17 de Dezembro de 2020, Quinta-feira: Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (v. 1).

Advento dia 17 de dezembro

Leitura: Gn 49,2.8-10

A partir do dia 17 até o dia 24, leituras próprias nos preparam mais de perto para a festa do nascimento de Jesus; hoje se referem à sua genealogia como descendente de Davi da tribo de Judá. Judá era filho de Jacó e bisneto de Abraão (cf. o evangelho de hoje).

(Naqueles dias,) Jacó chamou seus filhos e disse: (v. 1a)

Esta bênção do patriarca Jacó sobre seu filho Judá que faz parte de uma série de bênçãos sobre os doze filhos de Jacó (numa sociedade patriarcal, Dina, sua única filha, não era levada em conta, cf. Gn 30,21; 34,1-31; 46,15). Como as doze tribos de Israel descendem destes doze filhos (cf. Gn 29,31-30,22; 35,16-26; Ex 1,1-7 etc.), o conteúdo se refere a características de cada tribo (v. 28). O testamento profético do moribundo Jacó tem sido chamado de “bênçãos” por analogia com outras precedentes (Gn 27 e 48), mas trata-se de oráculos (cf. v. 1):

A Bíblia de Jerusalém (p. 101) comenta: o patriarca manifesta – e determina por suas palavras – o destino de seus filhos, isto é, das tribos que levam seus nomes. Os oráculos fazem certamente alusão a acontecimentos da época patriarcal (Rúben, Simeão, Levi), mas descrevem uma situação posterior. A preeminência dada a Judá e a honra feita à casa de José (Efraim e Manassés) indica uma época em que essas tribos desempenham juntas um papel preponderante na vida nacional: o poema, em sua última forma, não pode ser mais tardio que o reino de Davi, mas muitos dos seus elementos são anteriores à monarquia. Seguramente não se pode atribuí-lo a nenhuma das três grandes “fontes” do Gênesis, onde foi inserido tardiamente. – Cf. o quadro das tribos no cântico de Débora (Jz 5), mais antigo, e nas bênçãos de Moises (Dt 33), mais recentes como conjunto.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 72) comenta: Esta bênção vinha logo após 35,26. Não se fala do Egito. Os filhos aqui já representam tribos (v. 28) … Mas aqui todos estaõ subordinados a Judá (vv. 8-12), legitimando períodos em que Judá domina Efraim e Manassés, talvez com Davi e Salomão ou, mais provavelmente, após Ezequias e Josias.

“Juntai-vos e ouvi, filhos de Jacó, ouvi Israel, vosso pai!” (v. 2).

O paralelismo (vv. 1-2) identifica Jacó com Israel (cf. 32,29; 35,10). A introdução (cf. v. 1b) define o caráter desses oráculos como predição e história, com algo de juízo e desejo.

A Bíblia do Peregrino (p. 99) comenta: Não conhecemos a pré-história de cada oráculo, nem como se transmitiram. A linguagem imaginativa, emblemática e alusiva gera dificuldades insuperáveis de interpretação. Daí o número de explicações diversificadas, que não passam de aproximadas… Os recursos de estilo dominantes são paronomásias [semelhanças de palavras] de nomes próprios e os emblemas. “Emblema”: “figura, geralmente com lenda alusiva a seu significado, que um cavaleiro, uma cidade etc. adota como sua”.

A leitura de hoje omite as bênçãos sobre os filhos mais velhos, Ruben, Simeão e Levi (vv. 3-7) e apresenta o oráculo sobre o futuro do quarto filho, Judá. Ao anúncio da primazia e da força de Judá (vv. 8-9) acrescenta-se um oráculo messiânico (vv. 10-12).

Judá, teus irmãos te louvarão; pesará tua mão sobre a nuca de teus inimigos, se prostrarão diante de ti os filhos de teu pai (v. 8).

“Te louvarão” interpreta o nome “Judá” em hebraico, Yehuda, que significalouvor a Javé”; (cf. 29,35) e ressoa no seguinte “tua mão” (yadeka).

Judá é uma tribo de população complexa, em grande parte cananeia (cf. cap. 38). Ganhará preponderância, porque será a tribo real de Davi que conseguirá reunir as tribos em Hebron e se tornar rei (cf. 2Sm 5-6): “se prostrarão diante de ti os filhos de teu pai” (cf. Gn 27,29; como os irmãos faziam diante de José, cf. 37,5-10; 42,6; 43,26; 44,14). Em Dt 33,7, Judá vive separado do seu povo: depois de Salomão, o cisma entre os reinos do Norte (“Israel” ou Efraim) e do Sul (“Judá”), já estava consumado (cf. 1Rs 12). No pós-exílio, só a tribo de Judá, os “judeus”, permaneceram.

O messias é descendente de Davi que pertencia à tribo de Judá. Os descendentes de Judá, os judeus, são a única tribo que sobreviveu como tal. As tribos do Reino do Norte se misturaram com os assírios e tornaram-se os samaritanos, odiados pelos judeus (cf. 1Rs 17; Esd 4; Jo 4; Lc 9,51-55; 10,29-37; 17,11-18; At 8). A tribo de Benjamin se misturou com a dos judeus (p. ex. Saulo-Paulo era da tribo de Benjamim e judeu, cf. Fl 3,5). Restaram também os levitas, ou seja pertencentes da tribo de Levi (da qual Moisés e Aarão faziam parte, cf. Ex 2,1; 28,1), a qual era confiado o sacerdócio hereditário, este se concentrou em Jerusalém, capital de Judá, e acabou definitivamente com a destruição do templo em 70 d.C. pelos romanos.

Judá, filhote de leão: subiste, meu filho, da pilhagem; ele se agacha e se deita como um leão, e como uma leoa; quem o despertará? (v. 9).

Judá é o antecessor da dinastia davídica. Davi unifica todas as tribos sob o seu comando e estende seu domínio a vassalos estrangeiros. Como muitos reis (cf. Dn 7,4: Nabucodonosor), o leão é seu animal emblemático (Nm 23,24; 24,9; Ap 5,5; cf. a lamentação de Ez 19 que reúne as imagens do leão e da vinha, como aqui nos vv. 11-12 que faltam em nossa leitura de hoje).

O cetro não será tirado de Judá, nem o bastão de comando dentre seus pés, até que venha Aquele a quem pertencem, e a quem obedecerão os povos (v. 10).

“O bastão de comando dentre seus pés” pode ser uma alusão da descendência como eufemismo de suas partes íntimas, significando que o cetro se transmite na dinastia (cf. 38,18.25; Nm 24,17). Na segunda parte de v. 10, o texto original e seu sentido são muito discutidos: “até que lhe tragam o tributo” (cf. Is 18,7; Sl 68,30; 76,12) ou “até que venha Aquele a quem pertencem”, o messias?

A versão “o tributo lhe seja trazido” mantém as consoantes do hebraico, mas modificada a vocalização. É uma referência a Davi, fundador de um império, mas a Davi como tipo do Messias. Ez 21,32 tem um texto parecido, mas também muito obscuro (será o novo Davi de Ez 34,23?). A tradução de S. Jerônimo em latim (Vulgata) é donec veniat qui mittendus est, em português “até que venha aquele que deve ser enviado”, com ressonância messiânica. Outras leituras ou correções: o desejado, o dominador, a tranquilidade que lhe corresponde.

“A ele a obediência dos povos” (hebraico); as versões leram “a esperança dos povos”, que explicita o sentido messiânico da passagem.

Evangelho: Mt 1,1-17

A genealogia de Mt, embora sublinhe influências estrangeiras do lado feminino (vv. 3.5.6) limita-se à ascendência israelita de Cristo. Ela tem por objetivo relacioná-lo com os principais depositários das promessas messiânicas, Abraão e Davi, e com os descendentes reais deste último (2Sm 7; Is 7,14). A genealogia de Lc, mais universalista, remonta a Adão, cabeça de toda a humanidade (Lc 3,23-38). Esta diferença explica-se pelo fato de Mt escrever para judeu-cristãos que participavam da expectativa de um messias vindo do seu próprio povo, enquanto Lc escreveu para cristãos vindos de outros povos.

Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (v. 1).

Mateus começa sua história imitando as genealogias dos livros Gênesis (Gn5; 10; 11; 36) e Crônicas (cf. 1Cr 1-3). “Livro da origem”, lit. “Gênesis”, palavra grega que significa “origem, geração”. Mt troca o tradicional plural “gerações” (p. ex. a descendência dos filhos de Noé; cf. Gn 10,1) pelo singular (que o grego usa em Gn 2,4 e 5,1), porque vai concentrar-se numa geração especial e culminante, a de Jesus, apresentado com o título de “Cristo” (= Messias, v. 16). A benção genesíaca, que era expansiva (“crescei e multiplicai-vos”, Gn 1,22.28; 8,17; 9,1), aqui se torna linear, em progressão ininterrupta até a plenitude histórica do Messias.

Usando o termo “Gênesis”, Mt sugere que Jesus, iniciando o livro de uma nova gênese, toma o lugar de Adão (cf. Lc 3,23-38; Rm 5,12-21; 1Cor 15,22; Jo 19,5.34; 20,15.22). Contudo, a história aqui relatada (o evangelho) não é a da sua descendência, mas da sua ascendência: em Jesus, a história passada encontra seu sentido.

Abraão gerou Isaac; Isaac gerou Jacó; Jacó gerou Judá e seus irmãos. Judá gerou Farés e Zara, cuja mãe era Tamar. Farés gerou Esrom; Esrom gerou Aram; Aram gerou Aminadab; Aminadab gerou Naasson; Naasson Gerou Salmon; Salmon gerou Booz, cuja mãe era Raab. Booz gerou Obed, cuja mãe era Rute. Obed gerou Jessé. Jessé gerou o rei Davi. Davi gerou Salomão, daquela que tinha sido a mulher de Urias (vv. 2-7).

Nesta lista de tantos homens, Mt menciona quatro mães (a quinta será Maria em v. 16): Tamar, nora de Judá que o enganou e seduziu (Gn 38), Raab, a prostituta em Jericó que escondeu os espiões israelitas (Js 2), Rute, a estrangeira moabita, e Betsabéia, adultera e mãe de Salomão (2Sm 11); Tamar, Raab e Rute são mulheres estrangeiras; Betsabeia era casada com Urias, um mercenário estrangeiro (“heteu”, 2Sm 11,3; cf. Dt 7,1). Com isso, Mt demonstra que na genealogia do messias já havia presença estrangeira como haverá no novo povo de Deus, na Igreja (lição da universalidade, cf. Mt 2,1-12; 28,19s) e prepara também as circunstâncias irregulares em que nascerá Jesus: da virgem Maria, mas não gerado por José (lição da graça).

Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa; Asa gerou Josafá; Josafá gerou Jorão; Jorão gerou Ozias; Ozias gerou Joatão; Joatão gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias. Josias gerou Jeconias e seus irmãos, no tempo do exílio na Babilônia.

De Davi a José, as duas listas de Mt e Lc só têm dois nomes em comum. Essa divergência pode explicar-se, seja pelo fato de Mt ter preferido a sucessão dinástica à descendência natural, seja por admitir-se a equivalência entre a descendência legal (lei do levirato, Dt 25,5s) e a descendência natural. Por outro lado, o caráter sistemático da genealogia de Mt é realçado pela distribuição dos antepassados de Cristo em três séries de duas vezes sete nomes (cf. a preferência de Mt pelo número sagrado nos sete pedidos do Pai nosso em 6,9-13 com apenas cinco pedidos em Lc 11,2-4), o que leva à omissão de três nomes entre Jorão e Ozias e à contagem de Jeconias (vv. 11.12), como dois (esse mesmo nome grego pode traduzir dois nomes hebraicos lehoiaqim e Iehoiakin, muito semelhantes entre si, cf. 2Rs 23,34.36; 24,8).

Depois do exílio na Babilônia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel; Zorobabel gerou Abiud; Abiud gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azor; Azor gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; Eliud gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã; Matã gerou Jacó. Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo (vv. 8-16).

As duas listas de Mt e Lc terminam com José, que é apenas o pai legal de Jesus: a razão está em que, aos olhos dos antigos, a paternidade legal (por adoção, levirato etc.) bastava para conferir todos os direitos hereditários, aqui os da linhagem davídica. Naturalmente não se está excluindo a possibilidade de Maria também ter pertencido a essa linhagem “da tribo de Davi” (assim afirma o apócrifo Protoevangelho de Tiago 10,1), embora os evangelistas na Bíblia não o confirmem. Aqui, Mt não chama Maria “esposa de José”; ao contrário, chama José “esposo de Maria” (Gn 4,4 diz “nascido de mulher”)! Fica então uma pergunta: Quem é que gerou Jesus? A narrativa seguinte esclarecerá (vv. 18-25, evangelho de amanhã).

“É chamado o Cristo” pode se traduzir também: “cujo título é o Messias” (cristo é tradução grega do hebraico messias, em português “ungido”, cf. crisma = unção).

Assim, as gerações desde Abraão até Davi são quatorze; de Davi até o exílio na Babilônia, quatorze; e do exílio na Babilônia até Cristo, quatorze (v. 17).

O número quatorze pode se referir ao nome de Davi (em grego, latim e português do Portugal: “David”). Nas línguas antigas, escreviam-se os números com letras (p. ex. em latim: MDCLVII = 1657). Em hebraico, não se escreve as vogais, somente consoantes. As letras do nome “David” eram, portanto “DVD”. As três consoantes do nome DaViD em hebraico somam o número quatorze: (D=4) + (V=6) + (D=4), total: 14. Outra explicação é que Mt teria encontrado na genealogia de Rt 4,18-22 (repetida em 1Cr 2,10-13) dez nomes de Farés até Davi, e acrescentando o pai de Farés e os três patriarcas, dava então quatorze até Abraão.

Obviamente Mt queria estilizar a série, pela divisão em três segmentos e pelo número de dois setenários (14) para cada etapa. Com tal artifício, o nascimento de Jesus fica inserido e enquadrado na história da humanidade, na história de um povo. Abraão é o pai dos crentes (Gn 15,6; Rm 4,11; Gl 3,7), nele serão abençoados “todos os povos” (Gn 12,3; 18,18; 22,18; 26,4; 28,14; cf. Mt 28,19; Rm 4,17s), e Davi é o fundador de uma dinastia real (2Sm 7); ambos, beneficiários de promessas divinas. Jesus é filho da história humana e da promessa divina, tem suas raízes no povo eleito, mas como ressuscitado continua presente no meio de nós, ultrapassando as fronteiras do tempo e do espaço (cf. Mt 28,20).

O site da CNBB resume: A vinda de Jesus ao mundo foi precedida de uma história: a história do povo de Israel, que tem o seu início com Abraão, desenvolve-se até atingir o seu apogeu com o Rei Davi, depois entra em declínio até atingir o seu ponto mais baixo com Josias e o exílio da Babilônia, para depois evoluir até chegar à plenitude dos tempos com Jesus, Deus presente e atuante na história dos homens, que vai ser a realização da promessa a Abraão que nele serão abençoadas todas as nações da terra e a salvação chega para todos os povos com a libertação do pecado e da morte e a presença do próprio Deus na vida de todos nós.

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