15 de novembro de 2016 – Terça-feira, 33ª semana

Leitura: Ap 3,1-6.14-22

Ouvimos hoje a quinta e a sétima carta às comunidades às quais João se dirige. Nestas duas comunidades, o autor não dispensa elogios como às outras, mas parte logo para crítica. A comunidade de Sardes consistia de pessoas que mancharam suas vestes, ou seja, não mantiveram a fidelidade a Jesus e estão como mortas, porque desenvolvem práticas contrárias ao que afirmam ser a sua fé. A comunidade de Laodiceia recebe as críticas mais duras por conta da autossuficiência trazida pela riqueza de seus membros.

Eu, João, ouvi o Senhor que me dizia (cf. 1,9-11)

Nossa liturgia inventou uma frase de introdução que resume a visão (audição) inicial de Jesus (filho do homem, 1,9-20) que envia João e fala às comunidades na primeira pessoa.

Escreve ao anjo da Igreja que está em Sardes: ‘Assim fala aquele que tem os sete espíritos de Deus e as sete estrelas: (v. 1a)

O “anjo da Igreja” pode significar os chefe espiritual (cf. Ag 1,13; Ml 2,7) de cada uma das sete comunidades às quais se dirigem as cartas, ou mais provável, seu anjo protetor (como Miguel o é para o povo de Deus em 12,7-9; Dn 10,13.20s; 11,1; 12,1). A cidade de Sardes (na Ásia menor, hoje Turquia) rivalizava com Esmirna (2,8) e Pérgamo (2,12) quanto ao culto ao imperador romano.

Os “sete espíritos” (já em 1,4) podem significar o Espírito Santo em sua plenitude (significado do número sete), com influência dos sete dons de Is 11,2 (em grego são sete os dons do Espírito, em hebraico apenas seis). O Espírito fala a cada uma das sete igrejas (2,7.11.17.29; 3,6.13.22). Mas o Espírito Santo não tem um papel predominante no Ap (como o tem em Lc e nos Atos); geralmente, o próprio Cristo assume este papel em Ap. Mais provável, portanto, é os sete espíritos designam os mensageiros (anjos) de Deus (cf. os sete arcanjos em Tb 12,15) que aparecem “diante do trono de Deus” depois em 8,2 (cf. 3,1; 4,5; 5,6).

As “sete estrelas” (já em 1,16.20; 2,1) significam “os anjos das sete igrejas” (1,20); além do poder sobre todo o exército sideral (sete é número de plenitude). O Senhor todo-poderoso tem o controle sobre a comunidade que recebe severas críticas em seguida.

Conheço a tua conduta. Tens fama de estar vivo, mas estás morto. Acorda! Reaviva o que te resta, e que estava para se apagar! Pois não acho suficiente aos olhos do meu Deus aquilo que estás fazendo. Lembra-te daquilo que tens aprendido e ouvido. Observa-o! Converte-te! Se não estiveres vigilante, eu virei como um ladrão, sem que tu saibas em que hora te vou surpreender!  (1b-3).

“Conheço…” (a expressão aparece em cinco das cartas do Ap e emprega um verbo forte, cf. Jo 21,17; Sl 139). Para os de fora, a comunidade parece viva, mas está “morta” (com práticas contrárias ao que afirma ser a sua fé); por isso o chamado que se encontra também nos evangelhos sinóticos Mc 13,35p; Mt 24,43s; Lc 12,39s): “Acordar” (cf. Ef 5,14) e “vigiar” para não ser surpreendido pela parusia (volta de Cristo) “como um ladrão”.

“Reaviva o que te resta”; o autor fala do pouco de vida que ainda resta à comunidade, ou então de seus poucos membros que permaneceram fiéis e poderiam fortalecer os outros. Para a conversão necessária deve lembrar-se do início da comunidade, “daquilo que tens aprendido e ouvido” (como lembrava a Igreja em Éfeso 2,4s do seu “primeiro amor” e da sua “prática inicial”); assim se encontra vida nova. Pode-se também traduzir: “Recorda-te como recebeste e ouviste (a Palavra).”

A Bíblia do Peregrino (p. 2430) comenta: O sono é parente e imagem da morte (Jo 11,13; Sl 13,4; Jr 51,57). O responsável parece acordado e está adormecido, parece vivo e está morto (ou moribundo). Os que dormem devem vigiar (cf. Is 46,10); os moribundos devem reviver. Isaias (51,9-52,6) compõe um grande dialogo: É Jerusalém, não o Senhor, que deve despertar, pôr-se de pé, vestir-se de gala. O Sl 130 canta a vigilância da sentinela. A comunidade de Sardes está morta, talvez fé sem obras (Tg 2,17). A vinda como ladrão (Mt 24,43-44) pode referir-se à parusia geral ou à limitada indivíduos.

Todavia, aí em Sardes existem algumas pessoas que não sujaram a roupa. Estas vão andar comigo, vestidas de branco, pois merecem isso (v. 4).

Mas há uma luz na comunidade moribunda, “existem algumas pessoas” que vivem conforme a fé recebida, não vivem em pecado, “não sujaram a roupa”. “Manchar sua veste” é tornar-se indigno. A Bíblia do Peregrino (p. 2430) comenta: Veste contaminada expressa a culpa, como o caso do sumo sacerdote Josué (Zc 3,4-5); sua impureza pode contagiar (Lm 4,14-15; Jd 23). Pelo contrário, a veste branca ou reluzente é sinal de glória (Ap 6,11; 7,14) e até pode recordar a transfiguração (Lc 9,29 par.).

“Receber uma veste branca” é ser purificado e participar da vida do Cristo ressuscitado (“andar comigo”). A imagem da veste significa comumente a realidade profunda dos seres (Is 51,9; 52,1; etc.; Rm 13,14; 1Cor 15,53-54; Cl 3,9-12; etc.); é frequente no Apocalipse (cf. Ap 3,18; 4,4; 6,11; 7.9.13-14; 22,14). A veste nova é símbolo da nova vida no batismo (cf. Gl 3,27). A cor branca simboliza a pureza, mas também a alegria e o poder (2,17).

O vencedor vestirá a roupa branca, e não apagarei o seu nome do livro da vida, mas o apresentarei diante de meu Pai e de seus anjos. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas.’ (vv. 5-6).

Toda carta do Ap termina com uma promessa ao “vencedor” (que vence as tentações mesmo na perseguição; cf. 21,7; Jo 16,33; 1Jo 2,14; 5,4) e o chamado de prestar atenção (cf. nas parábolas Mc 4,9p etc.) ao Espírito que acompanha as comunidades.

Aqui lembra que dom da salvação pelo batismo (veste branca, registro no céu) pode se perder ainda. Só quem persevera na fé no cotidiano, vencerá. O “livro da vida” é o registro celeste onde estão consignados os nomes dos eleitos e os destinos à vida eterna (cf. Ap 13,8; 17,8; 20.12.15; 21,27). A imagem encontra-se regularmente na Bíblia (cf. p. ex. Ex 32,32-33; Sl 69,28-29; Dn 12,1; Fl 4,3; cf. Dn 7,10).

“O apresentarei (lit. confessarei seu nome) diante de meu Pai e seus anjos”, é a “confissão” prometida por Jesus (Lc 12,8s; Mt 10,32; Mc 8,38p).

Nossa liturgia omite a sexta carta (a Filadélfia, sem criticas) e passa logo à sétima e última carta.

Escreve ao anjo da Igreja que está em Laodicéia: ‘Assim fala o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus: (v. 14).

A igreja de Laodiceia foi fundada por Epafras, discípulo de Paulo (Cl 1,7; 2,1; 4,12s). A cidade de Laodiceia, que Antícoco II fundou no séc. 3 a.C., era uma cidade próspera. Havia indústrias, comércio, bancos e uma faculdade de medicina (em que Lucas se formou? cf. Cl 4,13s).

Três títulos de Cristo são apresentados:

Amém” é vocábulo hebraico (cuja raiz significa solidez, certeza) utilizado na liturgia judaica e depois na cristã, como expressão da resposta da fé à Palavra de Deus. Em todos esses sentidos, o Cristo é “o Amém” (em 3,7 já na tradução grega “o verdadeiro”), inspirado em Is 65,16 (onde “Amém” aparece já como um nome divino) e talvez em 2Cor 1,20 em seu contexto: diz o categórico e definitivo, sem mescla ambígua de sim e não.

“Testemunha fiel” já se encontra em 1,5. A Bíblia de Jerusalém (p. 2301) comenta: Cristo é a Testemunha em sua pessoa e obra, da promessa outrora feita a Davi (2Sm 7; Sl 89; Is 55,3-4; Zc 12,8) e que se realizou nele; ele é a palavra eficaz, o “Sim” de Deus (1,2; 3,14; 19,11.13; 2Cor 1,20)

“Princípio da criação”: vem de Pr 8,22-23; que é comentário de Gn 1,1. Cristo é identificado aqui com a Sabedoria e com a Palavra criadora (cf. ainda Sb 9,1s; Jo 1,3; Cl 1,15-17; Hb 1,2). O “principio” é correlativo do “amém”, que tem algo de final (cf. Cl 1,15.18).

Conheço a tua conduta. Nem és frio, nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca. Tu dizes: ‘Sou rico e abastado e não careço de nada’, em vez de reconhecer que tu és infeliz, miserável, pobre, cego e nu! (vv. 15-17).

Os cristãos desta comunidade são acusados de indiferença e ambiguidade; querem afirmar sua adesão a Jesus e ao mesmo tempo viver despreocupados no conforto e no bem-estar que as riquezas desta antiga cidade real lhes proporcionam. Mas Jesus não admite meias palavras ou compromissos pela metade (cf. Mt 10,32-39p; 12,30p) e são chamados a se comprometer efetivamente com ele (cf. Rm 12,1s: “Não vos conformeis com este mundo…”)

A Bíblia do Peregrino (p. 2949) comenta: Ao “amém” categórico se opõe frontalmente a mistura e confusão do quente e frio, os compromissos entre paganismo e cristianismo (cf. 2Cor 6,14-16), que provocam a náusea de Deus (cf. Jr 14,19). Pode-se recordar a opção radical que Josué exigia (Js 24,25) ou Elias (1Rs 18,21). Contudo, é possível a conversão, para a qual Deus admoesta e repreende, em ato de benevolência (Tb 11,12-13; Pr 3,12). O primeiro passo para converter-se é descobrir e reconhecer a verdadeira situação, sem adular a si próprio. Isto é julgar-se rico (Os 12,9). A realidade se expressa em três metáforas aparentadas: pobre, cego, nu (Is 20,2-4; 43,8).

A nudez espiritual de Laodiceia está em contraste com sua prosperidade e suficiência (o contrário acontecido em Esmirna, cf. 2,9).

Dou te um conselho: compra de mim ouro purificado no fogo, para ficares rico, e vestes brancas, para vestires e não aparecer a tua nudez vergonhosa; e compra também um colírio para curar os teus olhos, para que enxergues (v. 18).

O verbo “comprar” parece incongruente, se realmente é pobre; a não ser que entendamos antes “adquirir”, ou que contemos com um vendedor que o dê de graça (conforme Is 55,1-2). As expressões aludem ao intenso comércio daquela cidade e às “especialidades” de Laodiceia: aí se fabricam vestes, como também um pó especial para curar os olhos.

O “conselho” é característica do sábio e do gênero sapiencial. O que se deve comprar/adquirir é a sabedoria (Pr 1,2s; 4,5.7; 9,5; Sb 6-9; Is 55,1-3; Jr 9,22s etc.), as verdadeiras riquezas da vida espiritual, ou seja, do reino de Deus que só Cristo pode dar (cf. as parábolas do tesouro e da pérola, Mt 13,44-46, e os conselhos evangélicos, cf. Mt 19,12.21)

Eu repreendo e educo os que eu amo. Esforça-te, pois, e converte-te. Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, eu com ele e ele comigo. Ao vencedor farei sentar-se comigo no meu trono, como também eu venci e estou sentado com meu Pai no seu trono. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas’” (vv. 19-22).

A dura repreensão não quer ameaçar, mas levar a novo ardor e conversão. Expressa o amor o Pai que educa (cf. Pr 3,12; Hb 12,6) e preocupação do Pastor que procura o que estava perdido (cf. o rico Zaqueu em Lc 19,1-10, evangelho de hoje). Por isso, no final se fala da alegria (e festa) quando o pecador se converte (cf. Lc 15).

“Eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, eu com ele e ele comigo”. A intimidade com Jesus é prelúdio do festim messiânico (cf. Mt 8,11 etc.). Muito provavelmente trata-se de uma alusão litúrgica (Eucaristia) frequente em Ap, por isso pode ser mais conveniente traduzir “cear” ao invés de, mais literalmente, “tomar uma refeição”. (cf. Lc 22,29s; Jo 14,23).

Para a conversão há magníficas promessas: banquete e trono. “Bate à porta” como no Cântico dos Cânticos (5,2), convida a cear (Mt 25,1-10), oferece um trono junto ao seu (Sl 110,1; cf. o pedido da mãe dos Zebedeus, Mt 20,2 par.). Cristo, porém, conseguiu sua vitória como “cordeiro imolado” (5,5.9), ou seja, por seu sofrimento e sua morte. Só se os cristãos permanecem fieis na tribulação (cf. 7,14), renunciando ao culto do imperador (motivo da perseguição e do exílio, cf. 1,9; 3,10; cap. 13), sentarão junto com Cristo no trono e participarão do reino do Pai (2,26s).

 

Evangelho: Lc 19,1-10

A viagem de Jesus a Jerusalém chega à sua última etapa. Os dois episódios em Jericó respondem de algum modo ao que vai sendo narrado. O cego que reconhece o Messias contrasta com a cegueira mental dos doze apóstolos (18,35-43; evangelho de ontem). O rico Zaqueu que se converte revela o que é possível para Deus (“salvar um rico”, cf. 18,27). O cego, sem ver, já conhece o Filho de Davi; Zaqueu procura ver e conhecê-lo. O que foi demonstrado numa parábola anterior (18,9-14), a justificação de um cobrador de impostos, agora é comprovado num caso concreto. A conversão do pecador e sua acolhida pela misericórdia de Deus (cf. cap. 15) é tema preferido de Lc, como também a justiça social (cf. cap. 16; 6,20-26 etc.)

Jesus tinha entrado em Jericó e estava atravessando a cidade. Havia ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos cobradores de impostos e muito rico (vv. 1-2).

Na cura do cego em Mc 10,46-52, Jesus estava saindo de Jericó; em Lc, porém, está entrado. Jericó era uma cidade próspera no meio do deserto perto do Rio Jordão onde havia travessias a (Trans-) Jordânia e se cobrava tributos. Lc não transmitiu o nome do cego (Mc 10,46: Bartimeu), mas do chefe dos cobradores. Zaqueu era “muito rico”, como “certo homem de posição” que não seguiu seguir Jesus em 18,18-23.

Os romanos privatizaram a cobrança de seus impostos e a riqueza de Zaqueu procede do seu ofício, desempenhado sem escrúpulos.

Os romanos davam em arrendamento a cobrança de impostos sem exigir outra coisa senão o pagamento pontual da quantidade estipulada. Um chefe de coletores, como intermediário superior, tinha mais ocasiões para enriquecer-se “defraudando” (v. 8): não o fisco, mas os pobres cidadãos que odiavam os cobradores por sua ganância e arbitrariedade, considerando-os pecadores públicos (publicanos, cf. 5,30p; 15,2; Mt 5,46; 18,17; 21,32).

Zaqueu procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia, por causa da multidão, pois era muito baixo. Então ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali (vv. 3-4).

Zaqueu deseja ver Jesus, e sua curiosidade não parece apenas superficial. De alguma maneira, também ele se pergunta (como Herodes e melhor que ele, cf. 9,9), quem é esse homem de Nazaré. A psicologia nos ensina que procuramos compensar nossos defeitos ou deficiências. Zaqueu queria compensar sua baixa estatura com o acúmulo de dinheiro para aparecer como gente grande? Nenhum judeu iria deixá-lo à frente, portanto ele sobe numa figueira, o homem rico de posição comporta-se como um menino de rua.

Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse: ”Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa” (v. 5).

A Bíblia do Peregrino (p. 2518) comenta: Jesus se adianta, sai ao seu encontro (Sl 59,11; 79,8), pede pousada a um pecador. Talvez a vinheta do homem muito rico e muito baixinho, que sobe numa árvore, seja irônica. A cena ganha com isso interesse, já que Jesus tem que falar-lhe “olhando para cima”. Jesus o chama pelo nome, como se o conhecesse, como se houvesse descido expressamente para visitá-lo.

As visitas e as hospedagens têm um lugar importante em Lc (cf. 1,39-56; 6,29-32; 7,36-50; 951-56; 10,34s.36-42; 11,37; 14,1-24; 22,7-27; 24,28-32). Em Lc, “hoje” (vv. 5.9) é termo significante para salvação (cf. 2,11; 4,21; 5,26; 23,43; cf. Mc 1,15); o plano de salvação “deve” se realizar (cf. 9,22.44s; 18,31-33; 24,26.44) e “ficar” (cf. 7,36; 11,37; 24,29; At 16,15; Mt 28,20 etc.).

Ele desceu depressa, e recebeu Jesus com alegria. Ao ver isso, todos começaram a murmurar, dizendo: ”Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!” (vv. 6-7).

Zaqueu obedece contente, reage “depressa” e “com alegria” (como os pastores de Belém, cf. 2,10.16). A Bíblia do Peregrino (p. 2518) comenta: É uma honra Jesus se hospedar em sua casa: como a arca na casa de Obed-Edom e de Davi (2 Sm 6), como pede o autor de um salmo: “Quando virás à minha casa?” (101,2). Mas o fato provoca uma reação contrastada, em triângulo: os presentes, Zaqueu, Jesus.

Também noutro banquete na casa de Levi (5,29-32, também coletar de impostos), os presentes começaram a “murmurar” (5,30; 15,2; cf. Ex 15,24; 16,2; 17,3; Nm 11,4s; 14,2s) e se escandalizam (só não agridem como em 4,28s), pois o importante é observar as normas da pureza legal. Zaqueu poderia ter reagido como o centurião: “Não sou digno de que entres em minha morada” (cf. 7,6p), mas Zaqueu era judeu, não pagão e sua alegria era demais, apresenta outra reação em seguida.

Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: ”Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais.” (v.8)

A generosidade de Zaqueu mostra que ele recebeu o perdão e a salvação (cf. o amor da pecadora perdoada em 7,47)

A resposta de Zaqueu quer mostrar que o pecador tem se convertido de verdade; ele dá metade dos bens aos pobres. Os mestres da lei exigiam somente 20% do total dos bens como entrada e depois 20% da renda anual. Para restituição de bens adquiridos de maneira ilegítima (extorsão, fraude etc.), previa-se o valor correspondente mais um quinto (Lv 5,20). Zaqueu faz devolução generosa, acima do duplo que a lei exige em caso de roubo (Ex 22,1-4), mesmo segundo o cálculo de Davi, “quatro vezes” (2Sm 12,6). A lei judaica (Ex 21,37) só previa restituição ao quádruplo para um só caso (roubo de boi ou ovelha); a lei romana a impunha para todos os furtos manifestos. Zaqueu amplia para si mesmo essa obrigação a todos os prejuízos que tenha podido causar. À maneira de expiação, reparte a metade da sua fortuna com os pobres e fica com o resto. Não se desprende de “tudo” para seguir Jesus, pois não foi chamado como Levi em 5,27s (cf. 5,11p; 12,33; 14,33; 18,22).

Assim a tradição cristã caracteriza a exigência da pobreza (e da castidade e obediência) como “conselho evangélico” para alguns eleitos (padres, monges, freiras), não como lei para todos. A doutrina social da Igreja, declara legítima a propriedade particular, mas não a isenta de suas obrigações sociais e ambientais.

Jesus lhe disse: ”Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (vv. 9-10).

Jesus faz a declaração final, mais uma vez com o termo significativo “hoje” (v. 5). A Bíblia do Peregrino (p. 2518) comenta: Um profeta (Trito-Isaías), sem definir data, anunciava: “Praticai a Justiça, pois minha salvação está para chegar” (Is 56,1). Jesus declara: Hoje chegou, porque ele é o Salvador que veio “buscar o que estava perdido” (Ez 34,7).

Zaqueu era uma ovelha perdida que pertence ao rebanho, ao povo eleito; o bom pastor o procurou e todos devem se alegrar, porque foi resgatado (cf. Lc 15). Como a um “filho de Abraão” (cf. 13,16), cabe a ele e à sua casa a promessa de salvação, apesar da profissão desprezada que exerce (v. 7; 5,30; 7,34; 15,1). Nenhum estado é incompatível com a “salvação” (cf. 3,12-14).  A qualidade de “filho de Abraão” é que conferia aos judeus todos os privilégios (cf. 3,8; Rm 4,11s; Gl 3,7s). Jesus inclui os doentes (leprosos) e deficientes (cegos), os pecadores (cobradores de impostos, prostitutas, ladrão na cruz) e pagãos (centurião, Atos dos Apóstolos) na salvação.

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos mostra os passos que todos nós devemos dar no caminho da conversão. Inicialmente, Jesus nos provoca o desejo de conhecê-lo e nós, respondendo a essa provocação, procuramos vê-lo de alguma forma. Então Jesus entra na nossa vida e nós, porque alegremente o acolhemos, fazemos a experiência da sua companhia e da sua amizade através da intimidade da experiência interior, o que nos faz vislumbrar os verdadeiros valores que nos fazem felizes, de modo que procuramos viver o amor fazendo o bem e reparando o mal que praticamos. Assim, Jesus nos encontra quando estamos perdidos e nos possibilita trilhar o caminho da salvação. 

 

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