18 de Setembro de 2018, Terça-feira: Vós, todos juntos, sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros desse corpo (v. 27).

Leitura: 1Cor 12,12-14.27-31a

Nos caps. 12-14, Paulo escreve sobre o bom uso dos dons do Espírito (carismas), concedidos à comunidade como testemunho visível da presença do Espírito. Os coríntios eram tentados a apreciar principalmente os carismas mais vistosos e a utilizá-los em ambientes anárquico, semelhante ao de certas cerimônias pagãs.

A Bíblia do Peregrino (p. 2257s) comenta o cap. 12: Em Corínto, ao que parece, os dons espirituais ou “carismas” davam origem a divisões por inveja ou competição, por vaidade comparativa. Paulo responde desenvolvendo duplo argumento: origem e função. A origem é única e mantém um controle unificado: o Espírito. A função é plural, mas de forma orgânica, ou seja, existe uma diferenciação a serviço da unidade do organismo (como os membros diversos de um único corpo)… 12,12-30 propõe o segundo argumento, desenvolvendo a imagem (não alegoria estrita) de um organismo. É óbvio o aspecto da diversidade funcional, é essencial o aspecto da correlação e interdependência. A pluralidade e variedade a serviço da unidade. Unida ao Messias, a Igreja é como um corpo. Não é legítimo identificar cada membro mencionado com a função específica na Igreja; é legítimo, sim, observar o interesse do autor pelos membros mais fracos, mais escondidos, menos vistosos.

Como o corpo é um, embora tenha muitos membros, e como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo (v. 12).

Paulo recorre a um tema bem conhecido da cultura greco-romana: o corpo humano, como imagem do corpo social ou estado, incita ao respeito à diversidade de seus membros e à necessária unidade de todos na execução de um objetivo comum (cf. as oposições “um-todos” ou “um-muitos (vários)”. O apóstolo, porém, modifica profundamente o significado desta imagem do “corpo”, à luz da sua experiência cristã e da prática eucarística do “corpo de Cristo” (cf. o tema anterior em 11,17-34).

“Assim também acontece com Cristo”; subentende-se: ele (Cristo) é um, tem vários membros (como “o corpo” no v. precedente). Como o corpo humano une a pluralidade de seus membros, assim Cristo, princípio unificador da sua Igreja, constitui todos os cristãos na unidade do seu Corpo.

De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito (v. 13).

Comparado com o trecho sobre o batismo em Gl 3,28, falta aqui o binômio “homem e mulher” (cf. 11,2-16: as mulheres na assembleia); “gregos” equivale a pagãos.

Este v. não faz parte da narrativa-parábola, mas já fornece, por antecipação, uma explicação teológica baseada no batismo e na Eucaristia. O primeiro membro é paralelo a 10,2: “Todos foram, em Moisés, batizados na nuvem e no mar”; o segundo é paralelo a 10,4: “Bebiam uma bebida espiritual”, era uma alusão à Eucaristia. O Espírito (= vento) toma no batismo uma forma líquida: o homem se submerge nele e o absorve. Ou seja, o beber/absorver alude à eucaristia (cf. 11,17-34). “Todos no único Espírito” (cf. Ef 4,4-6).

Com efeito, o corpo não é feito de um membro apenas, mas de muitos membros (v. 14).

A primeira parte da parábola do corpo (vv. 14-20a) desenvolve o tema da diversidade necessária. A segunda parte fala da importância e necessidade também dos membros mais fracos e desprezados no corpo da comunidade. Nossa liturgia omite o desenvolvimento da parábola nos. vv. 15-26.

Vós, todos juntos, sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros desse corpo (v. 27).

A Igreja é o corpo “de Cristo” por ser cada batizado (cristão), antes do mais, membro de Cristo: a expressão “vós sois seus membros” deve compreender-se como “vós sois membros de Cristo”, assim como “vós sois o corpo de Cristo”.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2163s) comenta este “corpo místico” de Cristo:

Embora utilize o clássico apólogo que compara a sociedade a um corpo unido nos seus diversos membros, não é a esse apólogo que Paulo deve a sua concepção de Corpo de Cristo. Ela é inspirada pela fé cristã de Paulo (cf. 9,4s; Gl 1,15s), fé em Jesus ressuscitado num corpo vivificado pelo Espírito (Rm 1,4), primícias do mundo novo (1Cor 15,23), ao qual os cristãos se unem em seus próprios corpos (Rm 8,11), pelos ritos do batismo (1Cor 12,13; cf. Rm 6,4) e da eucaristia (1Cor 10,16s). Os cristãos tornam-se assim “membros” de Cristo (1Cor 6,15); unidos todos ao seu corpo pessoal constituem com ele o Corpo de Cristo que chamados “místico” (1Cor 12,27; cf. Rm 12,4s). Esta doutrina de grande realismo, que já aparece em 1Cor, ocorre de novo, e com mais amplidão, nas cartas do cativeiro. Sem dúvida, é no Corpo de Cristo crucificado segundo a carne e vivificado pelo Espírito (Ef 2,14-18; Cl 1,22) que se realiza a reconciliação dos homens, membros de Cristo (Ef 5,30). Mas Paulo acentua principalmente a unidade desse corpo, que reúne todos os cristãos no mesmo Espírito (Ef 4,4; Cl 3,15) e a identificação de tal Corpo com a Igreja (Ef 1,22s; 5,23; Cl 1,18.24). Esse corpo, concebido como uma pessoa (Ef 4,12s; Cl 2,19), tem o Cristo como Cabeça (Ef 1,22; 4,15s; 5,23; Cl 1,18; 2,19; comparar 1Cor 12,21), certamente por influencia da concepção de Cristo Cabeça das Potências angélicas (Cl 2,10). Enfim, a noção de Corpo de Cristo chega a englobar, de certo modo, o universo inteiro reunido sob o domínio do Kyrios (Ef 1,23; cf. Jo 2,21). 

E, na Igreja, Deus colocou, em primeiro lugar, os apóstolos; em segundo lugar, os profetas; em terceiro lugar, os que têm o dom e a missão de ensinar; depois, outras pessoas com dons diversos, a saber: dom de milagres, dom de curas, dom para obras de misericórdia, dom de governo e direção, dom de línguas. Acaso todos são apóstolos? Todos são profetas? Todos ensinam? Todos realizam milagres? Todos têm o dom das curas? Todos falam em línguas? Todos as interpretam? (vv. 28-30).

Os vv. 28-30 aplicam à Igreja a primeira parte da parábola do corpo, o desenvolvimento sobre a diversidade. Assim como Deus “colocou” (dispôs) os membros do corpo (v. 18), assim também Deus “colocou homens na Igreja”. E estes exercem várias funções que não poderiam, sem contra-senso, ser reduzidas a uma só (vv. 29-30).

Estes dois elencos não coincidem com o precedente (vv. 8-10) em números ou em todos os momentos; Há alguns carismas novos, “de governo e assistência”. Destacando-se na sequência os que podemos chamar “cargos”; participam do dinamismo dos carismas, mas têm função de direção: os “apóstolos, profetas e mestres” (cf. Rm 12,6-8).

“Em primeiro lugar, os apóstolos”, são aqueles que tiveram um encontro com Jesus ressuscitado e por isso tem um envio especial para anunciar (cf. 9,1; Rm 1,1; Gl 1,11-16).

“Em segundo lugar, os profetas” (14,1; Ef 4,11; Rm 12,6; Lc 11,49); tanto no NT como no AT, a profecia só secundariamente consiste em predizer o futuro (At 11,28; 21,10-14). O profeta é essencialmente um homem ou uma mulher (cf. 1Cor 11,2) que fala em nome de Deus sob a inspiração do Espírito, que revela o mistério do seu desígnio (13,2) e sua vontade divina nas circunstâncias presentes. Ele edifica, exorta, encoraja (14,3) e descobre os segredos dos corações (14,24s).

“Em terceiro lugar, os que têm o dom e a missão de ensinar” (lit. os mestres). Os mestres ou doutores são os encarregados, em cada Igreja, do ensinamento regular e ordinário (cf. At 13,1), são responsáveis pela formação doutrinal dos fiéis, pela catequese que aprofunda o kerigma (anúncio inicial).

“Dom de governo e direção”; o dom de administrar e dirigir as Igrejas. “Dom para obras de misericórdia”, lit. assistência. O dom de dedicação às obras de amor fraterno.

Observa-se que Paulo coloca duas vezes a glossolalia (“falar em línguas”) em último lugar, talvez em contraste à supervalorização deste dom que os coríntios lhe davam (cf. 13,1; cap. 14). Na lista de Rm 12,6-8 não é mencionado.

Aspirai aos dons mais elevados (v. 31a).

Esta frase já introduz o tema do dom mais elevado, o amor-caridade (agape) a qual Paulo dedica um hino em seguida (cap. 13; leitura de amanhã).

A Tradição Ecumênica da Bíblia (p. 2220) comenta: 1Cor 12-14 são a resposta de Paulo às questões suscitadas pela existência em Coríntio, de fenômenos espirituais (“pneumatiká”; cf. 14,1.37). Na assembléia cristã, certos coríntios e coríntias eram arrebatados pela inspiração e tomavam a palavra para louvar a Deus ou exorta os outros, quer no idioma dos participantes (“profecia”), quer em idiomas desconhecidos ou compostos de sílabas sem nexo inteligível (“glossolalia”). Antes de reconhecer nesses fenômenos um cunho positivo (cap. 14), Paulo procede a uma reordenação: o que é mais útil à comunidade, são os “dons-da-graça” (ou “carisma”, cf. vv. 4 e 31), que são muito mais numerosos e diversificados que as manifestações espetaculares a que os coríntios atribuíam à comunidade. Enfim precisa ser informado pelo amor (“ágape”) que, em meio a esta diversidade, manterá unida a comunidade (cap. 13).

 

Evangelho: Lc 7,11-17

No evangelho de hoje ouvimos uma narração peculiar a Lc que prepara a reposta de Jesus aos enviados de João (7,22: “os mortos ressuscitam…”).

Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim. Com ele iam seus discípulos e uma grande multidão. Quando chegou à porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a acompanhava (vv. 11-12).

Naim é uma aldeia, na estrada de Cafarnaum à Samaria. Desta vez, Jesus encontra uma viúva e um órfão defunto, como nos casos famosos de Elias e Eliseu que ressuscitaram meninos mortos (1Rs 17,17-24; 2Rs 4,32-37; cf. Pedro em At 9,36-42 e Paulo em At 20,7-12). Jesus já se referiu a estes dois profetas em 4,2-27. Viúvas e órfãos são categorias necessitadas que no AT reclamam atenção especial (cf. Ex 22,21s; Dt 10,18; 14,29; 27,19 etc.; Is 1,17; Jr 7,6; 22,3; Eclo 4,10) e aparecem ainda no NT (Tg 1,27). À luz da simbologia dos profetas, essa viúva sem filhos pode representar a comunidade de Israel, da qual o Senhor se compadece (cf. Is 51,18s; 54,4.8).

Uma “grande multidão” tem compaixão dessa pobre mulher que, depois de perder o marido, perdeu ainda o seu filho único (cf. 8,42; 9,38). Quem vai alimentar esta pobre? Deus mesmo se ocupa deles: “pai de órfãos, protetor de viúvas” (Sl 68,6). Jesus, portador de vida, vai ao encontro da comitiva fúnebre; a sincronia não é casual.

Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores!” Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam. Então, Jesus disse: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe (vv. 13-15).

Jesus sai ao encontro da dor humana com toda a compaixão, e esta mobiliza o poder. É o poder máximo, da vida e a morte: por isso atualiza ditos antigos: “Tu tens poder sobre a vida e a morte” (cf. Dt 32,39; Tb 13,2; Sb 16,13); e à luz da Páscoa, prefigura a ressurreição; porque mostra que a morte não será o caminho sem retorno.

“O Senhor sentiu compaixão”; Lc dá a Jesus o título “Senhor” cerca de vinte vezes nas narrativas (Mt e Mc só uma vez: Mt 21,3; Mc 11,13), sem contar o vocativo “Senhor”, cujo sentido é mais fraco. A tradução grega do AT transcreveu Senhor no lugar de Javé (JHVH), os nossos textos litúrgicos seguem este costume. Em Lc, o poder e a misericórdia (cf. Ex 34,6) de Deus se unem em Jesus cuja palavra é eficaz (cf. a cura anterior do servo á distância, vv. 1-7).

Jesus une a ação à palavra e toca no caixão (ou no lençol mortuário, conforme o costume, o corpo era colocado diretamente sobre uma padiola); é um toque de vida que detém o caminho de regresso ao pó. “Levanta-te!”, o verbo “levantar, despertar” foi empregado desde as origens da crença na ressurreição (Dn 12,2), em Lc ainda em 8,54; 9,22; 18,33; 20,37; 24,6.34 (cf. At 3,15; 4,10; 5,30; 10,40; 13,37; 1Ts 1,10; 1Cor 15,4.12-15…).

Todos ficaram com muito medo e glorificavam a Deus, dizendo: “Um grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo.” E a notícia do fato espalhou-se pela Judéia inteira, e por toda a redondeza (vv. 16-17).

O comentário do povo evoca o milagre do profeta Elias e a promessa de Dt 18,15; reconhecem-lhe o título de “profeta”, nada mais (cf. 9,7.19). Mas vislumbra que Deus se faz presente em Jesus: “Deus veio visitar” ou “preocupa-se”, anunciado no hino de Zacarias (1,68.78), segundo uma expressão corrente no AT (Ex 3,16; 1Sm 2,21; Sl 8,5); é o verbo usado por Tiago referindo-se a órfãos e viúvas (Tg 1,27).

Para Lc a “Judeia” designa muitas vezes a terra toda dos judeus e compreende Galileia (4,44; 7,17; 23,5; cf. At 10,37; 28,21).

Maria, a mãe de Jesus, também era viúva e tinha que chorar ainda a morte do filho único. No terceiro dia, porém, o túmulo dele estava vazio. “Não chores!” (v. 13; cf. Jo 20,13.15).

O site da CNBB comenta: Os milagres que Jesus realiza não possuem uma finalidade em si, mas são a expressão de uma realidade maior. Quando vemos o caso do Evangelho de hoje, percebemos duas coisas: primeiro: o nosso Deus é o Deus da vida e da vida em abundância, e tem poder sobre a morte; segundo: o que motiva Jesus a agir é a compaixão com os que sofrem, e isso nos mostra um aspecto muito importante da sua missão, que é a solidariedade com os mais pobres e necessitados. E tudo isso nos revela que Deus veio visitar o seu povo, ser solidário com ele, e esta notícia precisa ser espalhada para todos os homens a fim de que todos possam perceber a presença amorosa de Deus em suas vidas.

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