17 de abril de 2016 – Tempo pascal 4º Domingo Ano C

1ª Leitura: At 13,14.43-52

Nos domingos passados ouvimos do crescimento e da perseguição da Igreja primitiva em Jerusalém sob a liderança de Pedro. Hoje e no próximo domingo ouvimos da primeira viagem missionária de Paulo acompanhado por Barnabé que era natural da ilha de Chipre e estimado pelos apóstolos em Jerusalém (5,35-37). Foi ele que introduziu o recém convertido Saulo/Paulo aos apóstolos (9,27) e juntos evangelizaram em Antioquia onde os discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos (11,22-26). A leitura de hoje marca a passagem do evangelho anunciado aos judeus, agora aos pagãos.

Paulo e Barnabé, partindo de Perge, chegaram a Antioquia da Pisidia. E, entrando na sinagoga em dia de sábado, sentaram-se (v. 14).

O primeiro destino da viagem foi a ilha de Chipre (vv. 4-13), depois foram ao litoral da atual Turquia subindo cerca de 100 km a uma região no interior chamado Pisídia. Lá havia outra cidade chamada Antioquia. Não confundir com Antioquia no rio Orontes (11,19-30), capital da província romana da Síria (hoje Antiaka no sul da Turquia na divisa com o Líbano e a Síria) que se tornou o segundo centro missionário depois de Jerusalém. Foi lá que Barnabé e Saulo foram escolhidos para sua viagem missionária (13,1-3; será ponto de partida também nas outras duas viagens de Paulo).

Desde 13,9, o narrador chama Saulo de “Paulo”. A mudança de nome não se deve à conversão e ao batismo, mas os judeus costumavam adotar outro nome mais comum no mundo greco-romano (cf. 1,23; 9,36; 13,1), como também João Marcos, o primo de Barnabé (Cl 4,10), que os acompanhou até Chipre, mas quando chegaram à Panfília (sul da Turquia), separou-se deles e voltou a Jerusalém (12,12.25; 13,5.13; cf. 15,37-39).

Paulo não é mais assistente de Barnabé (cf. 11,25s.30; 12,25; 13,1), mas aparece agora em primeiro lugar como líder da missão (cf. v. 43).

Chegando a um lugar, Paulo costuma procurar a sinagoga para iniciar sua pregação sobre Cristo primeiramente aos judeus (cf. 9,20; 13,5, 14,1; 16,13; 17,1s.10.17; 18,4.19; 19,8; 28,17.23), seu povo eleito e conhecedor das Escrituras (cf. Rm 9,4s; 15,4).

No culto das sinagogas no sábado, depois da leitura da lei e dos profetas, seguia-se o comentário ou a homilia. Qualquer judeu presente podia propor seu comentário e os visitantes são convidados a falar (cf. Lc 4,16-30), aqui Paulo e Barnabé (v. 15). Por motivo de brevidade, nossa liturgia omite todo este discurso de Paulo (vv. 16-41) e apresenta apenas o resultado:

Muitos judeus e pessoas piedosas convertidas ao judaísmo seguiram Paulo e Barnabé. Conversando com eles, os dois insistiam para que continuassem fiéis à graça de Deus (v. 43).

Não só os judeus, mas também “prosélitos adoradores” (lit. traduzidos aqui: “pessoas piedosas convertidas ao judaísmo”) acorriam as sinagogas (cf. 2,11; 10,2; 13,50; 16,14; 17,4.17; 18,7). A Tradução Ecumênica da Bíblia (pág. 2130) comenta: Esses ambientes de incircuncisos que participavam da fé judaica deve ter fornecido membros bastante numerosas às comunidades paulinas.

No discurso anterior na sinagoga, Paulo afirmou: “É por ele (Cristo) que vos é anunciada a remissão dos pecados, Com efeito, de todas as coisas das quais não pudestes obter a justificação pela lei de Moisés, por ele é justificado todo aquele que crê” (vv. 38s). Então é pela graça de Deus e a fé que o ser humano se salva, não pelas obras da lei judaica (cf. Gl 2,16; Rm 3,21-26).

A homilia de Paulo causou um impacto e Paulo e Barnabé foram convidados a falar mais no sábado seguinte (v. 42). A “graça” (misericórdia e benevolência, não a dureza da lei) de Deus é um tema principal nas cartas de Paulo (cf. Rm 5,1.15-21; 1Cor 15,10; Gl 5,4 etc.) que introduz muitas das suas cartas com a saudação “graça e paz”.

A Bíblia do Peregrino (pág. 2662) traduz graça por “favor” e comenta: Apesar do dito sobre a lei de Moisés, a primeira reação dos ouvintes e favorável. Ao menos como curiosidade de continuar escutando. Por enquanto não lhe fecham a sinagoga como lugar de pregação (cf. Am 7,12-13)… Paulo e Barnabé dariam mais explicações, responderiam perguntas. Despedem-se convidando-os a serem fieis ao “favor” que Deus está lhe fazendo com a mensagem do evangelho.

No sábado seguinte, quase toda a cidade se reuniu para ouvir a palavra de Deus. Ao verem aquela multidão, os judeus ficaram cheios de inveja e, com blasfêmias, opunham-se ao que Paulo dizia (vv. 44-45).

O êxito dos pregadores será sua fatalidade. Porque a notícia foi difundida e comentada e no sábado seguinte, quase “toda a cidade” quer escutar os novos pregadores e ouvir esse discurso tão novo “sobre o Senhor” (no v. 44 há variações de texto: “a palavra do Senhor”, ou “Paulo, que discorreu longamente sobre o Senhor”).

Entre prosélitos e pagãos, deixam em minorias os judeus, que sentem “inveja” do sucesso dos recém chegados, de seu novo ensinamento de perder o privilégio de povo escolhido (cf. Rm 10,19; 11,11.14). Então enfrentam os pregadores com argumentos e “insultos” (igual aos habitantes de Jerusalém com suas autoridades) ou “blasfêmias” (se atacavam também ao Cristo que Paulo anunciava).

Os judeus não aceitam ter de partilhar com os pagãos sua condição do povo do Senhor. Fecham-se no seu particularismo e rejeitam a mensagem universalista (católica = para todos).

Então, com muita coragem, Paulo e Barnabé declararam: “Era preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vós. Mas, como a rejeitais e vos considerais indignos da vida eterna, sabei que nos vamos dirigir aos pagãos. Porque esta é a ordem que o Senhor nos deu: ‘Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra’“ (vv. 46-47)

Paulo e Barnabé tomam posição e a declaram abertamente. Esta ideia de “intrepidez” ou de ousadia e confiança, já sublinhada a propósito dos apóstolos (4,13.29.31), volta de modo insistente, quando se trata de Paulo (9,27-28; 14,3; 19,8; 26,26; 28,31); a mesma insistência nas cartas do próprio Paulo (1Ts 2,2; 2Cor 3,12; 7,4; Fl 1,20; cf. Ef 3,12; 6,19-20).

A descrença dos judeus e sua rejeição são um tema frequente nos Atos; a mesma passagem para os pagãos em 18,6 (cf. 19,8s) e 28,17.28. Os adversários se tornam “indignos da vida eterna” que se alcança só pela fé em Jesus (cf. v. 48).

O que Paulo e Barnabé dizem aqui, como caso particular, vai converter-se num programa de evangelização: pregar primeiro aos judeus (13,5.14; 14,1; 16,13; 17,10.17; 18,4.19; 19,8; 28,17.23), ser rejeitados, dirigir-se aos pagãos (13,46; 18,6; 28,28); até a declaração definitiva com a qual se encerrará o livro (28,26-28).

Também para a missão universal podem alegar uma profecia (Is 49,6) dirigida pelo Senhor a seu Servo (a Jesus, segundo Lc 2,32), escutada agora como dirigida aos pregadores do evangelho (cf. 26,17; Gl 1,15s).

A Bíblia de Jerusalém (pág. 2075) comenta a citação livre de is 49,6 segundo a tradução grega do AT (LXX): O texto pode ser entendido seja em referência ao próprio Paulo (cf. 26,17-18), apóstolo e doutor dos gentios (cf. Rm 11,13; 1Tm 2,7; Ef 3,8 etc), seja enquanto concerne a Cristo ressuscitado (cf. 26,23, que parece igualmente depender de Is 49,6 e Lc 2,32, tributário esse também de Is 49,6.9); ele é a luz das nações, mas de fato iluminará as nações somente graças ao testemunho dos apóstolos (At 1,8). Assim a profecia é também uma ordem para o Apóstolo que deve assegurar seu cumprimento.

Os pagãos ficaram muito contentes, quando ouviram isso, e glorificavam a palavra do Senhor. Todos os que eram destinados à vida eterna, abraçaram a fé. Desse modo, a palavra do Senhor espalhava-se por toda a região (vv. 48-49).

A Bíblia de Jerusalém (pág. 2075) comenta: “Destinados à vida eterna” é um modo de dizer “escolhidos”; equivale a “escritos no céu” (Lc 10,20). “A vida eterna” (cf. v. 46), isto é, a vida do século futuro (cf. 3,15); a ela chegarão só aqueles cujos nomes “estão escritos no céu” (Lc 10,20), no livro da vida (Fl 4,3; Ap 20,12). “Destinados a vida do mundo futuro”, expressão corrente entre os rabinos. Na doutrina cristã, esta predestinação à gloria implica primeiro a fé em Cristo. Ver Jo 10,26; Rm 8,28-30 e já At 2,39.

O evangelho (boa notícia) é “palavra do Senhor” acerca do Senhor (v. 48 variação: “palavra de Deus”). A boa notícia infunde alegria (cf. v. 52 etc.) e os convertidos se tornam difusores do evangelho entre os pagãos (cf. Mc 8,20p).

Mas os judeus instigaram as mulheres ricas e religiosas, assim como os homens influentes da cidade, provocaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé e expulsaram-nos do seu território. Então os apóstolos sacudiram contra eles a poeira dos pés, e foram para a cidade de Icônio (vv. 50-51).

“Mulheres piedosas” são aqui simpatizantes ou adeptas do judaísmo, junto com “homens influentes” são as autoridades da cidade que decretam e executam a expulsão dos visitantes que representam com o gesto tradicional (Lc 9,5; 10,11p).

Os discípulos, porém, ficaram cheios de alegria e do Espírito Santo (v. 52).

A “alegria” resulta da fé (2,46; 8,8.39; 13,48.52; 16,34; cf. 5,41; Lc 1,14.28.46.58; 2,10; 10,17.20; 13,17; 15,7.32; 19,6.37; 24,41.52; Rm 15,13; Fl 1,4.18.25; 2,2.17s.28s; 3,1; 4,1.4.10). Embora a cidade esteja representada pelas autoridades, ficam nela muitos “discípulos”, e neles a presença ativa do Espírito Santo. Ou o termo se refere aqui a Paulo e Barnabé que se alegram por terem sido dignos de sofrer pelo nome de Jesus (como Pedro e os apóstolos em 5,41).

 

2ª Leitura: Ap 7,9.14b-17

Continuamos a leitura do Apocalipse com seu estilo simbólico. Na leitura do domingo passado, o Cordeiro (Jesus) foi considerado digno de abrir os sete selos do livro que revela o futuro (na verdade, Deus como Senhor da história que vence a presente perseguição dos cristãos, cf. cap. 5). Abriu os primeiros quatro selos e apareceram quatro cavalos (simbolizando guerra, inflação e fome); o quinto selo mostrou as vidas dos mártires que receberam veste brancas e clamam “Até quando, Senhor…”. Ao abrir o sexto selo houve um terremoto, anunciando o Dia Grande da ira de Deus (cap. 6).

O cap. 7 interrompe a sequência dos selos, para indicar que vale a pena resistir e manter a fidelidade. O povo fiel, que vem de todo os cantos, é aquele que faz o caminho trilhado pelo Cordeiro. Os primeiros versículos respondem à pergunta feita em 6,17, sobre quem pode escapar da ira de Deus e do Cordeiro: “Quem poderá ficar de pé?” (Sl 76,8; 13,3). A Bíblia do Peregrino (pag. 2953) comenta: Este capítulo dá a resposta. Antes do sétimo selo, da grande conflagração, há um episódio de seleção e preservação, exatamente segundo o esquema de Ez 9, ou seja, a marca dos inocentes. Repete-se o esquema de Ex 12, a marca das moradias protegidas do extermínio; o esquema de Noé salvo na arca (Gn 6-8); o esquema da escatologia (Is 26,20-21). Ora, se em tais textos se tratava de uma proteção interna, o Apocalipse liga a proteção ao destino glorioso definitivo, contemplado em visão

Eu, João (lit.: Depois disso), vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro; trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão (v. 9).

Em vez do costumeiro “naquele tempo”, nossa liturgia introduz a leitura com a auto- apresentação do autor do Ap, cujo nome é “João” (cf. 1,4.9). Como o estilo deste livro é tal diferente do quarto evangelho, não supomos o mesmo autor.

Nossa liturgia omitiu a marcação dos servos de Deus cujo número é 144.000 (=12x12x1000), ou seja, a plenitude de todas as 12 tribos de Israel vv. 1-8; cf. Ez 9). Mas os eleitos não são apenas os israelitas.

Desta vez, é a “multidão” imensa e universal dos cristãos, “de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas” (cf. Mt 28,19; At 1,8; 2,9-11; Rm 16,26; Ef 3,6 etc.), são os mártires já em posse da felicidade celeste (v. 14; 15,2-4).

Eles vestem uma roupa e empunham um emblema. Estão preparados para a grande liturgia, segundo as “palmas”, ou seja, os “ramos” mencionados em Sl 118,27 (alusão a festa das Tendas, Lv 23,40), e os da entrada real de Jesus em Jerusalém (Mc 11,9p, Domingo de “Ramos”). Os ramos de palmeira tornaram-se atributo simbólico das imagens dos mártires porque dando sua vida participam da paixão de Cristo.

As palmas do triunfo evocam a alegre festa das Tendas (no v. 15, a tenda de Deus torna-se sua moradia, cf. 21,3; Lv 23,33-43 etc.). Durante esta festa o povo entrava em cortejo no recinto do Templo agitando palmas e cantando o Sl 118, cujo v. 25 contém esta prece: “Salva-nos agora (em hebraico: Hosana)!”, a qual talvez corresponda aqui o v. 10 (aqui omitido), em que todos cantam a vitória ou “salvação” (Ex 15,2; Sl 74,12; 118,15; Is 56,1 etc.) do entronizado (Sl 47,9; cf. Sl 118,25). Nossa liturgia omitiu uma nova aclamação de outra multidão no céu, de todos os anjos, dos quatro Seres vivos e dos anciãos (vv. 12s; cf. caps. 4-5 e a leitura do domingo passado).

Então um dos anciãos me disse: “Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro (vv. 13-14b).

 

Nossa liturgia omitiu a pergunta didática deste ancião (vv. 13-14a: “Quem são…?”) e já apresenta sua resposta.

A “grande tribulação” é uma perseguição violenta até o martírio (Mt 24,21), é uma participação na paixão de Cristo. Trata-se da provação escatológica (cf. Dn 12,1; Mt 24,21; Mc 13,19; Ap 3,10; 21,14), da qual as perseguições são uma manifestação. Das perseguições pelos romanos, a de César Nero (cujo número em hebraico é 666, cf. 13,18) era o protótipo da de Domiciano (95 d.C.). Enquanto Nero só perseguia os cristãos em Roma em 64-67 d.C. (matando Pedro e Paulo, cf. as duas testemunhas em 11,7-8), Domiciano os persegue em todo império em 95 d.C. (provável data da redação do Ap, cf. 1,9 e o cap. 13). Uma pesquisa recente, porém, sustenta que o perseguidor seja o imperador Trajano (98-117).

A Bíblia do Peregrino (pág. 2954) comenta: O paradoxo de “alvejar no sangue” (limpar em 1Jo 1,7) revela o caráter intelectual da imagem. Is 1,18 contrapôs púrpura e neve; Is 63,3 disse que o sangue (do inimigo) mancha a roupa. O autor parece adaptar a bênção de Judá: “Lava sua roupa em vinho e sua túnica no sangue de uvas” (Gn 49,11).

O sangue simboliza a eficácia expiatória da morte de Jesus (Rm 3,25s; 1Cor 11,25; Ef 1,7; etc.). Este dom é aceito aqui por aqueles que recebem seus efeitos. O sacrifício (sangue) de Cristo na cruz perdoou os nossos pecados (cf. Is 53; Mt 26,28; Jo 19,34), nos justifica e purifica.

Por isso, estão diante do trono de Deus e lhe prestam culto, dia e noite, no seu templo. E aquele que está sentado no trono os abrigará na sua tenda. Nunca mais terão fome, nem sede. Nem os molestará o sol, nem algum calor ardente. Porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes da água da vida. E Deus enxugará as lágrimas de seus olhos” (vv. 15-17).

Os mártires alcançaram a salvação definitiva e se juntam a liturgia celeste (Ap 4-5). “Os abrigará na sua tenda (ou “habita” ou “acampa”; o mesmo verbo grego também em Jo 1,14). Durante a festa das Tendas (cf. v. 9), o povo judeus mora em tendas (cabanas). Doravante os eleitos são introduzidos na própria tenda de Deus. Isso e as promessas seguintes antecipam a presença de Deus no meio deles na cidade celeste da nova Jerusalém (21,2-4.23; 22,17). São imagens correntes na tradição profética para simbolizar a felicidade escatológica (cf. Os 2,20-25; Is 11,6-9).

Sobre os eleitos se acumulam os bens prometidos em Is 49,10 (volta do exilio); Sl 23; Is 25,8 (escatologia). Até o paradoxo do cordeiro que faz o papel de Pastor (Jo 10), como depois também no cap. 14: “O cordeiro estava de pé sobre o monte Sião com os 144.000 que traziam escrito sobre a fronte o nome dele e do seu Pai… Estes seguem o Cordeiro, onde quer que ele vá” (14,1.4). No livro todo, o autor do Ap alterna imagens catastróficas com visões da liturgia celeste, não numa cronologia linear, mas numa subida espiral que retoma imagens anteriores num outro nível.

A Nova Bíblia Pastoral (pág. 1514) comenta o capítulo: A segunda parte (vv. 9-17) insiste na resistência diante das perseguições; assim acontece a identificação com o Cordeiro. A salvação é apresentada através daquilo que mais importa: a morada de Deus entre os seres humanos que lhe são fieis, e a superação da dor e do sofrimento.

 

Evangelho: Jo 10,27-30

O quarto domingo da Páscoa é o dia mundial da oração pelas vocações. Por isso apresenta-se um trecho do discurso do bom pastor no evangelho de Jo (10,1-29), e no ano C, o final deste.

Nossa liturgia omitiu o contexto. No início deste discurso, Jesus se apresentou como porta (acesso legítimo) para o redil das ovelhas contrastando os ladrões que entram roubando (vv. 1-10) e depois disse “Eu sou o bom pastor…” (vv. 11-18). Todas as culturas antigas conhecem esta metáfora de pastor e rebanho que descreve a relação rei e povo. Hoje vivemos na democracia e não nos vemos como ovelhas, mas como pessoas autônomas, cidadãos conscientes que decidem o destino do pais com seu voto. Mas na época, o povo era como o rebanho que depende do pastor. Declarando-se bom pastor, Jesus se declara messias (rei) legítimo de Israel.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (pág. 1067) comenta: A imagem do “Pastor” que conduz e protege o rebanho fora aplicada, no AT, ora a Deus (Sl 23,1; Is 40,11; Jr 31,9), ora ao rei messiânico (Sl 78,70-72; Ez 37,24), ora aos responsáveis por Israel (Jr 2,8; 10,21; 23,1-8; Ez 34). Ela é utilizada muitas vezes nos evangelhos sinóticos (Mc 6,34; 14,27; Mt 9,36; 18,12-13; 25,32; 26,31; Lc 15,3-7). Jesus realiza perfeitamente a função pastoral a medida que o Filho do Homem participa da condição dos homens para conduzir à vida eterna.

(Naquele tempo, disse Jesus:) As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem (v. 27)

Em v. 22 começa outra parte do discurso provocado pelos judeus (adversários fariseus que representavam o povo judeu na época de Jo) na ocasião da festa de hanukka (Dedicação do Templo, realizada por Judas Macabeus em 160 a.C. depois da profanação pelo rei seleucida Antíoco Epífanes IV; cf. 1Mc 4,36-59; 2Mc 1,9.18; 10,1-8).

A Bíblia do Peregrino (pág. 2014) comenta: Os chefes o rodeiam, o assediam, exigem dele uma resposta inequívoca sobre a sua condição de Messias (recorde-se o interrogatório de João Batista, 1,19-28). Como o título Messias é ambíguo, Jesus o evita e dá em troca o conteúdo da sua missão, que é dar vida eterna e proteger e agir em nome do Pai. As obras que realiza (5,36) são a garantia de sua missão. Em síntese, essas obras são o poder de Deus posto a serviço do homem necessitado. Se não se deixaram convencer é porque não são “ovelhas suas” (embora ele continue sendo o Pastor, cf. Is 30,21).

 

Na sua resposta, Jesus indica suas obras feitas em nome do seu Pai, mas: “Vós não credes porque não sois das minhas ovelhas” (v. 26). Em Jo, encontramos certo determinismo, a fé (escutar a voz e seguir) é dom de Deus. Os que não creem (os judeus) ou os que se afastaram do rebanho (cristãos dissidentes que saíram da comunidade), na verdade, nunca pertenciam ao rebanho verdadeiro e a Jesus. Quem realmente é ovelha de Jesus, permanece.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (pág. 1068) comenta: Jesus exprimiu-se claramente, mas a incompreensão do verdadeiro caráter da sua missão provem da falta de fé e, mais profundamente, do fato de não de pertencer ao rebanho que o Pai lhe preparava (cf. 6,60-64; 8,24-59).

Já em vv. 3-5 e vv. 14s, se destaca o relacionamento mútuo: o bom pastor conhece as ovelhas e as chama (uma por uma, conduzindo-as); as ovelhas “escutam” e “conhecem a voz” do bom pastor e “seguem”. Assim também Jesus e o Pai se conhecem (v. 15)

A Tradução Ecumênica da Bíblia (pág. 1067) comenta: Na tradição bíblica, o “conhecimento” entre as pessoas implica o amor; o conhecimento que liga Jesus aos seus encontra a sua fonte e a sua plenitude no amor que liga o Filho ao Pai. A morte na cruz é a expressão suprema desse amor (13,1; 15,13).

Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai (vv. 28-29).

Jesus está cumprindo o mandato do Pai (dar-lhes a vida, dando a sua própria, cf. v. 11) e ninguém poderá frustrá-lo. É duvidosa a interpretação do v. 29, há variações: “Meu Pai, o que ele me deu é maior que tudo”, ou: “Meu Pai, que as deu a mim, é maior que todos” ou “Meu Pai, que me deu tudo,…”

Quem deu as ovelhas ao pastor Jesus, é o Pai todo-poderoso (maior que todos). Portanto, nenhuma força terrestre tem a capacidade de suplantar o poder do pastor messiânico, e em consequência, os que nele creem sentem uma perfeita segurança, “ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai” (cf. Is 43,13).

Eu e o Pai somos um (v. 30).

A festa da Dedicação do Templo é o ambiente ideal para Jesus declarar sua unidade com o Pai. Entendendo o corpo de Cristo como Templo (cf. 2,19-22), ou seja, lugar da presença de Deus, não é uma blasfêmia, mas obviamente é entendido assim como se ele se fizesse a si mesmo Deus. Por isso, como reação, “os judeus apanharam pedras para apedrejá-lo” (a punição prevista pela lei em caso de blasfêmia, cf. Lv 24,6).

Este bom pastor Jesus pode proporcionar uma proteção absoluta as suas ovelhas, porque participa sem limite do poder do Pai (cf. 5,17-19). A Bíblia de Jerusalém (pág. 2014) comenta: Pelo contexto, esta afirmação visa, em primeiro lugar, o poder comum de Jesus e do Pai, mas, propositalmente indeterminada, ela deixa entrever um mistério de unidade mais vasto e mais profundo. Os judeus não se enganam, percebendo aí a pretensão de ser Deus (v. 33; cf. 1,1; 8,16.29; 10,38; 14,9-10; 17,11.21 e 2,11).

A Bíblia do Peregrino (pág. 2584) comenta a transformação posterior da fé monoteísta nos dogmas cristãos da Trindade e da Cristologia (um só Deus em três pessoas; em Jesus, há uma natureza divina e outra humana): Conclui com uma afirmação que reflete um estado maduro da fé cristã. “Somos” no plural, “um” no singular neutro. Pai (depois Filho). No contexto refere-se à ação, às obras. A reflexão teológica posterior, meditando sobre esse texto e outros semelhantes, cunhará a formula trinitária das “pessoas” e da “natureza”. Os judeus o consideram blasfêmia (Lv 24,16); o narrador dá a entender que toma no sentido forte o que se coloca a seguir; e por isso contradiz o monoteísmo estrito da fé de Israel.

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