14 de Fevereiro de 2019, Quinta-feira: O Senhor Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele” (v. 18).

Leitura: Gn 2,18-25

Ouvimos hoje o ponto alto do segundo relato da criação que é independente do primeiro (Gn 1) que era uma narrativa sobre a origem do mundo (escrita pela redação sacerdotal durante o exílio na Babilônia, por volta de 550 a.C.). O segundo capítulo de Gn é independente do primeiro e pode ser mais antigo.  

É de outra autoria (antigamente chamada de “javista”, porque emprega o nome de Deus Yhwh – “Javé”; traduzido por “Senhor”). Esta redação reúne tradições orais da sabedoria popular dos camponeses em Israel. Apresenta Javé Deus de forma mais rústica, criando não como em Gn 1 através de uma palavra (intelectual), mas com as mãos de artesão o Adão e de cirurgião a Eva.

A Nova Bíblia Pastoral comenta: Embora mencione plantas e animais, é uma narrativa sobre a origem dos seres humanos. Apesar de ter elementos da mitologia de povos vizinhos (árvores; jardim; rios), esta narrativa deve ter sido elaborado na região semidesértica de Israel.

O homem é modelado do pó da terra, é a primeira obra e participa da criação, cultivando e cuidando do jardim (vv. 1-17) e dando nome às aves e animais (vv. 19s). A mulher é modelada só no final (vv. 21s), de modo muito especial, completando o jardim de Éden. Não se fala dos dias nem do sábado como no primeiro relato em Gn 1. O ponto alto, nos vv. 18-24, quer traduzir esta sensação de íntima complementaridade e a força misteriosa do amor entre duas pessoas, celebrada no antigo hino nupcial do v. 23.

O autor (ou sua fonte tradicional) não se baseia em observação científica, mas na associação da língua hebraica: Adão (adam em hebraico significa simplesmente homem, ser humano) foi criado a partir da argila (adamáh é a terra vermelha). Um ditado popular (antigo hino nupcial) em Israel dizia “osso dos meus ossos e carne da minha carne” (v. 23) e significava, como no Brasil, “carne e unha”, ou seja, união profunda que dói ao separar.

O Senhor Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele” (v. 18).

A posição da mulher na sociedade patriarcal era apoiar o homem. Não se deve deduzir que a mulher é submissa ao homem, porque no AT, muitas vezes, Deus é chamado de “auxílio” (Dt 33,7; Sl 33,20; 70,6 etc.). Ninguém afirmaria que Deus é subserviente a quem que seja. Compara-se o elogio da mulher como uma “auxiliar” do homem em Eclo 26,1-4.13-18; Pr 31,10-31. “Semelhante a ele”, lit. como seu face-a-face.

O homem é um ser social por natureza. O Concílio Vaticano II declarou: Deus, porém, não criou o homem sozinho: desde o princípio criou-os “varão e mulher” (Gn 1,27); e a sua união constitui a primeira forma de comunhão entre pessoas. Pois o homem, por sua própria natureza, é um ser social, que não pode viver nem desenvolver as suas qualidades sem entrar em relação com os outros… Do mesmo modo que Deus não criou os homens para viverem isolados, mas para se unirem em sociedade, assim também Lhe “aprouve… santificar e salvar os homens não individualmente e com exclusão de qualquer ligação mútua, mas fazendo deles um povo que O reconhecesse em verdade e O servisse santamente”. Desde o começo da história da salvação, Ele escolheu os homens não só como indivíduos mas ainda como membros duma comunidade. Com efeito, manifestando o seu desígnio, chamou a esses escolhidos o “seu povo” (Ex. 3, 7-12), com o qual estabeleceu aliança no Sinai. Esta índole comunitária aperfeiçoa-se e completa-se com a obra de Jesus Cristo. Pois o próprio Verbo encarnado quis participar da vida social dos homens (GS 12 § 238 e GS 32 § 297S).

Então o Senhor Deus formou da terra todos os animais selvagens e todas as aves do céu, e trouxe-os a Adão para ver como os chamaria; todo o ser vivo teria o nome que Adão lhe desse. E Adão deu nome a todos os animais domésticos, a todas as aves do céu e a todos os animais selvagens, mas Adão não encontrou uma auxiliar semelhante a ele (vv. 19-21).

Diferente do relato de Gn 1 (redação sacerdotal no exílio), o autor de Gn 2 apresenta Javé Deus de forma mais rústica, criando não apenas através da palavra (como rei ou intelectual em Gn 1), mas como agricultor, plantando um jardim (v. 8), e como artesão (oleiro) que “formou da terra” Adão e os animais (vv. 7.19; ainda como alfaiate em 3,21).

Nos dois relatos da criação, a sequência da criação não é a mesma: em Gn 1, depois da luz, da água e da terra, foram criadas as plantas, depois os animais, ao final o casal humano; em Gn 2, primeiro o homem (Adão, v. 7), depois as plantas (jardim, vv. 8s), depois os animais e só ao final a mulher (Eva, vv. 21s). Estas diferenças entre as duas narrativas mostram que a Bíblia não pretende dar explicações científicas. Se ela fosse ciência, precisaria unificar os dois relatos numa única teoria com coerência lógica. Mas o relato bíblico é mais poesia, menos lógico, mas psicológico (simbólico), e com isso expressa verdades profundas.

O animal é denominado “ser vivo” (lit. sopro de vida, cf. 2,7), como o homem; trata-se de um termo genérico. A Tradução Ecumênica da Bíblia traduz: “Tudo o que o homem designou tinha o nome de ‘ser vivo’”. O autor bíblico, mais que mostrar a superioridade do homem sobre o animal, queria lembrar que homem e animal têm em comum a respiração. Também em Gn 1 se expressa o parentesco entre homem e animal: o ser humano não foi criado num dia próprio para ele; como os animais partilha a mesma benção e mesma ordem de multiplicar-se (cf. Gn 1,22.24-28).

Diferente de Gn 1, aqui Deus não fala aos animais, só ao homem, a quem cede a tarefa de dar nomes. Este, nomeando, distingue, identifica, organiza: atividade básica da linguagem. O homem vai dar nomes específicos às diferentes espécies de animais, classificando e determinando assim a função deles na terra. Com isto manifesta o seu discernimento e o seu poder (domínio sobre animais, cf. 1,26.28). Encontra animais que lhe ajudam (“domésticos” só em v. 20, não em v. 19), mas não encontrou ainda a sua parceira.

Então o Senhor Deus fez cair um sono profundo sobre Adão. Quando tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Depois, da costela tirada de Adão, O Senhor Deus formou a mulher e conduziu-a a Adão (vv. 21-22).

Javé Deus, com mãos de artesão (oleiro, cf. Jr 18,1-6; Is 29,16; 64,8; Rm 9,20s) formou da terra (barro, argila) o homem e os animais (vv. 7.19). Agora, com mãos de anestesista e cirurgião, forma a mulher a partir da costela do homem (vv. 21-22), uma explicação para atração sexual existente entre homem e mulher como também para a expressão “semelhante a ele”, uma auxiliar que lhe corresponde.

Um “sono profundo” (lit. torpor; cf. 15,12; Jó 4,13; Pr 19,15). É uma espécie de sono letárgico e anormal, que pode ir até a alucinação (Is 29,10). Um sono profundo é como anestesia, mas alude também a desejos profundos. Toda esta narrativa é uma poesia altamente simbólica, não pretende ser um relato científico, mas revelar verdades mais profundas sobre a posição do homem na criação e do relacionamento de homem e mulher.

Aqui é o único caso em que o termo hebraico significa “costela” e não “flanco” ou “lado”, geralmente de um edifico. Para indicar a semelhança entre dois seres, os semitas costumavam recorrer à imagem da geração (cf. 1,26); por isso o parentesco exprimia-se pela expressão “ser os ossos e a carne de alguém” (cf. v. 23; 29,14; Jz 9,2; 2Sm 5,1). Para indicar esta união, o autor bíblico escreve que a mulher foi tirada de um osso do homem, mas não do pé (para ser escrava pisada pelo homem) nem da cabeça (para ela mandar no homem), mas “do lado” (da costela) para ser igual companheira.

Pauline A. Viviano (Comentário Bíblico I, p. 60) comenta recorrendo à cultura dos sumérios, a mais antiga da Mesopotâmia: Não temos paralelos na mitologia do antigo Oriente próximo e simplesmente desconhecemos o que a costela simboliza no texto. Sabemos que, na língua suméria, “costela” e “vida” são a mesma palavra. A deusa da vida é, ao mesmo tempo, a “Senhora da Costela”. É interessante notar que na conclusão do capítulo 3 o homem chama a mulher de “Eva”, forma da palavra hebraica para “vida”, e reconhece que ela será a “mãe de todo vivente” (3,20).

“Fechou o lugar com carne”. A Bíblia de Jerusalém comenta os termos bíblicos basar (hebraico: carne), sarx (grego: carne) e soma (grego: corpo): A carne (“basar”) é primeiramente, no animal ou no homem, a “vianda”, os músculos (41,2-4; Ex 4,7; Jó 2,5). É também o corpo inteiro (Nm 8,7; 1Rs 21,27; 2Rs 6,30) e por isso o vínculo familiar (2,23; 29,14; 37,27), ou seja, a humanidade ou conjunto dos seres vivos (“toda carne”, 6,17.19; Sl 136,25; Is 40,5-6). A alma (2,7; Sl 6,5) ou o espírito (6,17) animam a carne sem se adicionar a ela, tornando-a viva. Não obstante, frequentemente “carne” sublinha o que há de frágil e perecível no homem (6,3; Sl 56,5; Is 40,6; Jr 17,5); e pouco a pouco percebe-se uma certa oposição entre os dois aspectos do homem vivo (Sl 78, 39; Ecl 12,7; Is 31,3; cf. também Sb 8,19; 9,15). O hebraico não tem um vocábulo para dizer “corpo”: o NT suprirá essa lacuna usando “soma” ao lado de “sarx” (cf. Rm 7,5.24).

Repete-se o esquema clássico de libertação com os verbos “tirar/tomar – levar/conduzir” (cf. vv. 7-15), usados em contextos de restauração: do exílio ou da diáspora para a terra prometida (cf. Ez 36,24; 37,21 etc.). O primeiro homem foi tirado da terra (v. 7) e levado para ser introduzido no parque expressamente plantado para ele (v. 8). Agora Eva é tirada da costela e conduzida a seu marido. Deus, o criador, serve de mediador que conduz e apresenta a esposa ao esposo (nymphagogos, dizem os Padres gregos; cf. Jo 3,29; 2Cor 11,2).

E Adão exclamou: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada “mulher” porque foi tirada do homem”. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne (vv. 23-24).

O autor bíblico se inspira na sua própria língua hebraica: Como o homem procede da terra-argila, ´adam de ’adamáh, assim a mulher-fêmea procede do homem, ´ishá de ´ish. O Gn gosta dessas aproximações de palavras que enfatizam uma ideia, aqui a semelhança entre o homem e a mulher. Tal procedimento literário já era utilizado pelos egípcios.

São as primeiras palavras de um ser humano citadas no livro da Bíblia: ao descobrimento e imposição do nome (vv. 19s) se acrescenta a expressão primordial da alegria; outra função da linguagem (cf. Pr 5,15-19; Ct).

Depois de exprimir a alegria do homem em ter encontrado sua mulher (v. 23), o autor ratifica no v. 24 a atração que o homem e a mulher sentem um pelo outro: “serão uma só carne”. Coabitam, casam-se e formam uma unidade, sendo que os vínculos novos se revelam mais fortes que os de parentescos. Em Ml 2,14-16; Pr 5,15-20; 18,22; 31,10-31; Ct; Ecl 9,9 se lembra com gosto as belezas da vida conjugal e da sua fidelidade. Jesus (Mc 10,2-10p) e Paulo (1Cor 6,16; Ef 5,31) vão restaurar o vínculo conjugal na sua dignidade original.

Ora, ambos estavam nus, Adão e sua mulher, e não se envergonhavam (v. 25).

Este v. já é transição para o próximo episódio, a tentação pela serpente (3,1-7). Aqui, o homem e a mulher nus ainda são inocentes, sem motivos para se envergonhar estão em plena dignidade. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 27) comenta: Sem excluírem toda ideia de pudor, as palavras “nudez” e “vergonha” exprimem na Bíblia sobretudo a fraqueza, a falta de proteção, a derrota (cf. Am 2,16; Mq 1,8; Sl 6,11…). O homem e a mulher aceitam-se então tais quais sem abusar das suas mútuas fraquezas.

Reconhecer estes relatos bíblicos como mitos simbólicos quer dizer que não são verdadeiros se confrontarmo-los com a ciência? Não, porque o simbolismo da Bíblia revela verdades mais profundas do que o mero fato científico (da mesma maneira, a psicanálise analisa os símbolos dos sonhos, que são mitos pessoais, e descobre coisas importantes para a vida da pessoa). Assim o simbolismo da Bíblia nos diz muito sobre a posição do homem na criação e a convivência ideal de homem e mulher (Adão e Eva somos todos nós), constitui valores enquanto a ciência só observa.

É desta maneira simbólica que se deve interpretar o relato da criação do ser humano, não ao pé da letra. “O literalismo propugnado pela leitura fundamentalista constitui uma traição…, evita a íntima ligação do divino e do humano nas relações com Deus.” (Verbum Domini n.º 44)

A Igreja Católica não é “criacionista” (fundamentalismo que entende Gn ao pé da letra, contrariando as evidências da ciência, ex. a teoria de Darwin sobre a “evolução das espécies”), porém, acreditamos em Deus que criou tudo, porque “de nada, nada se faz”: O “Big Bang” há 14 bilhões de anos não pode surgir do nada, nem a inteligência e o amor dos seres vivos do mero acaso. O que para nós (e para a ciência) parece ser acaso, é a liberdade de Deus que nunca pode ser compreendido totalmente ou determinado por outros seres.

Evangelho: Mc 7,24-30

Ouvimos hoje de uma segunda viagem ao exterior (cf. a primeira na região da Decápole em 5,1-20). É significativo, que depois de romper com as tradições judaicas (cf. 7,1-23), Jesus se dirija a território pagão.

Jesus saiu dali e foi para a região de Tiro e Sidônia. Entrou numa casa e não queria que ninguém soubesse onde ele estava. Mas não conseguiu ficar escondido (v. 24).

A Galileia confina ao norte com a Fenícia, com a região das cidades de Tiro “e de Sidônia” (acréscimo, cf. Mt 15,21). Estas duas cidades litorâneas já foram acusadas no Antigo Testamento (AT) por causa da sua riqueza e soberba (cf. 11,21s; Is 1,9s; Lm 4,6-16; Ez 16,46-56).

Mc não fornece motivo algum para esta viagem (como em Mc 4,35; 5,1). O incógnito exclui intenção missionária; como que afastando-se da multidão, Jesus busca ocultação; na realidade, como se vê depois, para oferecer aos pagãos seu poder e bondade sem fronteiras. Em outra chave está refazendo a viagem do profeta Elias a Fenícia (1Rs 17).

Uma mulher, que tinha uma filha com um espírito impuro, ouviu falar de Jesus. Foi até ele e caiu a seus pés. A mulher era pagã, nascida na Fenícia da Síria. Ela suplicou a Jesus que expulsasse de sua filha o demônio (vv. 25-26).

Como Elias em 1Rs 17,9-24, Jesus se defronta com uma mulher pagã (lit. “grega”, não de raça, pois era siro-fenícia, mas de cultura; cf. Jo 7,35; At 16,1). O relato supõe que a fama de Jesus tenha ultrapassado as fronteiras chegando até Tiro e Sidônia (3,8). Por outro lado, observamos que o poder de demônios tampouco respeita fronteiras. Na verdade, a conceito de demônios como causa de doenças é típico do helenismo (cultura grega). No Antigo Israel, se falava muito menos de demônios (no AT: Lv 16,8.10; 17,7; 2Cr 11,15; Sl 106,36; Is 13,21; 34,14; cf. a doença psíquica do rei Saul em 1Sm 16,14-16.23; 18,10; 19,9) do que no Novo Testamento (NT) escrito em grego.

Jesus disse: “Deixa primeiro que os filhos fiquem saciados, porque não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos.” A mulher respondeu: “É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem as migalhas que as crianças deixam cair” (vv. 27-28).

A resposta de Jesus só se pode entender dentro do (pré-)conceito dos judeus: Os “filhos” são os israelitas (cf. Ex 4,22; Os 11,1). A eles se serve “primeiro” (esta palavra é omitida por Mt 15,26 e sugere que o Evangelho passará dos judeus aos gregos; cf. Rm 1,16) e a comida melhor (cf. a preferência dos judeus na história da salvação em Mt 10,5s; Jo 4,22; Rm 9,4s). O que resta é para os cães criados em casa. Nesta comparação, “cães” designa os pagãos, mas não era metáfora tal comum (cf. Mt 7,6).

A mulher aceita a comparação, nem tanto por humildade, mas porque assim resta alguma coisa para ela. Ela pode insistir no seu pedido, porque até os cães recebem comida. É certo que Elias proveu de sustento a mulher fenícia enquanto seus concidadãos de Israel passavam fome (cf. Lc 4,25s); depois ressuscitou o filho da viúva (1Rs 17,9-24). Quem deu de comer a cinco mil homens em Israel (cf. 6,30-44p) não terá pão também para uma pagã infeliz? Neste contexto, se pré-anuncia a admissão dos pagãos à refeição do Senhor (notar as menções do pão em 6,41.52; 7,2; 8,6.14-21).

Então Jesus disse: “Por causa do que acabas de dizer, podes voltar para casa. O demônio já saiu de tua filha.” Ela voltou para casa e encontrou sua filha deitada na cama, pois o demônio já havia saído dela (vv. 29-30).

Temos aqui a primeira cura à distância em Mc, e só através da palavra de fé da mulher (mas com a autoridade de Jesus). Em Mt 15,28, Jesus qualifica a atitude e as palavras dela como “fé grande”. Por causa desta fé, a filha pode sarar, se acalmar (“deitada na cama, pois o demônio já havia saído dela”, cf. 1,26; 5,15; 9,26).

A fé inclui curas concretas, até à distância. O final aqui assemelha-se da cura do filho/servo do centurião romano, outro pagão (Mt 8,13p), e como esta, é sinal para entender a história da salvação após a ressurreição. Jesus não confina a ação de Deus nos limites de Israel, mas deixa-se tocar pela fé de uma mulher pagã. Os pagãos serão salvos a distância, não pelo encontro direto com Jesus, mas pela palavra (dos apóstolos que os evangelizam). Paulo chama isso de “mistério” (cf. Rm 11,25; 16,25s; 1Cor 2,7; Ef 3,3-6; Cl 1,26s).

A luz do resultado vê-se que a ocultação de Jesus (v. 24) servia para dar relevo a irradiação e a distância dos pagãos. A preferência de Israel é cronológica (“primeira”) e a riqueza do Messias não está circunscrita; a comunidade de Marcos já a experimenta. A abertura de Jesus nos incentiva a procurarmos novos relacionamentos e áreas de atuação. Incentiva o ecumenismo (não confundir com sincretismo), ou seja, reconhecer certa fé em outras religiões também e promover o diálogo inter-religioso (cf. os documentos do Concílio Vaticano II: UR, NA).

O site da CNBB comenta: Existem pessoas que acreditam que somente quem pertence à sua religião ou mesmo apenas ao seu movimento religioso ou espiritualidade será salvo. Essas pessoas esquecem que Jesus veio ao mundo para que o mundo fosse salvo por ele, e não somente os daquela religião ou daquela forma de espiritualidade. Essas pessoas acabam por fazer do próprio Deus propriedade delas e querem que Deus aja segundo os seus critérios. A ação divina depende da vontade divina, que quer o bem e a salvação para todas as pessoas, de todos os povos, de todos os credos, línguas, etc., pois verdadeiramente Deus não faz distinção de pessoas.

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