16 de setembro de 2017 – Sábado, 23ª semana

Leitura: 1Tm 1,15-17

Continuamos com a primeira das cartas pastorais, ou seja, dirigidas a pastores e não a comunidades (1-2Tm; Tt). Timóteo era discípulo e companheiro de Paulo (cf. At 16,1-3), mas a carta foi escrita mais tarde, na terceira geração cristã por outro discípulo em nome de Paulo (cf. introdução no comentário de ontem).

Segura e digna de ser acolhida por todos é esta palavra: (v. 15a)

A leitura começa com uma fórmula típica destas cartas pastorais (1,15; 3,1; 4,9; 2Tm 2,11; Tt 3,8): “Merece confiança, esta palavra” (“Segura e digna… é esta palavra”). Com ela se garante enfaticamente o valor do que se afirma ou cita. A frase se encontra quase literalmente em Lc 15,2; 19,10; Mt 9,13.

Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores (v. 15b)

Em meio à confusão de idéias e interpretações, é importante voltar sempre ao sentido profundo e primeiro do Evangelho: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores”, cf. o resumo em Jo 3,17: “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar (julgar) o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”. A salvação, portanto, é ato de graça e se confirma como graça abundante porque é oferecida gratuitamente aos pecadores, isto é, a todos aqueles que jamais poderiam merecê-la.

E eu sou o primeiro deles! Por isso encontrei misericórdia, para que em mim, como primeiro, Cristo Jesus demonstrasse toda a grandeza de seu coração; ele fez de mim um modelo de todos os que crerem nele para alcançar a vida eterna (vv. 15c-16).

Paulo é exemplo vivo do Evangelho da graça. Paulo é apresentando como “modelo de todos os que crerem”, esperançoso para outros, enquanto que Paulo nas cartas antigas propunha como exemplo a fé de Abraão (Rm 4; Gl 3).

O povo de Deus não é formado por pessoas que nunca erraram, mas por pecadores que se convertem e são salvos por pura graça. Os atributos clássicos de Deus (cf. Ex 34,6), compaixão (misericórdia) e paciência (grandeza de coração), são atribuídos a Cristo com toda a naturalidade. A salvação (“alcançar a vida eterna”) se obtém pela fé em Jesus Cristo.

Ao Rei dos séculos, ao único Deus, imortal e invisível, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém! (v. 17).

O primeiro título desta doxologia (fórmula de louvor), “rei dos séculos”, se encontra em Tb 13,1.6(7).11(13), os “séculos” podem ser as eras da história.

Evangelho: Lc 6,43-49

Ouvimos hoje a conclusão do sermão da planície que termina de forma semelhante ao sermão da montanha em Mt. Ambos os evangelistas, Mt e Lc, copiaram da mesma fonte Q (uma coleção de palavras de Jesus que se perdeu na história, mas pode ser reconstruída através de Mt e Lc). A terceira parte do sermão não apresenta mais imperativos proféticos, mas parábolas (vv. 39-49). Depois da metáfora da vista (guia cegos; cisco e trave no olho, vv. 39-42), continua com outras comparações.

Não existe árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons. Toda árvore é reconhecida pelos seus frutos. Não se colhem figos de espinheiros, nem uvas de plantas espinhosas. O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração. Mas o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio. Por que me chamais: “Senhor! Senhor!”, mas não fazeis o que eu digo? (vv. 43-46).

Não se quer dar um ensino sobre diferentes espécies de “árvores”, mas oferecer uma regra para discernir os espíritos. A comparação com os “frutos” é tradicional (Eclo 27,6; Pr 1,31; 3,9; 10,16; 11,30; 31,3; Tg 3,12.17; cf. também a parábola de Joatão em Jz 9, a de Isaias em Is 5). Podem ser as ações ou os efeitos da pregação (cf. Jr 8,11; Ez 13,10), em Mt, dos falsos profetas e em Lc, talvez falsas doutrinas (cf. At 20,29s).

Mt usou este material duas vezes (Mt 7,16-18; 12,33-35), aplicando-o aos profetas falsos (ou seja, os fariseus, cf. Mt 7,15) e sublinhando o juízo final (Mt 7,19.22s; 12,36s). Em Lc, há um sentido mais geral: O interior (coração) de um homem (qualidade da árvore) determina suas palavras e ações (frutos, cf. 8,15). O “coração” como centro e fonte de expressão humana está cheio de preciosidades como um “tesouro” (cf. Mt 13,52 coisas novas e velhas do tesouro). As palavras boas ou más revelam o coração de um homem, seu pensamento interior.

Em v. 45, Lc destaca as palavras da boca que revelam o coração, enquanto no v. 46 (com Mt 7,15-20) frisa as ações que não correspondem as orações. As palavras da boca podem estar distante do coração.

Invocar Jesus como “Senhor” é profissão solene de fé (cf. At 2,36; Fl 2,11), mas não basta invocar só pela boca, nem duas vezes (“Senhor, Senhor”; cf. Mt 7,21). Para Paulo e João, confessar Jesus como Senhor é importante, mas o critério é o amor-caridade (1Cor 12,3; 13; 1Jo 3,10; 4,2). A aclamação dupla lembra a liturgia; na sua comunidade, Lc vê uma distância entre fé e vida, palavra e ação? Não fazem o que Jesus diz (neste sermão)?

Na descrição do juízo final de Mt 25,31-46 são enumeradas as ações que qualificam o autêntico reconhecimento de Jesus como Senhor: as obras da misericórdia e do amor ao próximo. Em Lc, o sacerdote e o levita, ambos vindo de Jerusalém (do culto), não ajudaram a vítima do assalto no caminho, mas um samaritano teve compaixão e ajudou (10,25-37).

Vou mostrar-vos com quem se parece todo aquele que vem a mim, ouve as minhas palavras e as põe em prática (v. 47).

O caminho da salvação para o discípulo é “vir” a Jesus (14,26; Mt 11,28; Jo 6,35.37 etc.), “ouvir” suas palavras (o anúncio do reino; cf. 10,38-42) e as “pôr em prática” (cf. 8,15). Não se trata de cumprir a lei ou os mandamentos, mas da adesão na fé com todas as consequências. Não o louvor pela boca, mas a prática das suas palavras é reconhecer, de verdade, a autoridade (“Senhor”) de Jesus (v. 46).

É semelhante a um homem que construiu uma casa: cavou fundo e colocou o alicerce, porque estava bem construída. Aquele, porém, que ouve e não põe em prática, é semelhante a um homem que construiu uma casa no chão, sem alicerce. A torrente deu contra a casa, e ela imediatamente desabou e foi grande a ruína dessa casa” (vv. 48-49).

Era costume semítico de encerrar com uma parábola. Semelhante aos finais das leis da santidade (Lv 26) e do Deuteronômio (Dt 30,15-20), o término do sermão da montanha/planície (e já sua fonte Q, cf. Mt 7,24-27) coloca os ouvintes diante de uma grande escolha, aqui em forma de parábola sobre a construção. No início, Lc entra com mais detalhes do que Mt: o homem “cavou fundo” (até encontrar a rocha sólida) e “colocou o alicerce”. Na segunda parte, a descrição da “torrente” em Lc tem menos detalhes que Mt. A imagem de um rio transbordando em enchente representa o julgamento final (cf. o dilúvio em Gn 7-8). Pode-se ler a comparação sobre o pano de fundo de Ez 13,10-14, que fala da construção fraca que é derrubada pelo aguaceiro.

Para os judeus, o alicerce da casa (ou seja, do projeto de vida) é a lei (que Jesus interpreta da forma nova em Mt 5). Para os cristãos, é a prática das palavras de Jesus. Apenas o conhecimento das suas palavras leva a perdição, tudo depende da obediência. O sermão da planície é mais escatológica que o sermão da montanha de Mt, mostrando certa urgência. Ao ouvinte que deve lembrar-se dos assuntos centrais deste sermão (amar os inimigos, não vingar-se nem julgar) é oferecido a salvação, mas preciso decidir-se e praticar.

O site da CNBB comenta: Podemos falar muitas coisas a respeito dos valores que devem nortear as nossas vidas e dos fundamentos mais profundos desses valores, porém o maior discurso que nós podemos fazer sobre o Reino de Deus e a Vida Nova em Cristo é o discurso da vida, uma vez que a nossa vida expressa o que de fato cremos e que valores de fato temos. Se temos uma vida marcada pelo amor e pela solidariedade, na busca da justiça e da fraternidade, é porque de fato a nossa fé é verdadeira, que possui o seu alicerce na verdadeira rocha, que é o próprio Jesus.

Diferente: Evangelho: Lc 6,43-49

No evangelho Lc conclui o sermão da planície com uma comparação agrária (árvore) e outra urbana (casa), na combinação clássica daquela cultura (cf. Jr 1,10); entre as duas, uma comparação doméstica (baú, tesouro). Nelas sintetiza a importância decisiva da interioridade e a necessidade da traduzir o ensinamento em conduta prática.

Cada árvore dá fruto segundo sua espécie e qualidade. Pelo fruto identificamos a árvore (Tg 3,12). Assim como as árvores são conhecidas pelos frutos, do mesmo modo os homens são conhecidos pelos seus atos. O tesouro pode ser o depósito, a adega ou despensa. No homem é a intimidade, o coração como sede da vida consciente e livre. Referindo à boca, à palavra, o provérbio se aplica a quem ensina; mas seu alcance é mais amplo. Segue-se a necessidade de ir assimilando e acumulando coisas boas para partilhá-las com outros no momento oportuno. No plano da imagem, “senhor” é o patrão: pouco vale que o criado diga “sim, senhor”, se depois não cumpre as ordens (Ml 1,3; Mt 21,28-32). No tempo em que Lucas escreve Senhor é título de Jesus; era muito importante reconhece-lo e confessá-lo (Rm 10,9), o que supõe a assistência do Espírito Santo (1Cor 12,3). Contudo, a invocação pode esvaziar-se de sentido, se não conduz a cumprir seus ensinamentos.

A comparação conclui todo o discurso à maneira de exortação. Todo o ensinamento de Jesus é para a vida; se fica na simples informação, sem se traduzir em obras, carecerá de fundamento para ele. Também insinua que a construção da vida cristã estará ameaçada de fora. Se o edifício é valioso, sua ruína será terrível. Quem põe em prática a mensagem de Jesus, constrói a vida pessoal e comunitária sobre alicerce firme, que resiste à alienação, aos conflitos e até mesmo à perseguição. Quem fica somente no ouvir ou no falar, jamais colabora na construção de nova sociedade.

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