17 de junho de 2016 – 11ª semana 6ª feira

Leitura: 2Rs 11,1-4.9-18.20

A história depois da revolução de Jeú que se tornou rei de Israel (Reino do Norte; em 841-814 a.C.) pela iniciativa de Elias (1Rs 19,16) é cruel e não muito transparente (2Rs 9-10). Primeiro são assassinados o filho de Acab, Jorão, rei de Israel (848-841), depois Ocozias, filho de Jorão e rei de Judá (reino do Sul; ano 841), em seguida Jezabel, viúva de Acab, e os 70 filhos de Acab (assim se cumpriu o castigo anunciado a Acab por Elias por causa do assassinato do vinhateiro Nabot, cf. 1 Rs 21). Depois Jeú mandou matar todos os parentes e amigos confidentes de Acab, os 42 irmãos de Ocozias, rei de Judá e todos os profetas (sacerdotes) de Baal.

A leitura de hoje nos apresenta a situação na corte do reino do sul, Judá. Depois que Jeú matou os reis dos reinos e se proclamou rei de Israel, podia-se esperar que continuasse as matanças no sul, até unificar os dois reinos sob sua coroa; seria a renovação dinástica total.

Quando Atalia, mãe de Ocozias, soube que o filho estava morto, pôs-se a exterminar toda a família real (v. 1).

O pecado arraigou também em Judá, em Atalia, filha de Jezabel, viuva de Jorão de Judá e mãe de Ocozias que foi morto por Jeú (8,16-26; 9,27-29). Atalia assume o poder. É a única vez que a dinastia davídica é interrompida e uma mulher chega ao trono. Parece que a rainha quer arrebatar o trono de Judá para sua família fenícia (Jezabel era princesa fenícia, cf. 1Rs 16,31). Atalia imita a violência de Jezabel e a crueldade de Jeú. Os motivos dela não são claros. Ao autor deuteronomista só interessa mostrar o fracasso da ação dela.

Pelo extermínio de toda a dinastia davídica, Atalia, filha do rei de Israel, tentava garantir para si mesma a realeza sobre Judá. Caso tivesse tido êxito, seu plano teria posto fim à promessa do Senhor a Davi; porque o acesso de um rival ao poder se fazia acompanhar do extermínio de todo partido oposto, a fim de evitar qualquer possível reivindicação futura (cf. Jz 9,5; 1 Rs 15,29; 2Rs 1,21; 10,1-17).

Mas as duas dinastias não são iguais, porque a dinastia de Davi no reino do sul tem uma promessa de Deus (2Sm 7) que a do reino do Norte não tem. O autor quer que vejamos em detalhes como a promessa de Deus se cumpre contra a expectativa humana.

Mas Josaba, filha do rei Jorão e irmã de Ocozias, raptou o filho dele, Joás, do meio dos filhos do rei, que iriam ser massacrados, e colocou-o, com sua ama, no quarto de dormir. Assim, escondeu-o de Atalia e ele não foi morto. E ele ficou seis anos com ela, escondido no templo do Senhor, enquanto Atalia reinava no país (vv. 2-3).

O livro das Crônicas (2Cr 22,11) diz que Josaba era esposa do sacerdote Joiada (v. 4); isso explica que pudesse estar e mover-se no templo sem levantar suspeitas. Levou o herdeiro do torno para o “quarto de dormir”; esse aposento devia situar-se nos anexos do Templo (cf. 1 Rs 6,5). Atalia reinou por seis anos, de 841 a 835 a.C.

No sétimo ano, Joiada mandou chamar os centuriões dos quereteus e da escolta, e introduziu-os consigo no templo do Senhor Fez com eles um contrato, mandou que prestassem juramento no templo do Senhor e mostrou-lhes o filho do rei (v. 4).

Joiada era o chefe do sacerdócio em Jerusalém (12,8). O sétimo ano tem caráter jubilar. Depois de uma espécie de cativeiro de seis anos sob o comando ilegítimo, acontece a libertação. Podemos supor que durante esses anos, sem revelar o segredo, o sacerdote foi consolidando o partido javista fiel à memória de Davi, uma oposição silenciosa e de espera.

Os “quereteus” (ou caritas, ou mudando uma letra: cereteus) são mercenários da Ásia Menor. Estes estrangeiros que, com os batedores (cf. 1Sm 22,7; 1Rs 14,27), formavam a guarda pessoal do rei. No templo de Davi, os cereteus e feleteus (2Sm 8,18; 15,18; 1Rs 1,38) exerceram uma função análoga no momento da sagração do rei Salomão. Os quereteus são distintos dos cereteus que não se menciona mais depois da posse de Salomão (1Rs 1,38).

O templo e o sacerdote têm papel decisivo na conservação da dinastia; como se a vinculação da dinastia com o templo fosse garantia da sua permanência. No templo se esconde e cresce o herdeiro legítimo, e no templo é proclamado rei.

Os centuriões fizeram tudo o que o sacerdote Joiada lhes tinha ordenado. Cada um reuniu seus homens, tanto os que entravam de serviço no sábado, como os que saíam. Vieram para junto do sacerdote Joiada, e este entregou aos centuriões as lanças e os escudos de Davi, que estavam no templo do Senhor (vv. 9-10).

“As lanças e os escudos de Davi”. O texto hebraico emprega o singular (talvez se tratasse da arma tomada por David a Goliat e guardada primeiramente no santuário de Nob, 1Sm 21,10). Os textos em grego, em siríaco e a Vulgata em latim, bem como o paralelo 2Cr 23,9, usam o plural. A respeito dos escudos tomados por David e por ele oferecidos ao Senhor, cf. 2Sm 8,7.11. Depois da passagem e saque do faráo Sesac no templo de Jerusalém no reino de Roboão (1Rs 14,25-26), parece surpreendente que a lança e os escudos de David ainda tem um alcance simbólico: acaso não são aqueles homens encarregados de salvar a dinastia em perigo? O costume de colocar as armas no santuário, especialmente as tomadas ao inimigo, é mencionado em outras passagens (cf. 1Sm 21,10; 31,10; 2Sm 8,11).

Em seguida, os homens da escolta, de armas na mão, tomaram posição a partir do lado direito do templo até ao esquerdo, entre o altar e o templo, em torno do rei (v. 11).

Os “homens da escolta” (batedores) formavam assim um semicírculo ao redor do Templo, a fim de proteger a saída do futuro rei. No meio do átrio e na frente do edifício propriamente dito havia um altar: no corredor formado pela fachada do edifício e esse altar, a guarda forma um duplo cordão, que se estende até a porta de acesso do palácio; o povo fica no átrio na frente da fachada. Do interior do templo ou das suas dependências sacerdotais, vem o cortejo que acompanha e protege o menino-rei, com Joiada à frente. Nesse momento, ainda não tocam as trombetas de costume.

Então Joiada apresentou o filho do rei, cingiu-o com o diadema e entregou-lhe o documento da Aliança. E proclamaram-no rei, deram-lhe a unção e, batendo palmas, aclamaram: “Viva o rei!” (v. 12).

O “diadema” é uma insígnia real (cf. 2Sm 1,10; Sl 89,40; 132,18; Jr 13,18)

“Entregou-lhe o documento da Aliança”, ou “insígnias da realeza” (tradução também aceitável), lit. “remeteu-lhe a carta”; esta poderia ser ou um rolo com o texto das duas tábuas de Decálogo, chamada carta ou “documento” (Ex 25,16), e que o rei se comprometia a obedecer e a fazer obedecer (cf. Dt 17,18-20), ou um rolo com as cláusulas entre o Senhor e a Casa de Davi, ou ainda uma espécie de direito régio (1Sm 10,25).

O rito da “unção régia” é atestado em muitas outras passagens: sobre Saul (1Sm 9,16; 10,1), sobre David (1Sm 16; 2Sm 2,4 e 5,3), sobre Salomão (1Rs 1,39), sobre Jeú (2Rs 9,3.6). “Viva o rei”, cf. a aclamação de Salomão (1Rs 1,34-39).

Ouvindo os gritos do povo, Atália veio em direção da multidão no templo do Senhor. Quando viu o rei de pé sobre o estrado, segundo o costume, os chefes e os trombeteiros do rei junto dele, e todo o povo do país exultando de alegria e tocando as trombetas, Atália rasgou suas vestes e bradou: ”Traição! Traição!” (vv. 13-14).

Amplia-se a cena, antes concentrada no sacerdote e na guarda: de um lado surge Atalia; no átrio sabemos que está o povo aplaudindo e aclamando. Sinal de que a revolução do palácio podia contar com o apoio popular. O estrado era lugar reservado ao rei, no templo.

“Todo povo do país” (lit. da terra); antes do Exílio, a expressão sempre usada no singular, designa o conjunto da população, distinto do rei, dos notáveis, dos chefes, dos sacerdotes e dos profetas, cf. 15,5; 16,15; Jr 1,18; 34,19; Ez 42,22 etc. Após o exílio, em Esd e Ne, a expressão, sempre no plural (“as populações”), designa os habitantes não-judaicos da Palestina. Os “trombeteiros” atuam na hora da posse do rei (cf. 1Rs 1,39s).

Então o sacerdote Joiada ordenou aos centuriões que comandavam a tropa: ”Levai-a para fora do recinto do templo e, se alguém a seguir, seja morto à espada”. Pois o sacerdote havia dito: ”Não seja morta dentro do templo do Senhor”. Agarraram-na e levaram-na aos empurrões pelo caminho da porta dos Cavalos até ao palácio, e ali foi morta (vv. 15-16).

“Se alguém a seguir” como gesto de pôr-se do seu lado. O sacerdote que prevenir uma possível reação, intimando os que não aprovarem a ação. A rainha não deve morrer no templo, pois seu cadáver o profanaria, o macularia (Nm 19,11-16; cf. 2Rs 23,14).

A “porta dos cavalos” se situa na muralha oriental de Jerusalém (Jr 31,40), mas em Ne 3,28, ao que parece, trata-se da porta do palácio real que comunicava como recinto do templo.

Em seguida, Joiada fez uma aliança entre o Senhor, o rei e o povo, pela qual este se comprometia a ser o povo do Senhor. Fez também uma aliança entre o rei e o povo (v. 17).

A cerimônia culmina com a renovação da aliança. Nela se mencionam três partes: o Senhor, o rei, o povo. Seu antecedente próximo é o pacto com Davi em Hebron, quando foi reconhecido como rei de todo Israel (2Sm 5,4). Cf. a fórmula que caracteriza a aliança do Senhor com Israel no Horeb (Dt 4,20; 7,6; 14,2; Jr 11,4, etc…). Trate-se, pois, não tanto de uma nova aliança, quanto da renovação da aliança mosaica.

Os reis de Judá recebiam, no momento da sua sagração, um documento da aliança celebrada entre Javé e a raça (casa) da Davi. Também no Egito, os faraós recebiam um protocolo redigido no momento da sua coroação.

“Fez também uma aliança entre o rei e o povo”; pode ser um acréscimo, porque falta no paralelo 2Cr 23,16. No entanto, a existência de um pacto entre o rei o povo é indicado por 1Sm 10,25 (Saul), 2Sm 5,3 (Davi); 1Rs 12,1s (Roboão); Jr 34,8 (Sedecias).

Todo o povo do país dirigiu-se depois ao Templo de Baal e demoliu-o. Destruíram totalmente os altares e as imagens e mataram Matã, sacerdote de Baal, diante dos altares. E o sacerdote Joiada pôs guardas na casa do Senhor (v. 18a).

Conforme Js 24, na renovação da aliança havia um tiro de purificação, que consistia em eliminar todas as imagens de ídolos. Essa parte da cerimônia é desta vez celebrada no final, destruindo publica e coletivamente o templo de Baal.

Todo o povo do país o festejou e a cidade manteve-se calma (v. 20a).

A cidade ficou ficou tranquila, “manteve-se calma”: é o verbo usado no esquema narrativo de Juízes, assinalando o começo de uma etapa de paz.

A Bíblia de Jerusalém (p. 567s) comenta:

Reconhecem-se neta história dois relatos combinados. O primeiro (vv. 1-12 e 18b-20) atribui a queda de Atália à ação de sacerdotes, sustentados pela guarda real. O segundo (vv. 13-18ª), incompleto, dá ao fato mais o caráter de um movimento popular…

A revolução é paralela à de Jeú no reino do Norte (10,18-25). Mas ela tem aqui o apoio do “povo da terra”, o conjunto do povo de Judá, guardião da tradição javista, em oposição à capital, atingidas pelas influências estrangeiras e pagãs.

 

Evangelho: Mt 6,19-23

Depois de concluir as recomendações sobre os três exercícios espirituais (esmola, oração, jejum), Mt aborda o tema dos bens matérias. O desapego deles é um tema que se repete nos evangelhos (cf. 5,3; 19,21; Mc 4,19; 10, 17-31; Lc 3,10-11; 6,20-22; 11,34-36; 12,13-34; 16,13.19-31; 19,1-10 etc.). O evangelho de hoje e amanhã (6,19.23.24-34) encontra seu paralelo em Lc 11,34-36; 12,22-34, porque Mt e Lc copiaram da mesma fonte Q, uma coleção catequética que continha palavras de Jesus, mas cujo original se perdeu na história.

Não junteis tesouros aqui na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e os ladrões assaltam e roubam. Ao contrário, juntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça e a ferrugem destroem, nem os ladrões assaltam e roubam (vv. 19-20).

Já os profetas e mestres sapienciais criticavam a transformação da riqueza em ponto de apoio para existência (cf. Sl 62,11 no contexto; Jó 22,24-26) e incentivavam a caridade e as esmolas (cf. Pr 19,17; 23,4-5; Eclo 3,14-15; 29,8-1; a traça: Is 51,8; Sl 39,12; Eclo 42,13; Tg 5,2-3). Os tesouros não são somente moedas ou jóias, mas também roupas, especialmente para mulheres que as recebem para o casamento. Os insetos vorazes comem destruindo a roupa, o baú de madeira ou a safra (cf. Ml 3,11). Os ladrões “assaltam”, lit. cavam buracos ou túneis, arrombam muros e paredes (Ex 22,1; Jó 24,16; Mt 24,43p).

Positivamente, Jesus convida para juntar um “tesouro no céu” (19,21; Tb 4,9-10), retomando a ideia da “recompensa” no céu (5,12.46; 6,1.2.5.16 etc.).

Porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração (v. 21).

Não fala aqui explicitamente do julgamento, mas aponta para a questão fundamental do ser humano, o centro do seu coração (o coração era considerado o centro do ser humano, onde se toma as decisões).

Todo homem, consciente ou inconscientemente, tem na vida um valor fundamental, um absoluto que determina toda a sua forma de ser e viver. Qual é o absoluto: Deus ou as riquezas? Deus leva o homem à liberdade e à vida, através da justiça que gera a partilha e a fraternidade. As riquezas são passageiras e, muitas vezes, resultado da opressão e da exploração, levando o homem à escravidão e à morte. É preciso escolher a qual dos “dois senhores” queremos servir (v. 24, cf. leitura de amanhã).

O olho é a lâmpada do corpo. Se o teu olho é sadio, todo o teu corpo ficará iluminado. Se o teu olho está doente, todo o teu corpo ficará na escuridão. Ora, se a luz que existe em ti é escuridão, como será grande a escuridão (vv. 22-23).

Os próximos versículos encontram-se em Lc 11,34-36 em outro contexto. O que motivou Mt para inseri-los aqui no meio da exortação sobre riquezas? Talvez o incentivo a esmolas em Tobias tenha influenciado: “porque assim acumulas um bom tesouro para dia da necessidade. Pois a esmola livra da morte e impede que se caia nas trevas” (Tb 4,19-10) ou a as palavras de Ben Sirac sobre inveja e avareza: “Mau é o olho do homem invejoso… aos olhos do ávido sua porção não o sacia, a cupidez seca sua alma. Com inveja o olho do avaro se fixa no pão, e na sua mesa há penúria” (Eclo 14,8-10)

Os vv. 22-23 são difíceis de interpretar, dependendo se o sentido de “olho” é literal ou simbólico (cf. Pr 20,27). A palavra grega usada é: olho “simples” (não “sadio”). Contraposta ao olho “doente” (lit. “mau”), significa a integridade do ser humano, cujo olhar se fixa unicamente em Deus e na sua lei. A “simplicidade” bíblica encontra-se nas cartas apostólicas, às vezes traduzida por “sabedoria” ou “generosidade” (Rm 12,8; 2 Cor 9,11.13; 11,3; Ef 6,5; Cl 3,22; Tg 1,5). Os leitores judeu-cristãos de Mt não pensam na metáfora grega na qual o olho pode significar a luz interior, a alma (cf. Pr. 20,27). Para os hebreus, o olho é o órgão da visão e sede da faculdade que avalia (cf. “aos olhos de N.”). Olho bom/olho mau (Pr 28,22, sobretudo contrapostos, significa generoso/mesquinho (Dt 15,9; Pr 22,9; Eclo 14,3.10; 31,13.23-24; 35,9; 37,11; cf. Mt 20,15; 2Cor 8,2; Tg 1,5). O jogo de palavras consiste em sobrepor os dois sentidos: o olho simples vê bem, ilumina toda pessoa = o generoso é luminoso (“esplêndido” em português). O olho mau, mesquinho e invejoso, não se abre à realidade do outro, deixa às escuras: “Ou teu olho é mau porque sou bom?” (Mt 20,15).

O site da CNBB comenta: Existem valores e valores. Quem é verdadeiramente discípulo de Jesus deve procurar viver segundo a hierarquia de valores que é proposta por ele. Quem tem como centro de sua vida o reino de Deus faz dele o seu tesouro, faz com que ele seja o valor fundamental da sua vida e a partir dele ordena todos os demais valores, de modo que o reino de Deus é o valor absoluto e os demais valores são relativos a ele. Quem coloca os valores do mundo como centro da sua vida vive segundo outra hierarquia de valores, totalmente inversa à proposta por Jesus. Diante do evangelho de hoje somos convidados a rever nossa hierarquia de valores segundo os critérios de Jesus.

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