a soberania (ideia que se encontra nas palavras “chefe” e “cabeça”, todas da mesma raiz linguística). Este versículo desempenhou um papel considerável na teologia de S. Irineu (tema da recapitulação).

“Céus” e “terra” podem representar as duas partes que compõem o universo criado (Dt 32,1; Is 1,2). Também podem distinguir-se e opor-se como mundo humano e mundo divino, separados (Sl 135,16; Is 55,9). Em Cristo se realiza sua união definitiva, indissolúvel, e por ele começa um longo processo de reunificação da criação despedaçada: é a unidade primordial que fundamenta a unidade do gênero humano (cf. LG 1), da qual falará a carta.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2196) comenta: Toda a carta desenvolverá esta ideia de Cristo regenerando e reunindo sob a sua autoridade, para reconduzi-lo a Deus, o mundo criado, que o pecado tinha corrompido e dissociado: o mundo dos homens, em que judeus e gentios são reunidos numa mesma salvação, e até o mundo dos anjos (cf. 4,10).

 

Evangelho: Lc 11,47-54

O segundo “ai” da sequência dirigida agora aos “mestres da lei” (vv. 45-52) critica não só as falhas desta categoria, mas pronuncia um julgamento sobre a geração descrente que não aceita o messias enviado a ela.

“Ai de vós, porque construís os túmulos dos profetas; no entanto, foram vossos pais que os mataram. Com isso, vós sois testemunhas e aprovais as obras de vossos pais, pois eles mataram os profetas e vós construís os túmulos (vv. 47-48).

O costume de erigir mausoléus ou monumentos funerários é documentado (de Raquel: Gn 35,20; de Sobna: Is 22,16; do poderoso: Jó 21,32). Este “ai” se refere à veneração aos profetas. Para este fim, os fariseus e os mestres lei construíam túmulos e sepulcros. Os túmulos de Amós e Habacuc eram lugares de romaria na época de Jesus. O que está errado nisso? Nada, se estes monumentos documentassem uma mudança de pensamento, a conversão que as gerações negaram quando ouviram as palavras dos antigos profetas. Mas a fala dos mestres da lei demonstra que são filhos dos pais que mataram os profetas. Agora vão tramar contra Jesus (v. 53s; 6,11). A veneração dos profetas é retrógrada e hipócrita quando não se aceita o chamado de Deus expresso em Jesus.

É por isso que a sabedoria de Deus afirmou: Eu lhes enviarei profetas e apóstolos, e eles matarão e perseguirão alguns deles, a fim de que se peçam contas a esta geração do sangue de todos os profetas, derramado desde a criação do mundo, desde o sangue de Abel até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o santuário. Sim, eu vos digo: serão pedidas contas disso a esta geração (vv. 49-51).

Agora a sabedoria personificada e preexistente fala (cf. Pr 8; 9,3) como os profetas anunciaram o julgamento sobre esta geração interpretando a história de Israel como desobediência e teimosia permanentes. Para Lc, o próprio Jesus é porta-voz da sabedoria divina (cf. Jo 1,1.14 que identifica a sabedoria/palavra de Deus com Jesus). Como as gerações anteriores, os mestres da Lei também se negam a converter e matarão de modo violenta os “profetas e apóstolos” (Mt 23,34: “profetas, sábios e escribas”, cf. Jr 18,18) que Jesus enviará a eles. Lc pode pensar nos primeiros mártires cristãos, o diácono Estêvão e o apóstolo Tiago, irmão de João (At 7; 12,2). O julgamento já começou com o envio dos profetas e apóstolos, só falta o pronunciamento da sentença. Agora serão pedidas contas do sangue derramado (2Sm 4,11; Sl 9.13; Ez 33,6.8s). Os nomes de Abel e Zacarias representam o início e o fim deste tempo descrito no AT (Gn 4,8; 2Cr 24,20s). Provavelmente terminou esta série de ais com o anúncio do julgamento contra Jerusalém (cf. Mt 12,37-39; em Lc só em 13,34s).

Ai de vós, mestres da Lei, porque tomastes a chave da ciência. Vós mesmos não entrastes, e ainda impedistes os que queriam entrar” (vv. 52).

Lc ainda anexa o último dos três ais contra os mestres da Lei. Com sua formação superior, eles têm a chave do conhecimento, podem revelar o sentido das Escrituras e assim abrir o acesso a Deus. Mas em vez disso obstruíram este caminho para si e para o povo. Sua interpretação da Lei causa o contrário do que dizem, em vez de guiar, seduzem e desviam. Em Mt 23,13 “bloqueiam o reino dos céus”, sua doutrina determina quem entra e com quais condições. Em Mt 16,19, porém, Jesus, o Filho de Deus e representante deste reino, entrega as chaves do mesmo a Simão Pedro. Este e os outros apóstolos vão enfrentar a hostilidade de representantes do judaísmo contra a pregação libertadora do evangelho do reino, documentada em vários episódios dos Atos dos Apóstolos.

Quando Jesus saiu daí, os mestres da Lei e os fariseus começaram a tratá-lo mal, e a provocá-lo sobre muitos pontos. Armavam ciladas, para pegá-lo de surpresa, por qualquer palavra que saísse de sua boca (vv. 53-54).

O final do evangelho de hoje se refere à situação inicial de v. 37s, a refeição na casa de um fariseu. Os fariseus se sentem desafiados e continuam acompanhando Jesus, porém, com a intenção de “pegá-lo”. Só querem conseguir provas para uma acusação pública. O conflito continua, a morte de Jesus é só uma questão de oportunidade.

O site da CNBB comenta: A sociedade humana é a sociedade da morte e procura destruir todas as iniciativas que promovem a verdadeira vida. Como o Reino de Deus é o Reino da Vida, ele sofre perseguições e rejeição por parte do mundo. O mundo odeia tudo o que está relacionado com a vida e nega seus valores, trata mal quem age assim, provoca quem procura viver retamente, arma ciladas para pegá-los de surpresa. Mas todo aquele que de fato é do Reino de Deus enfrenta todas essas dificuldades e luta pela vida, sabendo que Deus é o seu grande parceiro nesta luta e que a vida triunfará sobre o pecado e a morte.

Voltar