17 de Fevereiro de 2020, Segunda-feira: Mas Jesus deu um suspiro profundo e disse: “Por que esta gente pede um sinal? Em verdade vos digo, a esta gente não será dado nenhum sinal.” E, deixando-os, Jesus entrou de novo na barca e se dirigiu para a outra margem (vv. 12-13).

6ª Semana do Tempo do Comum 

Leitura: Tg 1,1-11

Nesta semana ouvimos a leitura da Carta da Tiago, uma das sete Cartas Católicas. Católica no seu significado grego: universal, geral, ou seja, estas cartas não se dirigem a um destinatário específico, por ex. a comunidade em Roma ou Corinto, mas a todos em geral. Na Bíblia Sagrada Edição Pastoral (p. 1489) se lê uma introdução:

A Carta de Tiago é um escrito de caráter sapiencial, isto é, mostra a sabedoria do discernimento cristão diante das situações. Dirige-se a todas as comunidades cristãs, simbolizadas pelas «doze tribos» do novo povo de Deus. O autor se apresenta como Tiago, pode ser o filho de Alfeu (Mc 3,18), ou mais provavelmente o “irmão do Senhor” (Gl 1,19; cf. Mc 6,3; At 12,7; 21,17s; 1Cor 15,7) que dirigiu a igreja de Jerusalém (cf. At 15,13) e morreu mártir no ano 62 (não o irmão de João que morreu em 44, cf. At 12,2). Diversas razões, porém, fazem pensar que o verdadeiro autor da carta é judeu de origem grega do final do século I, e que escreveu a carta entre os anos 80 e 100.

Esta carta é mensagem tipicamente cristã, como os Evangelhos; reduz toda a Lei judaica ao mandamento do amor ao próximo (1,25; 2,8.12). Pode-se dizer que é explicação das exigências desse mandamento em diversas circunstâncias: igualdade cristã (2,1-4), preferência pelos pobres (2,5-7), amor ativo (2,14-17). Esse amor exclui a exploração, e nesta carta encontramos a mais violenta passagem do Novo Testamento contra os ricos (5,1-6). A fé aqui é vista como dinamismo que produz ação e que só é madura quando se expressa em atos concretos (2,20-26); é fé que rejeita qualquer espiritualidade ou religiosidade individualista e intimista (1,26-27). Da mesma forma, a verdadeira sabedoria se expressa pela conduta (3,13-16).

Tiago rejeita a consagrada separação entre «dimensão vertical» e «dimensão horizontal» da vida cristã: «do mesmo modo que o corpo sem o espírito é cadáver, assim também a fé: sem as obras é cadáver» (2,26). E são estas as obras citadas no contexto: dar de comer ao faminto e vestir o nu (2,15-16; cf. Mt 25,35-36).

Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que vivem na dispersão: saudações (v. 1).

Seja autêntico, seja recurso literário (pseudepigrafia; muitos situam a data da carta no final do séc. I), o “Tiago” da saudação é com toda a probabilidade o “irmão do Senhor”, parente de Jesus (cf. Mc 6,3p) e personagem de grande relevo na primeira geração cristã (o historiador contemporâneo Flávio Josefo situou seu martírio no ano 62). Ainda que vários temas e o estilo sapiencial da carta sejam de cunho judaico, declara-se “servo de Jesus Cristo” (como Paulo e outros redatores de cartas do NT, cf. Rm 1,1; Fl 1,1; 2Pd 1,1; Jd 1), ao qual com toda a naturalidade junta “Deus”. “Servo de Deus” é título honorífico de grandes personagens no AT: Moisés, Josué, Davi, profetas e também pagãos escolhidos. A atribuição cristã do título “Senhor” a Jesus só reaparece explicitamente em 2,1 (cf. 5,14s; Jesus é mencionado só três vezes: 1,1; 2,1; 5,7). As outras menções deste título se referem a Deus Pai (v. 7; 3,9; 4,10.15; 5,4.10s).

As “dozes tribos” de Israel constituem um toque de sabor judaico. Doze era o número dos filhos de Jacó-Israel que deram origem as doze tribos de Israel (cf. Gn 35,22b-26; Ex 1,2-7; 24,4 etc.) e representam Israel em sua plenitude. Jesus escolheu doze apóstolos como representantes do povo de Deus (cf. Mt 10-2-4p; 19,28). O título passa agora à comunidade cristã plural e estendida pelo mundo. As doze tribos representam aqui a totalidade do novo povo (At 26,7; Ap 7,4-8; 21,12.14). A expressão «doze tribos» mostra que os cristãos formam a Igreja, o povo da nova Aliança. Eles estão espalhados em meio aos pagãos que, em geral, são hostis. A carta procura animá-los e sustentá-los no testemunho.

Na antiguidade israelita, o termo “dispersão” (grego: diáspora) designava os judeus emigrados da Palestina (cf. Sl 147,2; Jt 5,19; cf. Jo 7,35). Aqui se trata de cristãos de origem judaica dispersos no mundo greco-romano (cf. At 2,2-11). O efeito é que a carta se dirige a todas as comunidades cristãs. Na continuação da carta, os destinatários são irmãos que se reúnem em sinagogas (2,2) e constituem igrejas (5,14).

“Saudações”, fórmula de saudação corrente no mundo grego, lit.: “alegrai-vos” (cf. o anjo à Maria em Lc 1,28). O v. 2 faz trocadilho com estas palavras.

Meus irmãos, quando deveis passar por diversas provações, considerai isso motivo de grande alegria, por saberdes que a comprovação da fé produz em vós a perseverança. Mas é preciso que a perseverança gere uma obra de perfeição, para que vos torneis perfeitos e íntegros, sem falta ou deficiência alguma (vv. 2-4).

Embora vários temas retornem na carta, o começo não é uma abertura temática, mas uma série, um modo curioso de expor: propõe um tema, deixa-o anotado, abandona-o para passar a outro(s) e volta a ele. Assim a literatura sapiencial combina provérbios soltos com instruções breves. O primeiro capítulo da carta fala da provação, da sabedoria (sensatez) e do dom divino, de pobres e ricos, do falar.

O tema da “provação” se coloca aqui e continua nos vv. 12-15. Nos vv. 2 e 12, as provações são afrontamentos ou contestações vindas de fora, enquanto nos vv. 13-14 designa a tentação provocada pela concupiscência interior. A prova(cão) faz parte da pedagogia divina (cf. 2,21; 5,11) ao passo que Deus não tenta (cf. Mt 6,13), mas ajuda passar pela prova e tornar-se mais forte, paciente e maduro. A prova é um teste que revela a qualidade da fé; submetidos, mas resistindo, os cristãos produzem frutos prefeitos (cf. v. 12; 5,11; Lc 8,13-15; Rm 5,3s; 2Pd 1,5-7).

A provação é um tema da história de Israel, que encontra seu contexto ideal no deserto, tempo de prova e provações (Dt 8,1-5). Já se destaca com enorme força na história patriarcal (Gn 22), e oferece na literatura sapiencial a vertente humana mais simples do tema: saber fazer, mas sem paciência, a tarefa fica pela metade (cf. as rebeliões do povo, Nm 13-14); antes de superar a prova, o homem não está pronto.

Autores sapienciais transferem o tema humano para o contexto religioso: “Quando te aproximares para servir ao Senhor, prepara-te para a prova” (Eclo 2,1); “Deus os pôs à prova e os encontrou dignos de si” (Sb 3,5).  Para Tiago, como para o judaísmo, a fé deve resultar em uma “obra da perfeição”, obra que torne o homem perfeito (cf. 1Ts 1,3). Já aqui pode pressentir-se a explicação central sobre fé e obras em 2,14-26.

A Bíblia Edição Pastoral (p.1489) comenta: O cristão se alegra, não por ter provações, mas porque elas o ajudam a descobrir o sentido e o valor do testemunho de sua fidelidade a Deus e a Jesus Cristo. A provação abala o entusiasmo infantil, romântico e descompromissado, fazendo o cristão perceber que a fé é compromisso que exige sérias transformações na pessoa e no contexto social em que ela vive.

Se a alguém de vós falta sabedoria, peça-a a Deus, que a concede generosamente a todos, sem impor condições; e ela lhe será dada. Mas peça com fé, sem duvidar, porque aquele que dúvida é semelhante a uma onda do mar, impelida e agitada pelo vento. Não pense tal pessoa que receberá alguma coisa do Senhor: o homem de duas almas é inconstante em todos os seus caminhos (vv. 5-8).

No v. 4 disse “sem falta ou deficiência alguma”; aqui em v. 5 acrescenta “se lhe falta sabedoria”. A Bíblia do Peregrino (p. 2894) comenta sobre a sabedoria: O tema da sensatez como dom divino começa aqui e se completa nos vv. 16-18. Sensatez ou sabedoria é essencialmente conhecer e dar o sentido da vida e a arte de dar sentido à vida. É ao mesmo tempo intelectual e prática. Aqui inclui o sentido religioso da vida … Embora seja fruto de observação e reflexão, e seja mercadoria internacional, alguns textos tardios a consideram dom de Deus, que se deve pedir na oração: p.ex. Eclo 39,1-8 combina os dois caminhos de aquisição; Sb 8,21-9,18 insiste no pedido.

Para governar com justiça, o rei Salomão teve de pedir “prudência” (cf. 1Rs 3, leitura de sábado da 4ª semana). “Sem impor condições”, Deus “generosamente” (ou “simplesmente”) dá a sabedoria a todos. Sobre as condições da oração voltará a falar no final da carta (5,16-18). À firmeza da fé (a “rocha” Pedro, cf. Mt 16,16 …) se opõe a “inconstância” da dúvida, comparando a com uma onda do mar (“onda agitada…”, cf. Is 57,20). Quem duvida é “dividido”: em grego “de alma dupla”; o hebraico diria “coração e coração” (cf. Tomé, o gêmeo, duvida em Jo 20,24-29). Essa divisão interior opõe-se à “simplicidade” do coração (cf. Gn 8,21) e à firmeza de atitude que dela resulta em relação a Deus e aos homens. Muitos salmos de súplica testemunham a confiança do orante, mencionando-a expressamente ou adiantando a ação de graças pelo dom que certamente receberá (cf. Sl 22 etc.).

O irmão humilde pode ufanar-se de sua exaltação, mas o rico deve gloriar-se de sua humilhação. Pois há de passar como a flor da erva. Com efeito, basta que surja o sol com o seu calor, logo seca a erva, cai a sua flor, e desaparece a beleza do seu aspecto. Assim também acabará por murchar o rico no meio de seus negócios (vv. 9-11).

O autor opôs a oração confiante e a dúvida, agora opõe os pobres e ricos na comunidade. O tema se prolonga em 2,1-9 e retorna em 5,1-6 (cf. 1Cor 1,26-29; 11,21s).

A Bíblia do Peregrino (p. 2894s) comenta: Opõe a exaltação de ser cristão (1Pd 2,9-10) à humildade de reconhecer-se homem caduco em si e em seus empreendimentos (cf. Jr 9,24-25; Is 40,6s; Eclo 43,3). Há uma assimetria dos opostos: o pobre se sublinha no plano sobrenatural, o rico permanece no plano natural. Não é exatamente a oposição simétrica das bem-aventuradas de Lucas (Lc 6,20-26).

Os ricos não participavam da exaltação dos pequenos (1Sm 2,7s; Sl 72,4.12; 113,7-9; Lc 1,52 etc., cf. Sf 2,3), a não ser que se humilhem com eles. A imagem vegetal é corrente: “o sol surja com o seu calor (ou: o sol surja com um vento causticante), logo seca a erva…”  (cf. 1Pd 1,24; Is 40,6-8; 51,12; Jó 14,2; Sl 37,2; 90,5; 103,15s; 119,89).

A Bíblia Edição Pastoral (p. 1490) comenta: A comunidade cristã é formada de pobres e ricos convertidos. Os pobres devem orgulhar-se de sua condição modesta, que os deixa em melhores condições para compreender o Evangelho (cf. Mt 5,3; 11,25-27). Ao entrar na comunidade, os ricos perdem seu “status” social e prestígio junto aos outros ricos, pois abrem mão de suas riquezas para dividir seus bens com os pobres (cf. Lc 18,18-30; At 4,32-35).

 

Evangelho: Mc 8,11-13

O evangelista Marcos se repete na mesma sequência: depois da primeira multiplicação dos pães (6,30-44) e também depois da segunda multiplicação (8,1-10), segue-se uma travessia do lago (6,45-53; 8,10) e depois outro confronto com os fariseus (cf. 7,1-13).

Os fariseus vieram e começaram a discutir com Jesus. E, para pô-lo à prova, pediam-lhe um sinal do céu (v. 11).

Os fariseus querem “comprovar” a missão de Jesus: profética, messiânica? Marcos não diz: como legitimação de sua atividade (talvez o narrador se refira a declaração sobre os alimentos em 7,19). “Para pô-lo à prova”; pode-se traduzir também: “para lhe armar uma cilada”. A prova é diferente da tentação de 1,13 que queria desviar o caminho do messias. Aqui querem comprovar que Jesus não é o messias legítimo, mas um profeta falso (cf. 1Cor 1,22).

Não pedem mais um milagre, mas um “sinal do céu”, ou seja, concedido por Deus. Os judeus evitam pronunciar “Deus” (cf. Ex 20,7), e substituem por “céu”, “nome” etc. (cf. reino de Deus, reino dos céus). A respeito de pedir um sinal do céu, cf. a atitude do rei Acaz em Is 7,11, o pedido de Gedeão em Jz 6,36-40 e outros sinais de autenticidade (Dt 13,2s; 18,20-22; 2Rs 20; 1Sm 2,30-34; 10). O gênero apocalíptico fala de sinais do/no céu (cf. Lc 21,11.25; Ap 12,1.3; 15,1; sem usar o termo: Mc 13,24s).

Mas Jesus deu um suspiro profundo e disse: “Por que esta gente pede um sinal? Em verdade vos digo, a esta gente não será dado nenhum sinal.” E, deixando-os, Jesus entrou de novo na barca e se dirigiu para a outra margem (vv. 12-13).

O “suspiro profundo” de Jesus revela uma comoção interior. A palavra “gente, geração” aparece geralmente em expressões de recusa ou condenação (cf. Gn 7,1; Sl 95,10s; os paralelos em Mt 12,39; 16,4; Lc 11,29 e Mt 11,16; At 2,40; Fl 2,15). “Geração malvada e perversa … geração depravada, filhos desleais” (Dt 32,5.20; cf. Sl 95,10). A atitude dos fariseus reproduz a da geração do deserto que punha Deus à prova (Ex 17,1-7), reclamando constantemente novas demonstrações do seu poder (cf. Nm 14,11.22).

Com um juramento afirma que “não lhe será dado” (passivo teológico, o agente é Deus). Nas entrelinhas percebemos que o motivo é a incredulidade (cf. 6,5s). Para quem não quer crer, nenhum sinal vale.

Sem mais, Jesus os deixa e vai para outra margem do lago. De maneira semelhante, Jesus não dá muitas respostas durante seu processo em Jerusalém, deixa seus adversários sem sinal (morre na cruz) e se vai para outra margem (para o além); como ressuscitado, vai à frente dos seus discípulos para Galileia e outras nações (cf. Mc 16,7).

A recusa de qualquer sinal, em Mc, é comumente considerada como mais primitiva do que a promessa do “sinal de Jonas” em Mt 11,39-42 e Lc 11,29-32. A Bíblia de Jerusalém (p.1909) questiona: No entanto, pode ter acontecido que Mc intencionalmente omitisse uma evocação bíblica que correria o risco de ser ininteligível aos seus leitores, e que Jesus tivesse realmente prometido esse sinal, com o fim de anunciar a vitória de sua definitiva libertação, como deixou claramente explícito Mt (cf. Mt 12,39s).

Mas não se pode negar que Mc escreveu primeiro (Mt e Lc já o copiam), então uma outra fonte (chamado Q) que Mt e Lc usavam além de Mc, teria preservado ou acrescentado “o sinal de Jonas” e a “rainha do sul” como sinais de conversão e reconhecimento. Mas neste paralelo, os fariseus queriam apenas um sinal (não se fala “do céu”). Num outro paralelo, Jesus responde à exigência dos fariseus (“sinal do céu”; Mt 16,1; Lc 11,16) com os “sinais dos tempos” (Mt 16,1-4). Este último, porém, se deve a outro contexto em Q (em Lc 12,54-57 não há exigência de fariseus).

O site da CNBB comenta: Quando Jesus foi tentado pelo demônio no deserto, a segunda tentação era que ele se atirasse do pináculo do Templo, uma vez que os anjos cuidariam dele. Mas a resposta que Jesus deu ao demônio foi: “Não tentarás o Senhor teu Deus”. O Evangelho de hoje nos mostra que existem pessoas que sempre estão tentando a Deus, pois, assim como os fariseus pediam um sinal do céu para pôr Jesus à prova, muitas pessoas querem fazer chantagem com Deus, fazendo uma série de exigências e pedidos mesquinhos para satisfazer seus desejos e fundamentam a sua fé não no amor a Deus, mas na satisfação de suas exigências.

 

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