18 de maio de 2017 – Quinta-feira, Páscoa 5ª semana

Leitura: At 15,7-21

Continuamos ouvindo a controvérsia no Concílio apostólico em Jerusalém sobre a exigência da Lei de Moisés (circuncisão) a respeito dos cristãos vindo do paganismo. Para resolver a questão, os dirigentes em Jerusalém (“apostolos e anciãos”, vv. 2.6) se retiram com os dois delegados de Antioquia, Paulo e Barnabé, e a discussão volta a esquentar, porque o partido conservador dos judeu-cristãos era forte e decidido. Até que Pedro, o primeiro dos apóstolos,  se levanta para falar. Este sínodo serve de modelo para os que se seguem. Nem discussão nem decisão autoritária levam ao consenso, mas a palavra de Deus e o Espírito Santo.

Depois de longa discussão, Pedro levantou-se elhes falou: “Irmãos, vós sabeis que, desde os primeiros dias, Deus me escolheu, do vosso meio, para que os pagãos ouvissem de minha boca a palavra do Evangelho e acreditassem. Ora, Deus, que conhece os corações, testemunhou a favor deles, dando-lhes o Espírito Santo como o deu a nós. E não fez nenhuma distinção entre nós e eles, purificando o coração deles mediante a fé (vv. 7-9).

Pedro se refere à sua experiência pessoal com a conversão do centurião romano, Cornélio e sua família (caps. 10-11), e apresenta-a como fato fundacional, “desde os primeiros dias” da nova linha da Igreja; o comunicado anterior (vv. 3-4) de Paulo e Barnabé sobre a maravilhas da missão entre os pagãos serve para apoiar e confirmar o discurso de Pedro, mas a experiência de Antioquia por Paulo e Barnabé (11,19-26) passa a segundo plano. Cornélio e os seus aparecem como primícias e Pedro como pioneiro. O autor primário de tudo foi Deus, que falou pela boca de Pedro e enviou seu Espírito “sem nenhuma distinção” (cf. 10,28.34s.45; 11,15-18). É o Espírito o fator que se difunde, derruba barreiras e cria a nova unidade.

A interpretação da palavra celeste ouvida na visão por Pedro (10,15; 11,9; cf. 10,28; Eclo 38,10) se alinha à teologia (eclesiologia) de Paulo na “boca” de Pedro: A lei da “pureza” (cf. 10,15) é um “jugo” (v. 10) que separa os judeus e exclui os pagãos; mas se instaurou um novo princípio de pureza, que é a fé em Jesus Cristo (cf. Rm 1,17; 3,21-31), partilhada “sem nenhuma distinção” por judeus e pagãos convertidos. Atitude total e íntima do ser humano é a fé que Deus conhece e reconhece (Jr 11,20; Pr 15,11), “purificando o coração deles mediante a fé”.

Então, por que vós agora colocais Deus à prova, querendo impor aos discípulos um jugo que nem nossos pais e nem nós mesmos tivemos força para suportar? Ao contrário, é pela graça do Senhor Jesus que acreditamos ser salvos, exatamente como eles” (vv. 10-11).

Portanto, opor-se à incorporação plena dos pagãos é opor-se a Deus. Tentar, “colocar Deus à prova” (cf. 1Cor 10,13) a Deus é intimá-lo a dar provas, exigindo uma intervenção ou um sinal (5,9; Ex 17,2.7; Nm 14,22; Dt 6,16; Jt 8,12-17; Sl 95,9; Is 7,11s; Mt 4,7p; At 5,8-10; 1Cor 10,9).

Para Pedro (e Paulo) não vale objetar que nós (os judeus) nos salvamos pela “lei” e eles (os pagãos) pela “graça”, pois nem nós observamos a lei, nem ela nos salvou; era antes um “jugo” de escravidão (Jr 2,20; 5,5). Se só a “graça do Senhor Jesus” salva (cf. Gl 2,16), frente a ela todos somos iguais; sob este aspecto, não há vantagem para o judeu (cf. 13,38; Gl 5,6; 6,15). O v. 11 é resposta direta à afirmação do v. 1. A doutrina é a de Gl 2,15-21; 3,22-26; Rm 11,32; Ef 2,1-10 etc.

Houve então um grande silêncio em toda a assembleia. Depois disso, ouviram Barnabé e Paulo contar todos os sinais e prodígios que Deus havia realizado, por meio deles, entre os pagãos (v. 12).

O discurso de Pedro foi uma síntese eficaz; é acolhido com um silencio de aceitação. A palavra é concedida outra vez aos delegados de Antioquia, Paulo e Barnabé que alegam milagres,“sinais e prodígios”, com que Deus foi confirmando sua missão entre os pagãos.

Quando Barnabé e Paulo terminaram de falar, Tiago tomou a palavra e disse: “Irmãos, ouvi-me: Simão acaba de nos lembrar como, desde o começo, Deus se dignou tomar homens das nações pagãs para formar um povo dedicado ao seu Nome (vv. 13-14).

Tiago aqui é nenhum dos doze apóstolos, não é o o filho de Zebedeu (que já estava morto, cf. 12,2) nem o de Alfeu (Mc 3,17s), mas o “irmão do Senhor” (Gl 1,19; cf. Mc 6,3p) que sucede a Pedro em Jerusalém como líder dos judeu-cristãos (12,17; 15,13-21; 21,18-26; 1Cor 15,7; Gl 1,19; 2,9.12; cf. Tg). Gl 2,9 atesta a importância do seu papel em toda esta questão.

Tiago confirma a palavra de Pedro, chamando-o pelo nome hebraico “Simeão” (cf. 2Pd 1,1). O que fez Pedro era nada menos que a ação de Deus começando a escolher para si um povo constituído de pagãos. O conceito tradicional da escolha de Israel como povo de Deus fica profundamente transtornado: “Deus se dignou tomar homens das nações pagãs para formar um povo dedicado (lit. levar) ao seu Nome”. “Levar o nome” indica que são posse consagrada de Deus (cf. v. 16): no fundo, deve-se ouvir a expressão do nome de Deus que não se pronunciava, Yhwh “Javé”, traduzido por “Senhor”.

Isso concorda com as palavras dos profetas, pois está escrito: ‘Depois disso, eu voltarei e reconstruirei a tenda de Davi que havia caído; reconstruirei as ruínas que ficaram e a reerguerei, a fim de que o resto dos homens procure o Senhor com todas as nações que foram consagradas ao meu Nome. É o que diz o Senhor, que fez estas coisas, conhecidas há muito tempo’ (vv. 15-18).

Tiago cita a versão grega (LXX) de Am 9,11s, que difere bastante do original hebraico: O hebraico e o grego falam de “reconstruir como nos tempos antigos”, mas Tiago omite aqui a referencia ao passado. O hebraico anuncia que o futuro reino de Davi reconquistará o resto do povo vizinho e hostil de Edom e os reinos vassalos como propriedade de Javé. O grego diz que “o resto dos homens e os pagãos todos procurarão” (sem complemento); Tiago acrescenta “o Senhor”. Na última frase da citação reaparece a referência ao passado que foi omitida, mas com uma mudança substancial: não se trata de reconstruir a instituição antiga, a monarquia, mas de cumprir as profecias antigas (“conhecidas há muito tempo”).

“Todas as nações que foram consagradas ao meu Nome”; lit. “sobre as quais meu Nome foi invocado (ou: pronunciado)”; invocar o nome de Javé sobre um é consagrá-lo a Javé (cf. v. 14).

Por isso, sou do parecer que devemos parar de importunar os pagãos que se convertem a Deus. Vamos somente prescrever que eles evitem o que está contaminado pelos ídolos, as uniões ilegítimas, comer carne de animal sufocado e o uso do sangue. Com efeito, desde os tempos antigos, em cada cidade, Moisés tem os seus pregadores, que o leem todos os sábados nas sinagogas” (vv. 19-21).

Tiago como cabeça da ala conservador dirime o debate, e a carta apostólica (vv. 23-29) apenas repetirá os termos de sua declaração. Gl 2,9 dá a mesma impressão: na igreja de Jerusalém, neste período, é Tiago quem ocupa o primeiro lugar, antes de Pedro e João (cf. At 12,17). “Sou do parecer”, uma variação do texto diminui sua importância: “Eis porque, no que depende de mim …”

Impor aos pagãos convertidos a circuncisão e a lei seria “importunar” , lit. “pôr dificuldades, obstáculos” à sua conversão (cf. Is 56,1-8). Contudo, Tiago acrescenta uma cláusula restrita, de três ou quatro observâncias de pureza. A intenção dessas exigências parece ser assegurar a convivência pacífica de pagãos e judeus em comunidades cristãs mistas (Lv 18,26; cf. Gl 2,12); pois os judeu-cristãos continuam ouvindo aos sábados a lei de Moisés e cumprindo-a diariamente.

“Contaminar-se com ídolos” é comer carne sacrificada a divindades pagãs (cf. 1Cor 10,20-22). A palavra grega porneia (prostituição, fornicação; cf. Mt 19,9), aqui traduzida por “uniões ilegítimas”, parece designar todas as uniões irregulares enumeradas em Lv 18. Comer sangue (Dt 12,16.23) ou carne de animais estrangulados (sem tirar-lhes o sangue) repugna à lei (Gn 9,4; Lv 3,17; 17,10-15) e à sensibilidade dos judeus que não comem a carne dos animais imolados nos sacrifícios pagãos (cf. v. 29 e 21,25; cf. 1Cor 8,10).

Três das cláusulas se referem a alimentos, mas as Testemunhas de Jeová (seita que surgiu nos EUA no final do séc. 19) interpretam este texto rejeitando até a transfusão de sangue para doentes. Jesus não aprovaria esta interpretação desumana (cf. Mc 3,4p; Lc 14,4s). Perguntamos, se essas cláusulas de Tiago se justificam pelo bem da paz, deverão ser ainda aplicadas em comunidades formadas exclusivamente por pagãos convertidos?

A Bíblia de Jerusalém (p. 2078) comenta: O texto ocidental suprime “carnes sufocadas” e acrescenta, no fim: “e não fazer aos outros o que não se quer que se faça a si mesmo” ” (assim também no v. 29) … As reservas de Tiago mostram a natureza exata do litígio. Elas tem caráter estritamente ritual e respondem à interrogação feita em At 11,3 e Gl 2,12-14: o que é preciso exigir dos heleno-cristãos, para que os judeu-cristãos possam frequentá-los sem contrair impureza legal? De todas as leis de pureza, Tiago quis conservar apenas aqueles cujo significado religioso parece universal: comer carnes oferecidas aos ídolos comportava certa participação em um culto sacrilégio (cf. 1Cor 8-10). O sangue é expressão da vida, que só a Deus pertence, e a proibição da Lei a propósito … era tal grave que explica bem a repugnância dos judeus em dispensar disto os gentios. O caso das carnes sufocadas é análogo ao do sangue. As uniões irregulares não figuram neste contexto por sua qualificação moral, mas enquanto princípio de impureza legal.

 

Evangelho: Jo 15,9-11

Depois da alegoria da videira (vv. 1-8), Jesus continua falar a seus discípulos no discurso de despedida durante última ceia (caps. 13-17). O precedente imaginativo da metáfora da verdadeira videira (vv. 1-8) era o canto da vinha de Is 5,1-7 que colocou a ação no campo do amor, e o fruto esperado era a prática da justiça e o direito entre os homens. Em Is se tratava do amor conjugal (de Yhwh e Israel), aqui em Jo, do amor paterno, filial e os frutos são amor fraterno. Não é um amor simplesmente humano, porque recebe sua seiva de Jesus. Funda e engloba tudo o que abrange a justiça e o direito. Modelo e força é o amor de Jesus ao Pai e a seus “amigos” (v. 15). O amor filial de Jesus se traduz em cumprir o mandamento do Pai (cf. 6,38; 8,29), o amor do fiel cristão a Jesus se traduzirá em cumprir seu mandamento.

Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor (vv. 9-10).

“Permanecer” é uma palavra chave neste capítulo (vv. 4.5.6.9.10) e neste evangelho (1,32s.38; 4,40; 14,16) e principalmente na redação final (eclesial) que lida com o problema da separação, divisão e desistência, cf. 1Jo 2,18-28). “Permanecei no meu amor”, diz Jesus após a comparação com a videira cujos ramos (os discípulos) devem permanecer na videira (Jesus). O contrário de permanecer seria separar, afastar-se (1Jo 2,19), desistir da fidelidade e da obediência e, em consequência, perder a vida porque a vida e o amor brotam do Pai para o Filho (3,35; 5,26), e do Filho para os discípulos (cf. 17,23; 20,21; 1Jo 4,7-12.16). Quem ama Jesus, vai guardar os mandamentos depois da partida dele e assim permanecer no amor mútuo do Pai e do Filho que inclui os discípulos.

Eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena (v. 11).

Guardar os mandamentos (sobretudo praticar o amor-caridade, vv. 12s.17; 13,34s) não escraviza, mas é fonte de alegria. Quando há amor, o cumprimento é gozoso, até o sacrifício pode trazer alegria (como as dores do parto em 16,21s; cf; 17,13; 1Jo 1,4). O tema da alegria (com seu correlativo, a festa) é frequente no Antigo Testamento (AT); com Javé como sujeito: “Vou alegrá-los em minha casa de oração” (Is 56,7); alegria a seu servo (Sl 86,4); “houve uma festa, porque o Senhor os inundou de alegria” (Ne 12,43). Também na evangelização, a alegria no Espírito Santo sempre acompanha os apóstolos (At 2,46 etc.).

O site da CNBB comenta: Os mandamentos que Deus nos deu na verdade constituem-se na grande manifestação do seu amor, pois os mandamentos de Deus nos possibilitam a descoberta dos valores que podem fazer o homem verdadeiramente feliz. O cumprimento dos mandamentos tem dois significados: o primeiro é a correspondência ao amor de Deus que nos amou primeiro, e o segundo é trilhar os caminhos para a verdadeira felicidade, pois o amor faz com que permaneçamos unidos a Deus, que é a única fonte da verdadeira alegria, a alegria plena, que é a alegria da perfeita comunhão com aquele que nos ama com amor eterno.

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