19 de junho de 2017 – Segunda-feira, 11ª semana

Leitura: 2Cor 6,1-10

Nesta semana continuamos ainda a leitura da carta 2Cor. Ela foi escrita por volta de 55 d.C. na Macedônia (capital Tessalônica) como o próprio Paulo afirma (7,5; 8,1). Por causa de mudanças de tom e estilo dentro desta carta, os peritos de hoje a consideram uma coleção de várias cartas (cf. 2,3.4.9; 7,8.12).

Como colaboradores de Cristo, nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus, pois ele diz: “No momento favorável, eu te ouvi e no dia da salvação, eu te socorri”. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação (vv. 1-2).

Paulo sabe que seus rivais em Corinto fizeram campanha contra ele dificultando a credibilidade da sua missão. Mas ele não pode desistir porque ele, Silvano e Timóteo (cf. 1,19) são “colaboradores de Cristo” (v. 1), ”ministros de Deus” (v. 4), “embaixadores de Cristo” (5,20), a eles Deus confiou o “ministério da reconciliação” (5,18). Então ele convida a conversão e pede a comunidade para aceitar a reconciliação desde já: “Pois Deus diz na Escritura: ‘Eu escutei você no tempo favorável, e no dia da salvação vim em seu auxílio.’ É agora o momento favorável. É agora o dia da salvação” (vv. 1-3).

Através de Cristo, Deus nos concedeu o perdão (cf. 5,18-21) e remove o pecado, não por nossos méritos, mas pela sua graça que é a nova situação, o “momento favorável”. O “dia da salvação” lembra o dia do grande jubileu com o perdão de dívidas depois de 50 anos (Lv 25; Dt 15,1-11; Is 61,1); é preciso aproveitá-lo beneficiando-se dele. A citação da Escritura é de Is 49,8 (Deutero-Isaías), precisamente do segundo cântico do servo que contém uma mensagem de reconciliação e um anúncio de repatriação: mas isso se cumpre plenamente só na obra de Cristo. O segundo êxodo (a volta do exílio) anunciado por Deutero-Isaías aponta para o terceiro e definitivo, a libertação por Cristo.

Paulo compreende o dia da salvação entre morte e ressurreição de Cristo e sua volta; um tempo intermediário (Rm 13,11) que deve permitir a conversão (At 3,20s) dos pagãos (Rm 11,25; Ef 2,12; cf. Ap 6,11; Lc 21,24) e dos “resto” dos judeus (Rm 11,5.11,15-32; Lc 21,24; Ef 2,12-18). Embora a duração seja incerta (1Ts 5,1), esse tempo de peregrinação (1Pd 1,17) deve se considerar como breve (1Cor 7,26-31; cf. Ap 10,6,12,12; 20,3), cheio de provações (Ef 5,16; 6,13) e de sofrimentos que preparam a glória futura (Rm 8,11). O fim se aproxima (1Pd 4,7; cf. Ap 1,3 e 1Cor 16,22; Fl 4,5; Tg 5,8), e assim como o dia da plena luz (Rm 13,11s). É preciso vigiar (1Ts 5,6; cf. Mc 13,33) e fazer uso sábio do tempo restante (Cl 4,5; Ef 5,16) para que nos salvemos e salvemos os outros (Gl 6,10), deixando a Deus a tarefa de fazer a retribuição final (Rm 12,19; 1Cor 4,5).

Não damos a ninguém nenhum motivo de escândalo, para que o nosso ministério não seja desacreditado (v. 3).

Escândalos na história da Igreja (antigos como a simonia – a venda de cargos eclesiásticos, o nepotismo – favorecer parentes; além de corrupção, intolerância…) e recentes (pedofilia, falta de transparência financeira) demonstram a importância desta cautela de Paulo: “Tomamos esta grande precaução para evitar qualquer crítica na administração da grande quantia de que estamos encarregados. Com efeito, preocupamo-nos com o bem não somente aos olhos de Deus, mas também aos olhos dos homens” (8,20-21; cf. Pr 3,4; Rm 12,17).

Mas em tudo nos recomendamos como ministros de Deus, com muita paciência, em tribulações, em necessidades, em angústias, em açoites, em prisões, em tumultos, em fadigas, em insônias, em jejuns, em castidade, em compreensão, em longanimidade, em bondade, no Espírito Santo, em amor sincero, em palavras verdadeiras, no poder de Deus, em armas de justiça, ofensivas e defensivas, em honra e desonra, em má ou boa fama; considerados sedutores, sendo, porém, verazes; como desconhecidos, sendo porém, bem conhecidos; como moribundos, embora vivamos; como castigados mas não mortos; 1como aflitos mas sempre alegres; como pobres mas enriquecendo muitos;  como quem nada possui, mas tendo tudo (vv. 4-10).

Deus “capacita” o apóstolo (3,5) e este dá “credito” a seu ministério. A veracidade de um apóstolo está no seu empenho total pela obra de Deus. Há um contraste entre as riquezas de sua alma apaixonada e os modestos recursos humanos de que dispõe. É por isso que o apóstolo se apresenta sempre como sinal de contradição no meio dos homens. Deixa-se levar pelo entusiasmo numa magnífica explanação retórica, usando enumeração (vv. 4-7), polaridades (vv. 7b-8) e paradoxos (vv. 8b-10).

Como ordem de sequência na enumeração (vv. 4-7; cf. 11,23-27), talvez valha o seguinte: Da “muita paciência” como conceito genérico pendem três trios. O primeiro parece mais psicológico, mais interior (“em tribulações, em necessidades, em angústias”); o segundo refere-se a perseguições de fora (“em açoites, em prisões, em tumultos”); o terceiro fala de sacrifícios impostos pelo ministério (“em fadigas, em insônias, em jejuns”; aqui jejum não é ritual nem ascético). Segue-se um quarteto de atitudes que informa toda conduta (“em castidade, em compreensão, em longanimidade, em bondade”) e um quarteto de substantivos com adjetivos, dos quais os primeiros e o último poderiam ser sinônimos (“no Espírito Santo, em amor sincero, em palavras verdadeiras, no poder de Deus”). A série começou com atitudes éticas, o final a conduz a seu contexto religioso pela ação do Espírito.

Em seguida, três polaridades abrangem qualquer circunstância da vida, especialmente ao que se refere ao prestígio: “em armas de justiça, ofensivas e defensivas, em honra e desonra, em má ou boa fama” (6,7b-8); lit. armas da direita (ofensivas, a espada) e da esquerda (defensivas, o escudo; cf. Ef 6,16-17; Rm 13,12; Sb 5,17-21).

Conclui-se com sete paradoxos derivados do mistério pascal com algo do espírito das bem- aventuradas. Os ministros de Deus são “considerados sedutores, sendo verazes; como desconhecidos, sendo, porém, bem conhecidos; como moribundos, embora vivamos; como castigados, mas não mortos; como aflitos, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo muitos; como quem nada possui, mas tendo tudo” (vv. 8b-10; cf. 8,9; Fl 4,12).

O que os homens julgam desprezível é o valor autêntico (cf. Sl 118,22), pensam que a mensagem evangélica é mentira, sendo a pura verdade. Ressoa a polêmica entre profetas autênticos e falsos (Jr 23; Ez 13). “Desconhecidos”, ou seja, ignorados de propósito e, no entanto, presentes numa cidade sobre o monte (Mt 5,14). “Moribundos”, ou seja, em perigo constante de morte, por causas humanas ou naturais; mas vivos de uma vida superior; cf. “castigados” (Sl 118,18; At 5,40), “aflitos” e “pobres” (Lc 6,20-21) e “como quem nada possui “ (Mc 10,29-30p).

 

Evangelho: Mt 5,38-42

Mt apresenta Jesus no sermão da montanha como novo Moisés declarando sua interpretação própria da Lei em forma de antíteses: “ouvistes que foi dito… eu, porém vos digo” (vv. 21-25.27-28.31-34.38-39.43-44).

Ouvistes o que foi dito: “Olho por olho e dente por dente!” Eu, porém, vos digo: Não enfrenteis quem é malvado! (vv. 38-39a).

No evangelho de hoje ouvimos a quinta antítese. Trata-se da “lei do talião” (Ex 21,24-25; Lv 24,19-20; Dt 19,21), que já se encontra escrita no Código do rei babilônico Hamurabi (1792-1750 a.C, época dos patriarcas, Abraão e sua família). Na sua origem tentava frear os excessos de vingança e violência (cf. o grito da Lamec em Gn 4,23-24); o princípio da equivalência rege muitos textos do AT, até os Salmos em que o orante apela a Deus para que lhe faça justiça (Sl 5,1; 10,15; 31,18; 54,7; 58,7s; 59,12s; 69,23-29; 79,12; 83,10-19; 104,35; 109,6-20; 125,5; 137,7-9; 139,19-22; 140,10-12).

Como se pode frear a violência, superar a vingança ou até mesmo a “justa” punição? O freio que Cristo propõe é vencer o mal com o bem (cf. Sl 35,11-13). Jesus propõe uma atitude nova, a fim de eliminar pela raiz o círculo infernal da violência: a resistência ao inimigo não deve ser feita com as mesmas armas usadas por ele (não pagar com a mesma moeda), mas através de um comportamento pacífico e criativo.

Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda! Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto! Se alguém te forçar a andar um quilômetro, caminha dois com ele! Dá a quem te pedir e não vires as costas a quem te pede emprestado (vv. 39b-42).

Os três casos propostos representam muitos outros na ordem do sofrer, possuir e executar. Túnica e manto são as duas peças do vestuário normal, o manto servia de penhor (cf. Ex 22,25-26; Dt 24,12-13). O paradoxo é evidente (cf. 19,24; sobre a generosidade, cf. Pr 3,27s; sobre o emprestar, cf. Eclo 29,1-13).

Os exemplos tratam do mal do qual somos pessoalmente prejudicados. Não quer dizer que você esteja indiferente e não deva interferir quando alguém bate no seu irmão, ou que um soldado não deva defender uma vítima que está sendo agredida. Jesus não proíbe que alguém se oponha dignamente aos ataques injustos (como ele mesmo se defendeu em Jo 18,22s, mas apenas verbalmente) e menos ainda que alguém combata o mal no mundo. Jesus, porém, queria provocar outra atitude diferente da vingança, da raiva (cf. vv. 21-26), do ódio (cf. 43-48), sob a lei máxima do amor (22,36-40).

Como lidar com a violência que nos atinge? Entre os primeiros cristãos, muitos ainda negavam o serviço militar num império que os perseguia. Depois, com a aliança entre Estado e Igreja, os cristãos foram convidados a participar da política, das leis, da justiça e do exército e não podiam mais renunciar da justiça e do exercício da força em todos os casos. S. Agostinho desenvolveu critérios para participar de uma guerra “justa” a respeito dos fins e dos meios (p. ex. é lícito combater um genocídio, mas punir sem ódio). A guerra do Iraque, porém, não foi justa (inventou-se a mentira de uma ameaça por armas químicas para invadir este país rico em petróleo); os americanos falavam de uma “cruzada contra o eixo do mal”, mas torturaram e sequestraram suspeitos, sem processo jurídico, para uma prisão em Guantânamo (parte de Cuba administrada pelos EUA).

Desde a Idade Média, as guerras entre católicos e protestantes até as duas guerras mundiais, representantes das Igrejas (de ambos os lados) abençoavam as armas contra inimigos muitas vezes também cristãos e também “abençoados”. A provocação de Jesus mostra o contraste entre o mundo e o reino de Deus e nos inspira a pensarmos numa outra solução que não seja violência e retribuição com a mesma moeda. Um exemplo possível foi Mahatma Gandhi que conseguiu a independência da Índia sem guerrilha, sem atentados, renunciando à violência em todas as manifestações. Gandhi não era cristão (era hindu jaina), mas conheceu o sermão da montanha de Jesus.

O site da CNBB comenta: Os critérios humanos não são suficientes para resolver os problemas da própria humanidade, principalmente os que estão relacionados com a justiça, pois a justiça dos homens não tem como centro a pessoa humana, mas sim o que elas têm ou deixam de possuir. Os bens são comparáveis entre si, mas as pessoas não, pois cada uma é um ser único, incomparável na sua dignidade. Além disso, os elementos que estão presentes em um relacionamento são por demais complexos para serem abrangidos na sua totalidade a partir de categorias do conhecimento humano, uma vez que a própria razão é insuficiente para a compreensão do ser humano. Jesus nos mostra que somente o amor e a misericórdia possibilitam superar essas deficiências e construir um relacionamento justo e fraterno.

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