19 de Março de 2019, Terça-feira: Festa de São José, Esposo de Maria e Patrono da Igreja.

1ª leitura: 2Sm 7,4-5a.12-14a.16

A 1ª leitura na festa de São José traz a promessa do Messias ao rei Davi que acabou de conquistar a cidade de Jerusalém por volta de 1000 a.C. e a fez capital do seu reino (2Sm 5).

A palavra do Senhor foi dirigida a Natã nestes termos: “Vai dizer ao meu servo Davi: ‘Assim fala o Senhor: (vv. 4-5a)

Davi já construiu seu palácio (2Sm 5,11) e transportou a arca da aliança à capital (2Sm 6). Enquanto pensava em construir um templo para esta arca em substituição da tenda que a abrigava, “a palavra do Senhor foi dirigida a Natã”, ao profeta da corte. Nossa leitura de hoje omite boa parte dos vv. seguintes: “Vai dizer ao meu servo Davi: ‘Assim fala o Senhor: tu queres construir uma casa (templo) para eu morar?… O Senhor te informa que vai construir uma casa (família, dinastia) para ti’” (vv. 4-5.11c). É um jogo de palavras com o termo bíblico “casa” que significa a construção, mas também as pessoas da casa (família, dinastia, servos; cf. Gn 16,2; At 10,2; 11,14; 16,15.31; 18,8; 1Cor 1,16).

Quando chegar o fim dos teus dias e repousares com teus pais, então, suscitarei, depois de ti, um filho teu, e confirmarei a sua realeza. Será ele que construirá uma casa para o meu nome, e eu firmarei para sempre o seu trono real. Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre diante de mim, e teu trono será firme para sempre” (vv. 12-14a.15-16).

Davi não vai construir o templo, seu filho Salomão será o construtor do templo em Jerusalém (1Rs 5,12-63,37; 7,13,6,66).

Os reis de Israel e do Antigo Oriente eram adotados por Deus como “filho” na hora da sua posse (cf. Sl 2,7). Em vez de Davi dar estabilidade a Deus (com a construção do templo), Deus dará estabilidade à casa-dinastia de Davi, não só a seu sucessor Salomão, mas a toda sua descendência “para sempre” (vv. 13.16; Is 9,6; Lc 1,32, cf. a promessa feita a Abraão em Gn 12,2-3.7; 15,18; 17,7-10).

A liturgia omite o v. 14b que fala da correção paterna do filho desobediente. A maioria dos reis depois de Salomão não seguiu mais os caminhos do Senhor, mas a promessa do Messias (hebraico: rei “ungido”) continuou alimentar as esperanças do povo judeu (até hoje). O começo de evangelho de Mt é a genealogia de Jesus iniciando com Abraão, passando por Davi e terminando com “José, esposo de Maria, de que nasceu Jesus, a quem chama de Cristo” (“ungido” em grego; Mt 1,16).

São José é aquele que garantiu ao messias Jesus a descendência de Davi perante a Lei, mas morreu (cf. “repousar” em v. 12) antes de ver a obra do seu filho. Podemos ver em Jesus o messias prometido, descendente de Davi e Filho de Deus (cf. Rm 1,3s) cuja realeza “durará para sempre” e também a sua casa, ou seja, sua nova família, a Igreja construída por ele sobre a fé “firme” de Pedro (cf. Mt 12,46-50p; 16,18): “serão estáveis para sempre” (v. 16).

 

2ª leitura: Rm 4,13.16-18.24

Na 2ª leitura da hoje, ouvimos as ideias do apóstolo Paulo sobre promessa e fé, descendência e herança. Paulo era fariseu e esperava a salvação apenas pela lei. Mas através da sua conversão, reconheceu que somos salvos através da fé em Jesus Cristo e da graça de Deus, e não pela lei judaica (cf. Gl 1,14-16; 2,16).

Não foi por causa da lei, mas por causa da justiça que vem da fé, que Deus prometeu o mundo como herança a Abraão ou à sua descendência (v. 13).

A lei veio através de Moisés, mas antes já havia Abraão, que “teve fé em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça” (cf. v. 22; Gn 15,6; Gl 3,6), mesmo quando ainda não estava circuncidado (cf. Gn 17), ou seja, antes de qualquer exigência da lei (Rm 4,9ss). Paulo então conclui, que “não foi por causa da lei, mas por causa da justiça que vem da fé, que Deus prometeu o mundo como herança a Abraão ou à sua descendência” (v. 13; cf. Gn 12,2-3; 22,15-18; Hb 11,8-12; Gl 3,15-18).

É em virtude da fé que alguém se torna herdeiro. Logo, a condição de herdeiro é uma graça, um dom gratuito, e a promessa de Deus continua valendo para toda a descendência de Abraão, tanto para a descendência que se apega à lei, quanto para a que se apoia somente na fé de Abraão, que é o pai de todos nós (vv. 16).

No conceito paulino, a herança é recebida pela fé, fundada na promessa; a lei só vem mais tarde (cf. Gl 3,17). Aliás, esta lei será igualmente integrada no desígnio da salvação, porque manifesta a transgressão e desmascara o pecado, o objeto da “ira” divina (v. 15 omitido pela liturgia de hoje; cf. Rm 3,20). A lei obriga o homem reconhecer-se pecador e assim anuncia a cruz de Jesus Cristo. Não é em virtude da lei, nem da circuncisão nem da carne, que alguém se torna herdeiro, mas é “uma graça, um dom gratuito” (v. 16). Assim são salvaguardadas a gratuidade do dom e a transcendência do doador.

Pela fé e pelo batismo, os cristãos tornaram-se filhos de Deus e herdeiros (cf. 8,15-17). “A promessa de Deus continua valendo para toda descendência de Abraão, tanto para a descendência que se apega a lei (os judeus) quanto para a que se apóia somente na fé (os cristãos vindo do paganismo) de Abraão que é o pai de todos nos” (v. 16). Abraão é considerado o pai de todos os que crêem em um só Deus (monoteístas: judeus, cristãos, muçulmanos).

Pois está escrito: “Eu fiz de ti pai de muitos povos”. Ele é pai diante de Deus, porque creu em Deus que vivifica os mortos e faz existir o que antes não existia. Contra toda a humana esperança, ele firmou-se na esperança e na fé. Assim, tornou-se pai de muitos povos, conforme lhe fora dito: “Assim será a tua posteridade”. Esta sua atitude de fé lhe foi creditada como justiça (vv. 17-18.22).

Paulo cita Gn 17,5 e alude ao poder criador de Deus “que vivifica os mortos e faz existir o que antes não existia” (v. 17; cf. 2Mc 7,23). “Contra toda humana esperança” (v. 21), Abraão acreditou na Palavra de Deus que seria pai apesar de sua velhice e da esterilidade de sua esposa. “Esta sua atitude de fé lhe foi acreditada como justiça (v. 22; Gn 15,6). Também São José é apresentado como homem justo e de fé na palavra de Deus (cf. evangelho do dia).

 

Evangelho: Mt 1,16.18-21.24 (facultativo Lc 2,41-51a: cf. Domingo da Sagrada Família, ano C)

No Evangelho, o papel de São José no nascimento de Jesus é esclarecido e valorizado com uma aparição própria de um anjo. Enquanto Lc conta a infância de Jesus baseando-se na memória de Maria (cf. 1,26-56; 2,19.51), Mt a conta na perspectiva da missão do pai da sagrada família e “padroeiro da Igreja inteira”, São José.

Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo (v. 16).

Na genealogia de Jesus, o evangelista começou assim: “Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó, Jacó gerou Judá,…” (v. 2), mas termina assim: “Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo” (v. 16), quer dizer: José não gerou Jesus? Mas é o pai legal. Então fica aberta a questão: Quem gerou Jesus?

A liturgia de hoje omite o v. 17, a nota sobre as 3 x 14 gerações na genealogia; quatorze era o valor numérico das letras (consoantes) hebraicas “Davi(d)” (4+6+4=14).

A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo (v. 18).

Com uma narrativa, Mt dá resposta a questão levantada pela genealogia: eis o modo pelo qual Jesus, embora sendo filho de uma virgem (cf. Lc 1,26-38), é “filho (descendente) de Davi” (1,1). Lit.: ”Ora, de Jesus Cristo, a gênese foi assim”. A palavra grega “gênesis” e significa “origem, geração” (cf. 1,1; Gn 2,4; 5,1 etc.)

Antes mesmo de levarem uma vida comum, os jovens judeus (como Maria e José) que se comprometeram em casamento são considerados “esposos” (no v. 19, José já é chamado “seu marido” antes do convívio). Só o repúdio legal podia desligá-los do seu vínculo.

No AT, por intervenção de Deus, umas mulheres estéreis engravidaram (Sara, mulher de Abraão; a mãe anônima de Sansão; Ana, mãe de Samuel; Isabel, mãe de João Batista). Mas uma “grávida pela ação do Espírito Santo” é novidade na Bíblia (há paralelos nos mitos de outros povos). Maria ficou grávida não por um ato de um homem; sua gravidez não é imoral nem ilícita, mas consagrada.

José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-la, resolveu abandonar Maria, em segredo (v. 19).

No evangelho de hoje, não se apresenta José como carpinteiro (só em 13,55; cf. Mc 6,3). Só através de Lc 2,7.24 (cf. Lv 5,7) sabemos que José e Maria eram um casal pobre. Para criar o messias (o rei prometido), Deus não procurou um homem com muitas condições ou formação erudita. O mais importante é que José era “justo” e fiel.

José é apresentado como “justo”, mas em que sentido? É honrado, ou inocente no assunto? A legislação Dt 22,20-29 prevê apedrejamento em caso de adultério (cf. Jo 8,1-11). Para Mt, a “justiça maior” não é abolir, sim cumprir a lei à risca (5,17-20), mas a “lei maior” é o amor a Deus e amor ao próximo (22,34-40p; cf. 7,12). Nenhum texto do AT, porém, pode justificar o caráter secreto deste repúdio “em segredo”; para ser legal, ele deve ser autenticado por um certificado oficial (Dt 24,1).

Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo (v. 20).

O “anjo do Senhor” designa a intervenção do próprio Javé Deus (Gn 16,7.13; Ex 3,2; Mt 28,2) e não se deve confundir com outros anjos. A visão em sonhos recorda os sonhos de outro José que salvou seu povo no Egito (Gn 37-50, cf. Mt 2,13.19).

Várias figuras da Bíblia tiveram seu nascimento anunciado por intervenção e mensageiros divinos: Ismael (Gn 16,7-12); Isaac (Gn 17,15-22; 18,9-15); Sansão (Jz 13,2-22), João Batista (Lc 1,5-25). Aqui, o anjo chama enfaticamente “José, filho (descendente) de Davi” e repete a afirmação de que Maria concebeu “pela ação do Espírito Santo” (vv. 18.20).

José Luiz Gonzaga do Prado (Vida Pastoral, nov./dez. 2016) comenta: A mensagem do anjo vai além do que José imaginava: nem a denúncia pública nem a saída discreta; ao contrário, acolher a esposa, pois o que ela traz no ventre vem de Deus.

Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados” (vv. 21).

Também a José cabe um papel capital a desempenhar: ele impõe o nome de Jesus, assim age como pai legal (cf. Zacarias em Lc 1,13.62-63) e confere esta criança a filiação davídica.

O nome do menino, Jesus, em aramaico Yeshua (o mesmo que o hebraico Yehoshua = Josué, e parecido com Oseias), anuncia o destino: Jesus significa “Javé (o Senhor) salva”. Salvar seu povo de que? Dos dirigentes corruptos do “seu povo” judeu? Do poder opressor de Roma? Mt interpreta: “salvar o seu povo dos seus pecados” (v. 21). O evangelista via mais fundo e chega ao pecado, raiz de toda opressão. Como um rei, Jesus salvará seu povo, mas não como Davi através de guerras derramando o sangue dos outros, mas derramando seu próprio sangue “por muitos pela remissão dos pecados” (o acréscimo de Mt em 26,28, nas palavras da última ceia), doando sua vida na cruz.

Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado (v. 24a).

Nos evangelhos, nenhuma palavra de José é transmitida (!), apenas seus sonhos e sua prontidão em agir “conforme o anjo do Senhor havia mandado” (v. 24; cf. 2,13s.19-23). Para Mt, é importante apresentar as palavras dos profetas que demonstram o cumprimento do AT na história de Jesus.

O texto de hoje omite os vv. 22-23 que apresentam a profecia de Is 7,14, primeira das citações de comprimento das escrituras, mediante as quais Mt interpreta os acontecimentos mais marcantes da vida de Jesus (1,22; 2,6.15.23; 4,14; 8,17; 13,35; 21,4; 27,9). Jesus é “Emanuel” (Deus conosco), não apenas mais um filho na história dos homens, mas o próprio Filho de Deus, o próprio Deus que está conosco (no início, meio e fim do evangelho: cf. 1,23; 18,20 e 28,20).

O site da CNBB comenta: São José deve servir de modelo para todos nós. O Evangelho de hoje nos mostra muitos pontos da sua pessoa que devem inspirar-nos na vivência da fé e do compromisso com Deus e com a obra da Igreja. José pertence à descendência de Davi, faz parte dos planos de Deus para a salvação do mundo, como nós também fazemos parte dos planos de Deus para a nossa salvação e das demais pessoas. José é definido como justo, que na tradição bíblica corresponde à santidade, e nós devemos aspirar à santidade. Na dúvida, José não fica preso nos seus planos, mas descobre e realiza a vontade de Deus. Da mesma forma, nós devemos muitas vezes fazer um ato de humildade e procurar realizar a vontade de Deus, e não a nossa.

Voltar