19 de Abril de 2020 – 2º Domingo da Páscoa – Festa da Misericórdia: Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco” (v. 19).

2º Domingo do Tempo Pascal

 1ª Leitura: At 2,42-47

A 1ª leitura no tempo pascal é sempre tirada dos Atos dos Apóstolos, escritos por Lucas como segundo volume após o seu evangelho (cf. 1,1s). Os At nos mostram a expansão do evangelho depois da ascensão de Jesus (40 dias após a Páscoa) e a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes (50 dias). Neste dia, os apóstolos romperam seu silêncio, seu retiro (cf…..  e o medo dos judeus no evangelho de hoje), e Pedro fez o primeiro sermão aos peregrinos reunidos em Jerusalém. 3000 pessoas se converteram e foram batizados juntando-se aos 120 da comunidade primitiva (v. 41; cf. 1,15).

Ouvimos hoje o retrato desta comunidade em Jerusalém, um sumário apresentado como o efeito imediato do dom do Espirito (seguir-se-ão outros dois retratos em 4,32-35 e 5,11-16). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2107) comenta: Esses sumários apresentam elementos comuns e afinidades estruturais que convidam a considera-los juntos. Cada um deles enfatiza um tema em relação com o contexto (aqui, a unidade e a irradiação da comunidade) e insere um breve lembrete dos outros temas: a atividade milagrosa dos apóstolos (v. 43) anuncia aqui o tema de 5,12-15; a partilha dos bens (vv. 44-45), o tema de 4,32-35.

(Os que haviam se convertido) eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações (v. 42).

“Os que haviam se convertido” resume os vv. anteriores e se refere aos que se converteram pela pregação pentecostal de Pedro. Mas Pentecostes não pode ser um fogo de palha, conversão precisa de perseverança que muitas vezes falta na administração dos nossos sacramentos ou eventos religiosos. Um ato único de conversão e fé deve desembocar numa vida comunitária e cotidiana.

A vida da comunidade cristã baseia-se em quatro colunas:

  1. O “ensinamento dos apóstolos”: os apóstolos dirigem a comunidade com seu ensinamento, que prolonga o de Jesus, cf. Lc 4,32 “com autoridade”; hoje doutrina, tradição, dogmas, magistério etc.); aqui são instruções (catequese) aos novos convertidos, nas quais as Escrituras eram explicadas à luz dos eventos cristãos, não mais como proclamação (kerygma) da boa nova a não-cristãos (cf. 15,35).
  2. A “comunhão fraterna” (partilha, explicada nos vv. 44s; hoje dízimo, convivência etc.),

A Bíblia de Jerusalém (p. 2051) comenta: “Comunhão” (1Cor 1,9) é empregada aqui sem complemento (cf. Gl 2,9). Faz-se mister entendê-la certamente como comunhão dos bens (v. 44; 4,32-35), que exprime e reforça a união dos corações (v. 46; 4,32), resultante da partilha do evangelho e de todos os bens recebidos por Deus por Jesus Cristo na comunidade apostólica. O sentido do termo não se limita a uma entreajuda social, nem a uma ideologia comum, ou a um sentimento de solidariedade.

  1. A “fração do pão” (primeiro termo para designar a missa, a eucaristia, cf. v. 46; Lc 24,30.35; At 20,7.11). A Bíblia de Jerusalém (p. 2051) comenta: A expressão, tomada em si mesma, evoca a refeição judaica onde quem preside pronuncia uma benção antes de repartir o pão. Mas, na linguagem cristã, visa o rito eucarístico (1Cor 10,16; 11,24; Lc 22,19p; 24,35). Este (v. 46) não era celebrado no Templo, mas numa casa; e não era separado de uma verdadeira refeição (cf. 1Cor 11,20-34).
  2. As “orações” podem ser as orações judaicas das quais os fiéis ainda participam (v. 46: no templo), ou orações propriamente cristãs, presididas pelos apóstolos (6,4; cf. 4,24-30. 1,14.24; 12,5).

E todos estavam cheios de temor por causa dos numerosos prodígios e sinais que os apóstolos realizavam (v. 43).

Os próximos vv. explicitam as quatro colunas. Do ensinamento dos apóstolos, Pedro já deu um exemplo no sermão de pentecostes (vv. 14-36).

A vida cristã não é apenas uma doutrina, mas uma prática libertadora. A expressão “prodígios e sinais” lembra os milagres de Moisés no Êxodo (cf. Ex 3,20; 4,8.17; 7,3.8; 10,1s etc. ….) narrados na Páscoa (haggada); o evangelho de Jo chama os milagres de Jesus “sinais” (2,11; 3,2 etc.)

Jesus havia enviado os apóstolos em Lc 9,1.6; At 1,8; agora o Espírito os capacita ainda mais para evangelizar e realizar curas (a primeira, de um paralítico, será narrado no próximo cap.). Os apóstolos continuam realizando prodígios (como Jesus, Lc 19,37), que provocam em todos um sentido de reverência (“temor”, como na cura do paralitico, Lc 5,26).

Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e colocavam tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um (vv. 44-45).

“Os que abraçavam a fé” (lit. “os tendo crido”, o que pode ser traduzido “crentes” ou “fiéis” (raiz grega pist-). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2107) comenta: Nova maneira de designar os cristãos (cf. 11,26 nota): por um particípio do verbo “crer” (4,32; 18,27; 19,18; 21,20). Certamente antigo (cf. 1Ts 1,7; 2,10 etc.), este uso manifesta a importância, atestada aliás em cada página dos Atos, que os cristãos atribuíam à sua fé em Jesus.

“Viviam unidos e colocavam tudo em comum” A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2107) comenta: Os Atos se comprazem em sublinhar, até idealizá-las (cf. 4,32; 6,1), a união (cf. 2,1), a unanimidade (2,46; 4,24; 5,12; 15,25), a comunhão fraterna (2,42), a comunhão de bens (cf. 4,32; 9,36) que caracterizam a primeira comunidade. Esta se torna então um exemplo para todos os fiéis e todas as Igrejas (11,29), cuja unidade é uma das ideias mestres do livro.

A Bíblia do Peregrino (p. 2631) comenta: Ao dar-nos uma descrição do estilo de vida, o autor nos indica ao mesmo tempo os fatores que expressam e mantêm essa vida. Têm um forte sentido de comunidade a ponto de partilhar os bens, segundo o critério ideal de dar a cada um segundo sua necessidade.

A “comunhão fraterna” (v. 42) não é comunismo (sistema forçado em vez de livre adesão), nem egoísmo (indiferença e ganância sem querer partilhar com os mais necessitados). Uma comunidade não se sustenta apenas pelas orações, mas precisa de uma administração material (cf. 4,35 e a instituição dos diáconos em 6,1-7).

Diariamente, todos frequentavam o Templo, partiam o pão pelas casas e, unidos, tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração (v. 46).

Explicitam-se a fração do pão e as orações do v. 42.

Orações são feitas não apenas em casa, mas ainda no templo de Jerusalém, por “todos” e “diariamente”, como continuidade com o passado (o templo será destruído só no ano de 70 d.C.). A comunidade dos discípulos ainda faz parte do judaísmo, é formada por judeus da Galileia e da capital; só mais a tarde, com a conversão de gregos e outros em Antioquia da Síria serão chamados “cristãos” (11,26).

Mas para o tamanho da comunidade (3200), o templo não serviu apenas para orações, mas também como palco do ensinamento dos apóstolos (cf. 3,1; 5,12.20s.42), como Jesus já “ensinava diariamente no templo” (Lc 19,47).

A Eucaristia (partir, fração do pão) é celebrada “nas casas” (ainda não havia igrejas construídas), mas como celebração nova e especifica (Lc 22,19, o mandato de Jesus; cf. At 20,7). A missa e a refeição diária não só separadas ainda (cf. 1Cor 11,….); a refeição em comum pode ser a chamada ágape que precedeu a eucaristia.

“Com alegria e simplicidade de coração”, não como nos banquetes do estilo da elite greco-romana. Para Lc, o autor dos At, justiça social e simplicidade são importantes, como também a “alegria” (cf. Lc 1,14.28.44.58; 2,10 etc.) que segue a fé (At 8,8.39; 13,48.52; 16,34; cf. 5,41; Rm 15,13; Fl 1,4).

Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E, cada dia, o Senhor acrescentava ao seu número mais pessoas que seriam salvas (v. 47).

“Louvavam a Deus” é expressão da alegria da fé (cf. 3,8.9; 4,21; 21,20; Lc 2,20). “Eram estimados por todo o povo”; outra tradução possível: a graça lhes abria o acesso junto ao povo (cf. 4,33).

A Bíblia do Peregrino (p. 2631) comenta: Por ora vivem em paz com os de fora e são estimados. E por obra de Deus a comunidade dos que “se salvavam” continuava crescendo. 

A Bíblia de Jerusalém (p. 2051s) comenta: A salvação na hora do julgamento é assegurada para os membros da comunidade cristã (2,21; cf. 13,48 e as epistolas paulinas). A Igreja se identifica assim com o “resto de Israel” (Is 4,3. Cf. Rm 9,27).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1328) comenta: Assim construída, a comunidade será modelo de fraternidade, partilha, acolhimento, alegria e devoção, irradiando a Boa-Nova e tornando-se missionaria. Ela desperta a simpatia do povo, atrai novos participantes, realiza sinais e prodígios. Realmente, a melhor maneira de evangelizar é viver em comunidade.

2ª Leitura: 1Pd 1,3-9

Durante o tempo pascal, a 2ª leitura nos domingos do ano A é tirada da primeira carta de Pedro. Foi escrita em grego, e de tal qualidade que parece difícil atribuí-la ao próprio Pedro, pescador simples da Galileia onde se falava aramaica. Mas Pedro estava em companhia de Silvano (= Silas, 5,12) e João Marcos (5,13). Ambos foram também companheiros de Paulo (At 15,40-18,5; 12,5; 13,5-13).

Esta carta circular (“católica” no sentido de “geral, para todos”) se diz ser escrita “por meio de Silvano” (5,12). A data deve ser pouco antes da perseguição de César Nero na qual Pedro e Paulo sofreram o martírio (64-67 d.C.). Entretanto, o estudo da situação histórica e do desenvolvimento do cristianismo faz pensar, que a carta poderia ser escrita pouco depois do martírio de Pedro, talvez cerca de 70-80 ou durante a perseguição de Domiciano (95 d.C.), ou até em duas etapas. Um discípulo residente em Roma (chamada “Babilônia” em 5,13; cf. Ap 18,2.10.21) teria redigido esta mensagem de encorajamento para manter viva a tradição do primeiro apóstolo e alentar as comunidades “dispersas” na Ásia Menor (cf. v. 1).

Nos vv. 1-2 (omitidos pela leitura de hoje), Pedro se apresenta com os mesmo títulos das cartas de Paulo e se dirige a cristãos (“eleitos”) que vivem longe da pátria em terras estrangeiras. Se é diáspora (“dispersão”) para os judeus, para os cristãos é seu primeiro crescimento. Eles formam o povo da nova aliança, graças ao sangue de Jesus Cristo (“na aspersão do seu sangue”; v. 2; cf. Ex 24,3-8; Hb 9,12-14; 12,24; Mt 26,28p). A menção das três pessoas divinas mostra que a comunidade cristã tem a sua origem na Trindade (cf. 2Cor 13,13). O trecho seguinte voltará ao tema do Pai (vv. 3-5), do Filho (vv. 6-9) e do Espírito (vv. 10-12).

Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Em sua grande misericórdia, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo, para uma esperança viva, para uma herança incorruptível, que não se mancha nem murcha, e que é reservada para vós nos céus. Graças à fé, e pelo poder de Deus, vós fostes guardados para a salvação que deve manifestar-se nos últimos tempos (vv. 3-5).

Bendizer a Deus equivale a dar-lhe graças (Paulo sempre dava graças no início das suas cartas). A fórmula de benção herdada no AT, “Bendito seja Deus…” (Gn 14,20; Lc 1,68; Rm 1,25; 2Cor 11,31), tornou-se cristã (Rm 9,5). O Deus que nós bendizemos é o Pai de Jesus (cf. 2Cor 1,3; Ef 1,3).

Os benefícios da benção pelos quais louvamos a Deus estão ligados a pessoa de Cristo e, sobretudo à sua ressurreição (Rm 1,4-5; etc.). O “novo nascimento” (cf. v. 23 “gerados de novo”) pelo batismo (cf. Jo 3,3-5; 1Jo 3,9) é participação na vida de Jesus ressuscitado, dando aos cristãos esperança incomparavelmente superior a qualquer outro ideal humano. Assim como Deus havia concedido a “herança” da terra ao povo da antiga aliança, também o povo da nova aliança recebe como herança “incorruptível” a própria vida de Deus (cf. 2Pd 1,4; Mt 25,34).

O cristão vive impulsionado para a vida plena que está “reservada” (cf. Sl 31,20; Cl 1,5.12), sempre em via de se “manifestar”: o período final da história inaugurado por Jesus (1,20) e que se concluirá com a “revelação” (vv. 7.13; 4,13; 5,1; 1Cor 1,7-8) ou seja, a parusia (“vinda” do Senhor e do Reino; Tg 5,8; cf. Mc 1,15).

A Bíblia do Peregrino (p. 2905) comenta sobre nossa leitura de hoje:

O motivo do conjunto é a “salvação” (Pedro poderia ter recordado que o nome de Jesus contém a raiz de “salvar”). Jesus traz o título de Senhor, talvez o de Messias (christós), implicitamente o de Filho de Deus Pai.

Toda a salvação, desde o começo do batismo, ao longo da existência, até a consumação, é obra de Deus Pai por meio de Jesus Cristo. Inclusive antes precede o “desígnio” de Deus (v. 2). De Jesus Cristo recorda a “ressurreição” (v.3) e a parusia (vv. 5.7). O cristão responde com a fé (vv. 5.9), a esperança (v. 3), a constância (vv. 6-7), o amor a Cristo (v. 8). Vejamos as etapas.

  1. a) a regeneração ou novo nascimento (vv. 3.23), em virtude do mistério pascal. A morte de Cristo fica implícita; menciona só a ressurreição. Porque ambas, ressurreição de Cristo e regeneração do cristão, são a seu modo começo de vida nova. A fé inicial é crer e amar sem ter visto nem conhecido pessoalmente Jesus – como conheceu Pedro, que conviveu com ele. É também o começo de uma esperança sem ter visto (cf. Jo 20,29)
  2. b) a vida do cristão está animada pela fé, “custodiada” por Deus, alegrada pela esperança. Inclui sofrimentos (tema dominante da carta), que são provações e purificam a fé. Em meio ao sofrimento, a esperança enche de alegria (cf. 2Cor 7,4). Cada família recebeu sua parcela, quando a terra prometida foi repartida entre as tribos; era sua herança. Era uma terra alheia, exposta, ameaçada, perdida. O cristão conta com uma “herança” guardada ou reservada no céu. É segura, não terá fim; o paradoxo é que o herdeiro toma posse da herança quando morre, não quando morre o testamenteiro. E a receberá no “último dia”, o dia da parusia, quando Jesus Cristo se revelar (1Cor 1,7).

Isto é motivo de alegria para vós, embora seja necessário que agora fiqueis por algum tempo aflitos, por causa de várias provações. Deste modo, a vossa fé será provada como sendo verdadeira – mais preciosa que o ouro perecível, que é provado no fogo – e alcançará louvor, honra e glória no dia da manifestação de Jesus Cristo (vv. 6-7).

O tema preponderante da carta é a fé no meio das provações (cf. 3,14; 4,12-14; Mt 5,11s: Jo 16,20; Hb 12,5-13; Tg 1,2s; Rm 5,3-5).

A qualidade da fé será testada no juízo, como o ouro, acrisolado no fogo. A comparação é tradicional: “Ó Deus, puseste-nos a prova, tu nos refinaste como se refina a prata” (Sl 66,10); “Deus os pôs a prova e os encontrou dignos de si, provou-os com o ouro no crisol” (Sb 3,5s; cf. Is 48,10; Zc 13,9; Ml 3,3). Lembramos que Pedro estava se aquecendo no fogo (do pátio do sumo sacerdote) quando falhou negando Jesus e depois chorou amargamente (Mc 14,66-72p; cf. Jo 21). A fé é compromisso permanente com Cristo, até a morte. Cristo chegou à glória da ressurreição através de perseguições e sofrimentos. O cristão segue o mesmo caminho: mediante o testemunho de vida em meio às provas, pouco a pouco nele se manifesta o próprio Cristo, que comunica a alegria da ressurreição.

Sem ter visto o Senhor, vós o amais. Sem o ver ainda, nele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação (vv. 7-8).

Os apóstolos “viram” Cristo ressuscitado (cf. 1Jo 1,1 etc.). Os que não viram, mas acreditam no testemunho e na pregação dos apóstolos são declarados “felizes os que creram sem terem visto” (Jo 20,29; cf. 2Cor 5,7). No meio das angustias (v. 6; 2,12.19; 3,13-17; 4,12-19), os cristãos tiram desta fé e do amor ao “Senhor” ressuscitado (cf. Jo 20,8) a certeza jubilosa da “salvação das almas” (lit.), isto é das suas pessoas (v. 22; 2,11; cf. 1Cor 15,44). A Bíblia do Peregrino (p. 2905s) traduz “salvação pessoal” e comenta: No AT o sintagma significa simplesmente salvar a vida; aqui significa a salvação total e definitiva. A salvação fica completa no final, no último dia.

 

Evangelho: Jo 20,19-31

O evangelho de hoje apresenta a aparição de Jesus ressuscitado diante dos discípulos “no primeiro dia da semana”, e depois diante de Tomé “oito dias depois”, ou seja, novamente num dia de domingo.

Nos dois domingos, Jesus apresenta as marcas da crucificação nas mãos e no lado. Uma irmã polonesa, Faustina Kowalska (1905-1938), teve uma visão de Jesus mostrando o mesmo gesto e incentivando-a a divulgar a misericórdia divina. Por isso, o seu conterrâneo, o santo papa João Paulo II, canonizou em 2000 a irmã e declarou este domingo o da “Divina misericórdia”.

O quarto evangelho narra que “no primeiro dia da semana”, Maria Madalena “viu” o túmulo vazio (vv. 1-2; cf. Mc 16,1-7); Pedro e o outro discípulo, que Jesus amava, verificaram o túmulo (vv. 3-10; em Lc 24,12, Pedro sozinho); o discípulo amado (suposto autor do evangelho, cf. 21,24) “viu e acreditou”. Em seguida, o próprio Jesus ressuscitado apareceu a Madalena (vv. 11-18). Ela foi anunciar aos discípulos: “Vi o Senhor” (v. 18). Como os discípulos reagiram a este anúncio pela mulher? Jo nos diz nada a respeito (cf. Lc 24,11).

Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco” (v. 19).

Como em Lc 24, a aparição diante dos discípulos acontece em Jerusalém e é a segunda no mesmo dia, “o primeiro da semana” (futuramente chamado pelos os cristãos: “domingo”, dies dominicus = dia do Senhor).

Os discípulos tinham fechados “as portas do lugar onde se encontravam” (pela tradição era o lugar da última ceia, o cenáculo no andar superior, cf. Lc 22,11s; At 1,13) “por medo dos judeus”, quer dizer, das autoridades judaicas que condenaram Jesus, não do povo em geral (os próprios discípulos eram judeus). Mas o Ev de Jo generaliza, sua comunidade estava sendo perseguida pelos “judeus” que excluiram os cristãos da sinagoga no ano 90 d.C. (9,22; 16,2).

Mas o Cristo ressuscitado acabou de vencer a morte; o seu corpo não pode ser barrado pelas barreiras deste mundo, nem por uma pedra no túmulo, nem por portas fechadas que aqui servem para demonstrar mais o poder sobrenatural do corpo do ressuscitado.

Como em Lc 24,36, Jesus pronuncia a saudação costumeira da paz (“shalôm alehem”) que só na boca do ressuscitado ganha sentido pleno (vv. 19.26; cf. 14,27): ele venceu o mundo com todos seus inimigos e medos (16,33; cf. 1Jo 5,4s).

Depois destas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor (v. 20).

O relato em Lc 24,36-42 parece ter servido de modelo: a aparição de Jesus diante dos discípulos no mesmo dia e a saudação de paz; como primeira prova mostra as mãos (em Jo também o lado, cf. 19,34), para não ser uma ilusão, alucinação, fantasma ou espírito desencarnado. Como segunda prova, come um pedaço de peixe assado (Lc 24,42s); em Jo, a segunda prova será o convite a Tomé de tocar nas marcas dos pregos, vv. 24-29 (e o peixe assado encontramos no anexo de Jo 21,9-14).

Jesus identifica-se com as marcas da cruz. O ressuscitado é o crucificado, não é outra pessoa nem outro corpo, nem apenas a alma. Como ressuscitado, Jesus levou suas chagas para eternidade, fazem parte da sua identidade, como a cruz é seu símbolo que virou a bandeira da vitória (cf. 1Cor 1,23s).

A reação dos discípulos é a alegria “por verem o Senhor”; agora eles sabem que é o próprio Senhor. Como ele havia prometido em 16,16-20, agora voltou depois de uma breve separação e dá a alegria. O medo e a tristeza dão lugar a alegria (cf. Mc 16,8; Mt 28,8), mas ainda continuam portas fechadas na comunidade da Igreja que Jesus vai superar (cf. v. 26).

Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. E depois de ter dito isto, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos” (vv. 21-23).

No Ev de Jo, Jesus é o Enviado (missionário) do Pai (3,34; 5,23s etc.; cf. 9,7), agora o Filho envia os discípulos no mesmo movimento (o Filho fez o que viu do Pai, os discípulos devem fazer o que viram e ouviram de Jesus, cf. 5,19).

Em Jo acontece tudo de vez: sua Páscoa já é Pentecostes. Nos outros evangelistas, acontece mais em etapas: a aparição (“ver Jesus”, testemunho ocular), o envio (missão da Igreja) e o dom do Espírito (capacidade para esta missão; cf. At 1-2). Como o Pai enviou seu Filho, Jesus ressuscitado envia os apóstolos e dá o mesmo Espírito de Deus, o Espírito Santo.

Dando o Espírito, Jesus atua como o Pai na criação do ser humano (Adão), formado de barro: “Soprou nas narinas, e Adão tornou-se um ser vivo” (Gn 2,7). O Espirito vivificante renova a Igreja, a ressurreição equivale uma nova criação (cf. Ez 37,1-14; 2Cor 5,17; Rm 8,11; cf. o significado do “primeiro dia da semana”, aludindo ao início da criação, da luz: Mt 28,1p e Gn 1,3-5).

Assim será a missão dos apóstolos igual a de Jesus: não condenar, mas perdoar, salvar (3,17). Em Mt 28,19 é para batizar e ensinar (com o batismo, os pecados são perdoados, cf. At 2,38; Lc 24,27). Perdoar pecados é privilégio divino (Mc 2,7p), mas como enviados de Jesus e com o Espírito divino, os apóstolos têm poder para isso. E quando não perdoarem, não haverá perdão sem eles? Deus é sempre maior, mas eles devem se empenhar para transmitir e viver este perdão e a reconciliação de maneira radical como fez Jesus, até entregar sua própria vida como Cordeiro que tira o pecado do mundo (1,29).

Podemos comparar estes vv. com a terceira parte dos credos da missa: o Espírito Santo e suas obras: Igreja e comunhão, batismo e remissão dos pecados, ressurreição e nova vida (eterna). O Espírito de Deus e de Jesus simboliza paz (a pomba em Mc 1,10p; cf. Is 42,1-4). Paz e nova vida só haverá, se tiver o perdão e não continuar a vingança (cf. a dificuldade de reconciliar famílias desunidas ou nações inteiras em guerra, p. ex. no Oriente Médio).

Tomé, chamado Dídimo, que era um dos doze, não estava com eles quando Jesus veio (v. 24).

“Tomé, chamado Dídimo”, era um dos doze apóstolos. Dídimo é tradução grega do nome hebraico Tomás (=Tomé) e significa “gêmeo”. Como os outros apóstolos, deve ser natural da Galileia, provavelmente pescador (21,2), embora sua dúvida no evangelho de hoje o faça parecer com o cético moderno que só quer acreditar em evidências e provas científicas. No evangelho de Jo, além de crítico, Tomé é sincero, espontâneo, com caráter impulsivo, como o de Pedro, com o qual tem certas semelhanças. Mateus, Marcos e Lucas, os três primeiros evangelistas, apenas o recordam na lista geral dos doze apóstolos (Mt 10,3; Mc 3,18; Lc 6,15 e At 1,13). O evangelho de João, porém, refere-se a Tomé em quatro episódios (11,16; 14,15; 20,24-28; 21,2). O Evangelho de hoje apresenta o terceiro e mais extenso episódio. Ele está na mesma situação que nós hoje: ouve a mensagem da ressurreição, mas não viu Jesus.

Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!”. Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (v. 25).

Como antes Maria Madalena (v. 18), agora os discípulos afirmam: “Vimos o Senhor” (cf. 14,19; 16,16; 21,7). Tomé, porém, não acredita na palavra deles (cf. Lc 24,11), quer ver para crer. Tomé quer identificar Jesus pelas marcas corporais da crucificação que os outros devem ter mencionado no seu relato (cf. 20,20).

Na narração, Tomé ainda estava sob o impacto da Sexta-feira Santa: a prisão de Jesus, os golpes dos soldados, a flagelação, a crucificação e o furo com a lança do soldado que verificou a morte (19,34). Tomé quer certificar-se com os próprios dedos e as próprias mãos, apalpando as chagas das mãos e do peito. Não exige um milagre para acreditar. O papa Bento XIV (séc. 18) disse quem determina se é milagre ou não, é a ciência. Se ela chegar à conclusão que algo não pode ser explicado por nenhuma causa natural, física, humana, então é milagre.

Todos os evangelhos apresentam narrações que querem mostrar a realidade da ressurreição. Contudo, como a ressurreição é meta-história, é impossível prová-la (como é impossível provar a existência de Deus, porque ele é metafísico; provar só se pode coisas deste mundo). É uma questão de fé, não de ciência. Mas a ressurreição de Jesus também não está totalmente fora deste mundo (no fim do mundo), porque se situa a partir de certo momento da história e de certas pessoas que a testemunham e anunciam.

Em defesa (apologia) da ressurreição, Mc apresentou o túmulo vazio; Mt acrescentou o suborno de soldados que vigiavam o túmulo lacrado; em Lc, Pedro verificou o túmulo vazio e o ressuscitado come um peixe para mostrar aos discípulos que não era um fantasma. Em Jo, Pedro verificou os panos de linho dentro do túmulo e Tomé quer uma prova empírica de que os apóstolos não sonharam nem alucinaram nem se enganaram nem mentiram. Ele representa a dúvida de qualquer pessoa de fora, daquela época e de hoje, “que não estava presente quando Jesus veio” (v. 24).

Agora Jesus será identificado pela cruz (cf. Mc 16,6p). Já em Lc 24,39, o próprio ressuscitado convida para tocar suas mãos e seus pés para os discípulos verificarem que não é um fantasma. Em Jo 20,20.27 trata-se da continuidade entre o Jesus que sofreu e o Jesus que está sempre com eles (cf. Hb 2,18). Tomé conhecia bem o rosto de Jesus, mas pede somente tocar nas chagas que são sinais de um infinito amor (15,13) e foram gloriosamente conservados.

“Jesus pode agora ser reconhecido mais por suas feridas do que por sua face. Os sinais que confirmam a sua identidade são acima de tudo as suas chagas, nas quais ele revela o quanto nos amou. Nisso o Apóstolo não está errado” (Bento XVI).

Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco” (v. 26).

Importante é a data “oito dias depois”, quer dizer, é domingo novamente, o “primeiro dia da semana” em que os discípulos (e a comunidade dos leitores) se reúnem e Jesus ressuscitado se faz novamente presente na fração do pão, i.é. na celebração da eucaristia (At 20,7). A maneira como o evangelista colocou esta data, já é um reflexo do costume dos primeiros cristãos de se reunirem e celebrarem o domingo, mais do que o sábado (cf. Mc 2,27s; 3,4; Jo 5,17 etc.). “Domingo” (do latim dies dómini) significa: “dia do Senhor” (cf. Ap 1,10) por causa da ressurreição do Senhor. Hoje em dia, todas as igrejas cristãs celebram o domingo como dia sagrado (exceto os Adventistas do sétimo dia que voltaram ao costume judaico de celebrar o sábado).

Como antes no v. 19, “as portas estavam fechadas”, mas já não se menciona o medo dos judeus. Novamente, Jesus entrou e pondo-se no meio deles, disse (pela terceira vez): “A paz esteja convosco”.

Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel” (v. 27).

Jesus se apresentou no meio de todos, exatamente como no domingo anterior. Não dedica a Tomé uma aparição a sós: é no meio da comunidade que poderá ver Jesus e professar a fé. Também na aparição de Mt 28,16s, “alguns duvidaram”, e Jesus veio “aproximando-se deles”

Diferente de Maria Madalena (v. 17), Jesus concede a Tomé de tocar nele. Como que desafiando, Jesus aceita submeter-se à prova exigida, mas exige fé: “Põe o teu dedo aqui … e não sejas incrédulo, mas fiel”. O ressuscitado não foge da prova empírica, mas necessária não seria para fé, porque Tomé podia ter chegado à fé antes dela, como? Acreditando nos outros apóstolos.

O evangelho não diz se Tomé verificou ainda com o tato ou se contentou com o ver. Importante é que as chagas do crucificado estão em destaque outra vez. O corpo torturado do homem Jesus permanece o templo de Deus (cf. 2,19-22). A unidade entre o verbo divino (logos, 1,1s) e o homem de Nazaré, iniciada pela encarnação (1,14) não foi suspensa, nem pela morte. O verbo não volta ao céu deixando o corpo atrás como embalagem vazia.

Em Jo, o sofrimento na cruz é chamado de (início da) glorificação (cf. 12,23; 17,1), portanto o ressuscitado na sua glória não pode ser outro do que o homem sofrido. Sobre o lado aberto pela lança (19,34), Pedro Canísio diz: “Abrindo-me o teu corpo, deu-me de beber a água da fonte, agora estou salvo!” No quadro pintado a mando da Ir. Faustina, do lado aberto do ressuscitado saem dois raios, um azul-branco (água) e outro vermelho (sangue).

Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” (v. 28).

Agora Tomé pode pronunciar a profissão mais sublime em todo este evangelho: “Meu Senhor e meu Deus!” (v. 28). A profissão de fé em Tomé é plena. No judaísmo depois do exílio, “meu Senhor” (adonai) substituia o nome não pronunciado de Javé (Yhwh). “Meu/nosso Deus” é título clássico da aliança. Os dois títulos estão unidos em Sl 35,23: “Desperta, levanta-te em minha defesa, meu Deus e meu Senhor, em minha causa” (os dois verbos, “despertar, levantar”, aludem à ressurreição). Com esta profissão de Tomé chegam ao cume todas as afirmações do caráter divino de Jesus ao longo do evangelho (cf. 1,34; 3,35; 6,69; 9,33; 10,30.36.38; 14,7.9ff; 16,27; 17,11.21).

Jesus não substitui o Deus de Israel, mas ele é Deus no sentido de 1,1-18: Sendo o verbo divino, o encarnado participa da divindade e representa Deus no mundo. Neste sentido, no judaísmo helenista, também Moisés podia ser chamado “deus para Israel” (cf. Ex 14,31; Nm 12,6-8; Jo 1,18). O ressuscitado é para Tomé e para todos quantos desdobrem no crucificado a presença divina, o “seu Deus”.

A fórmula usada por Tomé pode demonstrar uma crítica à ideologia dos imperadores romanos que se deixavam chamar “senhor e deus” (p. ex. Domiciano, a besta-fera do Ap 13) para se apresentarem como representantes dos deuses. Para um cristão, porém, o poder divino não pode ser representado por nenhum rei ou imperador, mas somente por Cristo.

“Mais nos serviu a incredulidade de Tomé do que a fé dos discípulos fiéis” (S. Gregório Magno). A dúvida do cético dá lugar à fé em Jesus, Senhor e Deus (cf. 1,1.14; 8,24.27.57; 10,30; 13,19; 18,6). Tomé tornou-se testemunha ocular também. Da realidade do ressuscitado, Tomé podia ter se verificado com seus olhos e suas mãos, e hoje poderia ainda fazer exames com aparelhos científicos. Tomé era incrédulo pedindo provas palpáveis, somente crê nos milagres indubitáveis; que ironicamente, pela sua teimosia, acaba sendo testemunha excepcional. Serve de aviso para todos os que no futuro terão de crer por sua palavra, pela mediação do testemunho apostólico dos que “viram”, ou seja, conviveram com Jesus (cf. 1Jo 1,1-3: “o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos e nossas mãos tocaram…”).

Jesus lhe disse: “Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (v. 29).

Jesus não repreendeu a Tomé, também os outros discípulos “viram” Jesus oito dias antes. O “ver” devia levar a “crer” (cf. 1,14; 1,39.50s; 2,11; 4,48; 6,2; 11,45). O evangelista não dispensa sinais que ajudam acreditar (cf. 20,8: o discípulo amado diante dos lençóis no túmulo vazio, “viu e creu”), mas muitos dos que viram Jesus (não como ressuscitado), não creram (6,26.36; 15,24). Tomé está agora junto com os outros discípulos que viram e acreditaram (1,34; 9,37f; 19,35; 20,8).

Ao mesmo tempo, Jesus fala indiretamente que o tempo dos testemunhos oculares acabou. Felicita aqueles que não poderão mais vê-lo, mas acreditarão (cf. a definição da fé em Hb 11,1). A atuação visível de Jesus chegou ao fim, afora poderia terminar o livro do evangelho em 20,30s.

A profissão de fé feita por Tomé e a declaração final de Jesus finalizam a versão original do evangelho de João (cap. 21 é um acréscimo evidente, cf. o final do evangelho em vv. 30-31 e outro em 21,25). Igual aos finais dos outros evangelhos, dirige-se o olhar ao futuro (como em 17,20). Os apóstolos têm tido uma função especial, a de testemunhas oculares para dar testemunho do ressuscitado. Os futuros terão de aceitar esse testemunho e crer. Para eles há uma bem-aventurança especial (1Pd 1,8). Tomé representa o leitor que não participou da aparição. Na dúvida de Tomé, os leitores devem reconhecer a sua própria; através desta narração devem desistir a exigir provas palpáveis que não são mais possíveis (como para Tomé foram concedidas), mas chegar a mesma conclusão de fé como Tomé.

O nome de Tomé aparece outra vez no anexo de João numa lista de sete apóstolos a caminho da pesca milagrosa (21,2). Seu nome está em segundo lugar, depois de Simão Pedro! O cap. 21 foi acrescentado para esclarecer melhor o papel de Pedro como primeiro dos apóstolos (21,15-19), porque na versão original do evangelho se falava pouco dele, mencionava mais outros apóstolos. Pedro aparece mais vezes só no relato da paixão (e não muito favorável, cf. 13,6.8.36-37; 18,10.15-18.25-27; 20,2-10); antes, só fala uma única vez professando sua fé em 6,68, enquanto os outros também a professam, antes e depois: André já em 1,41; Natanael em 1,49; os samaritanos em 4,42; o cego curado em 9,38; Marta em 11,27 e Tomé em 20,28.

Tomé, desligado do grupo dos “doze”, representa um papel importante. Fora da comunidade, estamos em perigo de duvidar, dentro da comunidade reencontramos o ressuscitado e a fé. De certo modo, devemos ser críticos e não acreditar em qualquer coisa, em qualquer pessoa, em qualquer religião. No testemunho dos apóstolos, porém, há de se acreditar, porque antes eram fracos na fé, mas depois da ressurreição de Jesus deram sua própria vida pela sua fé. S. Tomé também era “mártir” (palavra grega que significa simplesmente “testemunha”, mas no sentido atual é alguém que deu testemunho com seu sangue, com sua vida). A tradição afirma que Tomé foi para o oriente (Síria, Iraque, Pérsia e Índia), onde foi martirizado. Os cristãos caldeus no Iraque (hoje tal perseguidos) e os de rito malabar no sul da Índia se consideram “discípulos de São Tomé”.

Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome (vv. 30-31).

Estes dois vv. são o primeiro final do evangelho (mais tarde, uma redação eclesial acrescentou mais um capítulo com outro final: 21,24s). O termo “sinais” se refere no contexto próximo às aparições do ressuscitado, mas também à toda atividade anterior de Jesus (cf. At 1,1-3). A seleção desses sinais “neste livro” não é negativa, mas serve para promover a fé em Cristo (não é uma pesquisa histórica sobre Jesus no sentido moderno, mas um livro sobre seu significado). Quem crer em Jesus, se abre àquele que tem vida divina em si (5,21.26), ou seja, quem é a vida em pessoa (11,25).

A Bíblia do Peregrino (p. 2619) comenta: O epílogo descreve o livro como antologia ou seleção e declara sua finalidade. O evangelho mostrou sete sinais milagrosos, em várias ocasiões falou de “sinais” no plural (ver 11,47; 12,18) feitos diante dos discípulos como testemunhas. A finalidade do escrito é suscitar a fé (não satisfazer a curiosidade). Na forma absoluta, com dativo ou acusativo, com partículas, o verbo “crer” se repete sem cessar no evangelho, sendo uma das palavras dominantes. Pela fé se alcança a vida autêntica e perdurável que Jesus dá. Também “vida” é palavra-chave do evangelho. 

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2092) comenta: Trata-se sobretudo do progresso na fé dos que já pertencem à comunidade dos crentes; mas não exclui uma intenção missionária. A fé se refere essencialmente a Jesus, e reconhecido em sua condição de Filho de Deus e em sua missão de Messias, ele dá aos que creem verdadeiramente a vida eterna em comunhão com ele (cf. 1,12-16; 3,16 etc.).

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