19 de Novembro de 2018, Segunda-feira: As pessoas que iam na frente mandavam que ele ficasse calado. Mas ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” (v. 39).

Leitura: Ap 1,1-4; 2,1-5

Nas próximas duas semanas, as últimas do ano litúrgico, ouvimos alguns trechos do último livro do NT. O “apocalipse” (v. 1) de João faz parte de um gênero literário frequente em tempos tardios do judaísmo e presente no AT no livro de Daniel (por volta de 165 a.C.; cf. as bestas-feras em Dn 7 e Ap 13). Como Dn, também Ap foi escrito durante uma violenta perseguição, portanto este gênero utiliza uma linguagem cheia de símbolos, difícil de decifrar por pessoas de fora, com a finalidade de consolar os fiéis. Apesar das tribulações do tempo presente, Deus é o Senhor da história: através de uma colossal perturbação cósmica ou histórica, abre passagem para um definitivo futuro feliz.

Semelhante a Lc 1,1-4, o autor do Ap introduz seu livro com um breve prólogo (1,1-3), mencionando a origem, o conteúdo e os destinatários da sua mensagem. Diferente do gênero apocalíptico o autor não se esconde atrás de um nome do passado (pseudepigrafia: Daniel, Henoc, etc.), mas usa o seu próprio.

Desde Justino (165 d.C.), a tradição considera o apóstolo João, filho de Zebedeu, como autor do Ap e também do Evangelho e das cartas de Jo. O quarto evangelho e as cartas têm o mesmo estilo e, portanto, o mesmo autor que permaneceu anônimo (o “discípulo amado”, cujos seguidores escreveram a versão final, cf. Jo 21,21-24). Mas desde cedo (Dionísio de Alexandria, 265 d.C.), o estilo tal diferente do Ap evocou dúvidas a respeito da mesma autoria. Sem dúvida, o autor do Ap se chama “João” (1,1.4.9; 22,8), mas não é apóstolo nem autor do quarto Evangelho e das cartas de Jo. O João do Ap é um profeta judeu-cristão itinerante que conhece bem as comunidades na Ásia menor (atual Turquia) às quais se dirige (cap. 2-3) durante uma perseguição que o exilava na ilha de Patmos (atualmente entre Grécia e Turquia, cf. 1,9). O autor quer consolar e fortalecer a fé dos cristãos durante o imperador Domiciano (94-95 d.C., a besta-fera de Ap 13) que estendeu a perseguição a todo império (cf. 3,10; César Nero só perseguiu os cristãos na cidade de Roma, 64-67 d.C.).

Revelação que Deus confiou a Jesus Cristo, para que mostre aos seus servos as coisas que devem acontecer em breve. Jesus as deu a conhecer, através do seu anjo, ao seu servo João (1,1).

“Revelação” é tradução exata do termo grego apokálypsis que, por transposição, deu lugar ao vocábulo Apocalipse e ao título deste livro (caracterizado em 22,18s como “profecia”). Conhecido do grego literário e frequente no AT grego, o vocábulo apokálypsis tornou-se, na Igreja primitiva, o termo técnico para designar a “manifestação gloriosa” do Cristo no fim dos tempos (Rm 2,5; 8,19; 1Cor 1,7; 2Ts 1,7; 1Pd 1,7.13).

“Confiou”: só Deus conhece o segredo (cf. Mc 13,32p: nem o Filho conhece o dia e a hora). Em outros textos apocalípticos (Zc, Dn), quem anuncia ou explica é um anjo; aqui o mediador é Jesus Cristo, e por isso recebe o título de “testemunha fidedigna” (1,5; 3,14).

“Servos” eram no AT sobretudo os profetas (Zc 1,6) a quem Deus revela seus segredos (Am 3,7); agora são os profetas da Igreja primitiva (cf. 10,7; 11,18; 22,6; At 11,27; 13,1; 15,32; 21,9s; Rm 12,6; 1Cor 12,10.28s; Ef 4,11 etc.); mas os cristãos são também chamados servidores de Deus (2,20; 7,3; 19,2.5; 22,3.6).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2426) comenta “as coisas que devem acontecer em breve”: A formula é bastante característica do gênero literário apocalíptico: evoca, ao mesmo tempo, a iminência e o caráter irrevogável do cumprimento do desígnio de Deus. No apocalipse cristão, esta fórmula não é um simples procedimento literário, destinado a suscitar um reconforto e engajamento imediatos: ela se apoia na convicção de que a fase última da história da salvação foi inaugurada pelo acontecimento pascal.

“Em breve“ (logo) é uma palavra que se define pelo contexto. Para os destinatários, prediz fatos políticos próximos (a grande perseguição de Roma e sua queda posterior). Para as gerações seguintes, o “breve” relativiza a duração e mostra a constante proximidade do fim.

“Jesus (lit. “Ele”, Bíblia de Jerusalém: Deus) “as deu a conhecer”, lit.: “manifestou com sinais, enviando através do seu anjo” (cf. o anjo mensageiro em 22,16; cf. Gn 16,7; Ez 40,3 etc.). Este anjo (mensageiro) representa provavelmente o próprio Cristo (segundo 14,14.15 e 1,13). Embora o mediador decisivo seja Jesus Cristo, este pode valer-se de um “mensageiro”, seu anjo, como sugere a tradição bíblica. O gênero apocalíptico apresenta muitos anjos como atores e intérpretes (cf. Dn 9-12).

Este dá testemunho que tudo quanto viu é palavra de Deus e testemunho de Jesus Cristo (1,2).

O autor João, por sua paixão e no desterro (1,9), é construído testemunha de tudo o que viu e ouviu: visões e anúncios. Não fatos já acontecidos, como os apóstolos deviam testemunhar. Desde o início afirma solenemente que seu escrito é “palavra de Deus” (também se pode traduzir: “a Palavra de Deus atestada por Jesus Cristo”), ou sejam, “profecia” (v. 3) e “testemunho” de Jesus Cristo (cf. o final 22,18-20; com o tema da palavra se abre e se encerra também o conjunto de Deutero-Isaías Is 40-55).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2426) comenta:

No “Apocalipse”, como muitas vezes no NT, o tema do testemunho (“martyria”) está em ligação estreita com o caráter profético da mensagem. Testemunha é aquele que ouviu a Palavra de Deus ou que teve a visão das realidades celestes e do desígnio de Deus. Esta experiência superior é, ao mesmo tempo, o envio em missão: a testemunha deve transmitir o que viu e ouviu, não apenas para descrever, mas de maneira a comunicar a sua compreensão profética e a suscitar, por conseguinte, a resposta de fé. No “Apocalipse”, como aliás no conjunto da literatura joanina, Jesus é a testemunha por excelência, que pode revelar autenticamente e em perfeita fidelidade o desígnio de Deus. Beneficiária desta revelação e iluminada pelo Espírito, a comunidade cristã tem por sua vez a missão de testemunhar. Como Jesus Cristo, a “testemunha fiel” (cf. 1,5), ela encontra a contradição das potências terrestres e deve suportar a perseguição. O termo grego “martyria”, que primeiro designava o testemunho em geral, toma assim, na linguagem cristã, um matiz especial: o “martírio”, isto é, o testemunho que, à semelhança do de Jesus morto na cruz, pode implica que a testemunha deve confirmar seu testemunho com o próprio sangue.

No gênero literário apocalíptico, a visão é o quadro habitual da comunicação da mensagem: supõe-se que o profeta entrevia antecipadamente, através do desenrolar da história, os pródromos e a consumação dos últimos tempos. No Apocalipse joanino, as visões têm como alvo principal a inauguração do triunfo do Cristo e os diversos aspectos da condição escatológica da Igreja

Feliz aquele que lê e aqueles que escutam as palavras desta profecia e também praticam o que nela está escrito. Pois o momento está chegando (1,3).

“Feliz aquele”, é a primeira das sete bem-aventuranças do Apocalipse (cf. 14,13; 16,15; 19,9; 20,6; 22,7.14).

“Que lê e aqueles que escutam as palavras desta profecia”; refere-se provavelmente a uma leitura litúrgica, em voz alta, partilhada e refletida por uma comunidade. Sua finalidade não é satisfazer a curiosidade, mas mover ao “cumprimento”, pois se avizinha uma conjuntura na qual os cristãos terão de optar, mesmo com risco de vida. “Que praticam” (ou: guardam), o vocábulo não evoca apenas a observância de normas. Trata-se antes de dar importância à mensagem, de se deixar penetrar por ela e de vivê-la (cf. 22,7).

Este livro era lido e refletido nas comunidades, que precisavam estar convencidas de que a vitória de Jesus sobre a morte iniciava o fim da história humana. Diferente do gênero apocalíptico judaico, para os cristãos a nova era já começou em Jesus. Não é um escrito que deve ser mantido em segredo, portanto, também neste sentido é diferente do gênero apocalíptico e chama-se “profecia” (cf. o final 22,7.18s).

“O momento está chegando”, mesmo tema da urgência como já em v. 1. A parusia (volta de Cristo, cf. 3,11; 22,10.10.12.20 e 1,7) e tudo o que deverá acontecer “muito em breve” (v. 1; cf. 22,6).

João às sete Igrejas que estão na região da Ásia: A vós, graça e paz, da parte daquele que é, que era e que vem; da parte dos sete espíritos que estão diante do trono de Deus (1,4).

Essas “sete Igrejas” serão nomeadas em 1,11: são aquelas às quais se dirigem as cartas de Ap 2-3. Trata-se de comunidades situadas na província da Ásia (falta Colossas, não se sabe o motivo), a qual, na época, abrangia só pequena parte da Ásia Menor (atual Turquia) nas imediações de Éfeso. Entretanto, o número sete indica que representam uma totalidade articulada; sete simboliza a plenitude (cf. Gn 1: sete dias; At 6: sete diáconos), pode-se pensar que o autor não limita sua mensagem a algumas comunidades determinadas, mas quer transmitir uma mensagem universal e permanente.

“A vós, graça e paz” é saudação comum (1Cor 1,3 etc.) que combina a dos gregos (graça, cf. Lc 1,28) e a dos hebreus (shalom, cf. Jo 20,19.21.26), mas os cristãos sabem de onde vêm estes dons, de Deus, do Senhor de todos os tempos da história: passado, presente e futuro: “Aquele que é, que era e que vem”. É uma expressão estereotipada (1,8; 4,8; 11,17; 16,5), análoga a outras da literatura judaica, que desenvolvem o nome Javé revelado a Moisés, interpretado como “Aquele que é” (Ex 3,14 hebraico e grego).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2426) comenta: Esta designação divina, que volta muitas vezes no Apocalipse, é uma espécie de explicação do Nome divino, revelado a Moisés no Sinai, segundo Ex 3,14. No judaísmo da época helenística e, entre outros motivos, por influência do AT grego, o nome de YHWH foi interpretado como significando “o que é”. No Targum de Jerusalém (versão aramaica do AT), esta designação é ampliada em ritmo ternário: “o que é, que era e que será”. O Apocalipse adota uma amplificação semelhante, mas muda “que será” em “que vem”, sublinhando assim o tema escatológico da vinda.

“Os sete espíritos” podem significar o Espírito Santo em sua plenitude (significado do número sete), com influência dos sete dons de Is 11,2 (em grego são sete os dons do Espírito, em hebraico apenas seis). O Espírito fala a cada uma das sete igrejas (2,7.11.17.29; 3,6.13.22). Mas o Espírito Santo não tem um papel predominante no Ap (como o tem em Lc e nos Atos); geralmente, o próprio Cristo assume este papel em Ap. Mais provável, portanto, é que os sete espíritos designam os mensageiros (anjos) de Deus (cf. os sete arcanjos em Tb 12,15) que aparecem “diante do trono de Deus” depois em 8,2 (cf. 3,1; 4,5; 5,6).

Nossa liturgia saltou o resto da saudação e a visão inicial do Filho do Homem (1,10-20) que encarrega o vidente: “Escreve num livro o que vês… as coisas de agora e o que acontecerá depois” (1,11.19), ou seja, a situação atual das comunidades (cap. 2-3) e o futuro da humanidade (cap. 4-22).

Escreve ao anjo da Igreja que está em Éfeso: ‘Assim fala aquele que tem na mão direita as sete estrelas, aquele que está andando no meio dos sete candelabros de ouro: (2,1)

As setes cartas (cap. 2-3) apresentam situações diferentes que as comunidades enfrentam, no desafio de se manterem fiéis à palavra de Jesus, não cederem aos apelos da sociedade e depositarem sua esperança apenas em Deus, e não nos poderes que governam o mundo. Deste modo ele fornecem também um quadro da vida cristã na Ásia Menor por volta do ano 90. São muito ricas em doutrina, especialmente a respeito de Jesus Cristo que se considera falar em primeira pessoa do começo até o fim.

São cartas, que têm basicamente o mesmo esquema: uma saudação com algum elemento extraído da visão anterior de Jesus Cristo (1,12-20), (elogios e críticas a diversos aspectos da comunidade, um apelo e uma promessa). Jesus conhece e reconhece, repreende e admoesta, promete e cumpre, pede atenção e interpela que todas sejam sensíveis ao que lhe pede o Espírito de Deus: não conduzir a própria vida seguindo os esquemas e valores da sociedade. Os detalhes individuais podem ser alusivos à cidade ou ao território. Ao mesmo tempo têm valor exemplar, porque as sete igrejas são todas (cf. Sl 106, o salmo dos sete pecados capitais históricos).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2426) comenta: Os “anjos das Igrejas” (1,20) designam quer os chefes espirituais das comunidades – assim um profeta (Ag 1,13) ou sacerdote (Ml 2,7) são designados pelo título de anjo (isto é, enviado, mensageiro) de Deus; – quer, com mais probabilidade, uma espécie de personificação da realidade espiritual da comunidade. A crença em um duplicado celeste das realidades terrestres era familiar à mentalidade do judaísmo da época. Como quer que seja, a ideia teológica que se sugere aqui é que as Igrejas estão nas mãos do Cristo (1,20), submetidas à sua jurisdição.

“Aquele que tem na mão direita as sete estrelas” (cf. 1,12s.16.20) se refere à visão anterior de Jesus: trazendo na mão o domínio do exército sideral, e “aquele que está andando no meio dos sete candelabros de ouro” (cf. 1,12s), se explica em 1,20:  “os sete candelabros são as sete igrejas” (1,20). O próprio Senhor controla a comunidade e pode “arrancar o candelabro do seu lugar” (v. 5b).

Éfeso era a terceira maior cidade do Império romano, uma metrópole política e comercial da província da Ásia a qual pertencem as outras seis cidades visadas pelas cartas seguintes. Havia numerosos cultos pagãos, entre os quais o de Ártemis (At 19) e também se promoveu a adoração ao imperador a qual os cristãos se negavam. Em Éfeso era uma das principais igrejas paulinas (At 19; 1Tm 1,4-7); a tradição a considera vinculada ao apóstolo João e lugar da morte de Maria (ou Jerusalém).

Conheço a tua conduta, o teu esforço e a tua perseverança. Sei que não suportas os maus. Colocaste à prova alguns que se diziam apóstolos e descobriste que não eram apóstolos, mas mentirosos. És perseverante. Sofreste por causa do meu nome e não desanimaste (2,2-3).

No caso de Éfeso, a visão destaca um conjunto de ações positivas. “Conheço…” (a expressão aparece em cinco das cartas do Ap e emprega um verbo forte, cf. Jo 21,17; Sl 139), “teu esforço” (fadigas, cf. 14,13) do empenho cristão e também apostólico (1Cor 3,3; 15,38; 2Cor 6,5; 11,23) e “perseverança” nas adversidades (1,9; 14,12; Rm 5,3; 2Cor 1,6 etc.).

“Sei que não suportas os maus” O encarregado (anjo, mensageiro) fiel detesta o que Deus detesta (Sl 139,21). Entre os maus foram identificados os “falsos apóstolos” que sucedem aos falsos profetas do AT, e voltam a ser preocupação constante (2Cor 11.5.13; 1Tm 1,3s). Propalam doutrinas falsas, um evangelho diferente (Gl 1,6-9); é preciso submetê-los “à prova” (1Jo 4,1). Entre eles são os nicolaítas (2,6.15), provavelmente uma seita gnóstica que se pervertem sobretudo na conduta, “obras”. Para os gnósticos, homem se salva pelo conhecimento (gnosis), portanto são indiferentes ao que se refere ao corpo (encarnação) e obras externas. Talvez sejam os mesmos mencionados com símbolos do AT em 2,2.14.20.24.

Todavia, há uma coisa que eu reprovo: abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te de onde caíste! Converte-te e volta à tua prática inicial. Se, pelo contrário, não te converteres, virei depressa e arrancarei o teu candelabro do seu lugar (2,4-5).

A crítica se refere ao desânimo que parece ter invadido o interior da comunidade que perdeu a intensidade e o vigor dos primeiros tempos, provavelmente pela ação dos pregadores que são denunciados na carta, e também por causa do ambiente geral de uma cidade com templos dedicados a tantas práticas religiosas, inclusive o culto ao imperador.

Os cristãos de Éfeso decaíram do “primeiro amor” (v. 4), em seu fervor, embora sem chegar à infidelidade (cf. Jr 2,1; Ez 16,8; Os 1-3;); por isso pode perder seu cargo (como Sobna, Is 22,19), pode perder sua posição de metrópole religiosa: “arrancarei o teu candelabro do seu lugar” (cf. 1,20; 2,1). A caída das alturas lembra Is 14,12. A comunidade só se pode salvar se voltar a sua “prática inicial”.

Ao final (v. 7; omitido pela nossa liturgia), como vai aparecer em todas estas cartas, a ordem para que o Espírito seja ouvido na condução do dia-a-dia das comunidades e uma promessa ao vencedor (cf. 22,2.14).

 

Evangelho: Lc 18,35-43

Lc omitiu o pedido dos filhos de Zebedeu (Mc 10,35-45p, Lc preservou apenas sua conclusão inserindo-a no relato sobre a última ceia: 22,24-27), mas volta a seguir o relato de Mc sobre a última etapa da viagem de Jesus a Jerusalém, copiando a cura do cego em Jericó (evangelho de hoje) e acrescentando a visita na casa de Zaqueu nesta mesma cidade (evangelho de amanhã).

O cego que reconhece o Messias contrasta com a cegueira mental dos doze apóstolos. O rico Zaqueu que se converte revela o que é possível para Deus (cf. 18,24-27p). O cego, sem ver, já conhece o Filho de Davi; Zaqueu procura ver para conhecê-lo.

Quando Jesus se aproximava de Jericó, um cego estava sentado à beira do caminho, pedindo esmolas (v. 35).

Jericó impõe uma descida profunda antes da subida definitiva para Jerusalém. É uma cidade muito antiga (cf. Jz 6), situada perto da foz do Rio Jordão no mar Vermelho. É chamada a cidade das palmeiras. O clima é agradável. Lá Herodes tinha construída sua residência de inverno para escapar do frio em Jerusalém.

Esta cura do “cego sentado à beira do caminho”, Lc copiou de Mc 10,26-52 (cf. Mt 20,29-34) com leves modificações, por ex., em Lc, falta o nome do cego que Mc mencionou (Bartimeu, filho de Alfeu). Em Mc, Jesus o encontrou ao sair da cidade; em Lc, na entrada da cidade, “quando se aproximava de Jericó”, porque vai encontrar ainda Zaqueu dentro da cidade (19,1s).

Ouvindo a multidão passar, ele perguntou o que estava acontecendo. Disseram-lhe que Jesus Nazareno estava passando por ali (vv. 36-37).

Em Lc, o cego pergunta sobre “o que estava acontecendo” (cf. 24,17-19). O povo identifica Jesus apenas como seus dados civis: nome e naturalidade, “Jesus de Nazaré” (lit., o “nazoreu”, forma semítica bastante rara nos evangelhos sinóticos fora Mt 2,23 e 26,71, mas empregada várias vezes por Lc em At 2,22; 3,6; 4,10; 6,14; 22,8; 24,5; 26,9).

Então o cego gritou: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” (v. 38).

O cego, porém, identifica Jesus como Messias, “filho (descendente, sucessor) de Davi” (cf. 2Sm 7; Mt 1,1; 9,27; 12,23; 15,22; 21,9.15; Mc 10, 48p; 12,35p; Lc 1,32; Jo 7,42; At 2,30; 12,22s.30-33; Rm 1,3). Um grito perigoso tal perto da residência de Herodes (cf. Mt 2). Esta aclamação já prepara a aclamação do povo na entrada de Jerusalém (19,27-40p).

As pessoas que iam na frente mandavam que ele ficasse calado. Mas ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” (v. 39).

O cego, que não calcula a distância, grita, por mais que o repreendam. É o grito genérico: “Tem piedade” (17,13; Sl 6,3; 9,14; 41,5.11; 57,2; 123,3). Só em Lc, os muitos que o repreendem, são caracterizados como “as pessoas que iam na frente”; é uma alusão aos apóstolos, ou seja, às lideranças na Igreja de Lc que deviam prestar mais atenção ao “grito dos excluídos” (pobres, deficientes, mendigos etc.).

Jesus parou e mandou que levassem o cego até ele. Quando o cego chegou perto, Jesus perguntou: “O que queres que eu faça por ti?” O cego respondeu: “Senhor, eu quero enxergar de novo.” (vv. 40-41).

Jesus manda que ele se aproxime para dialogar e lhe pede que especifique o pedido. Jesus nos pede que lhe peçamos, com fé. Uma esmola já seria piedade (Sl 112,5); será muito pouco para a generosidade de Jesus.

Jesus disse: “Enxerga, pois, de novo. A tua fé te salvou.” No mesmo instante, o cego começou a ver de novo e seguia Jesus, glorificando a Deus. Vendo isso, todo o povo deu louvores a Deus (vv. 42-43).

A cura do cego acontece imediatamente (cumpre-se a profecia de Nazaré em 4,18; cf. Is 29,18; 35,5-6). Sua fé o salvou (cf. 7,50; 8,48; 17,19). O homem curado não é despedido (“vai em paz”; cf. 7,50; 8,48; 17,19), mas “seguia Jesus”. Enquanto Mc destacou que o cego curado “seguia-o pelo caminho” (o último discípulo de Jesus antes da sua paixão), Lc conclui a narração com um final costumeiro de milagre: “dar glória a Deus” (cf. 2,20; 5,25s; 7,16; 13,13; 17,15.18; 18,43; At 4,21) e “louvor” (18,43; 19,37; At 3,8s) que já prepara a aclamação do povo na entrada de Jesus em Jerusalém (19,37).

A Bíblia do Peregrino (p. 2518) comenta: Se é importante e significativa a cura que Jesus efetua (Is 35,5-6), não o é menos no relato a confissão do cego em três tempos. Primeiro reconhece-o como Messias, sucessor de Davi” (Jr 33,15; Ez 34,23-24; 37,24), depois chama-o de Senhor (cf. Fl 2,11), finalmente dá glória a Deus e segue Jesus. É um itinerário para todos os que se convertem: podemos recordar que o batismo se chamou “iluminação” (cf. Hb 6,4; 10,32); estes a fé salva.

O site da CNBB comenta: Jesus passou toda a sua vida fazendo o bem para manifestar o amor de Deus para conosco. Quando Jesus realiza curas, quer mostrar que o amor de Deus pelos homens faz com que as pessoas não fiquem à margem do caminho pedindo esmolas, mas com que cada um tenha condições de seguir o seu próprio caminho. É por isso que ele tem compaixão do cego e o cura. Após o processo de libertação, todos são convidados a seguir o próprio caminho, sendo que alguns, como é o exemplo do cego do Evangelho de hoje, resolvem seguir o caminho de Jesus. Quando Jesus cura, não tira a liberdade da pessoa. Aqueles que depois de curados resolvem segui-lo, o fazem de livre e espontânea vontade, mas tornam-se um motivo para que todos glorifiquem a Deus.

 

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