19 de Novembro de 2020, Quinta-feira: E disse: ”Se tu também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, isso está escondido aos teus olhos! (vv. 41-42).

33ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Ap 5,1-10

Os capítulos 4-5 que ouvimos ontem e hoje são uma unidade que se pode chamar o centro teológico do Ap porque os textos em seguida sempre se referem a ele. O tema é o Poder (trono) que pertence a Deus (cap. 4) e ao Cordeiro (Jesus, cap. 5), e não ao imperador romano Domiciano (81-96 d.C.) que se deixou adorar como “Senhor e Deus” e “Tu és digno” (cf. 4,11; 5,9.12) e perseguia os cristãos na época.

O autor apresenta uma liturgia no céu onde Deus é glorificado por sua corte celeste (cap. 4), depois o horizonte se estende ao universo, cujos destinos são entregues ao Cordeiro redentor na forma de um livro selado (cap. 5). Seguir-se-ão amplas visões simbólicas preludiando o “Grande Dia” em que a ira de Deus cairá sobre os pagãos perseguidores (cap. 17-19).

Eu, João, (lit.: Depois) vi um livro na mão direita daquele que estava sentado no trono. Era um rolo escrito por dentro e por fora, e estava lacrado com sete selos. 

A cena agora foca um livro na mão de Deus, Criador e Senhor, que revela o sentido e o destino da história humana. O fato de estar fechado explica a insegurança das comunidades em relação ao momento presente de suas vidas, seu passado e seu futuro.

“Aquele que estava sentado no trono” (cf. Sl 47,9); João não descreve Deus diretamente, mas os atributos e a corte da sua realeza (cf. 4,2s.9s).

O livro (rolo) misterioso vem de Ez 2,9s, com o acréscimo dos selos em função narrativa (cf. Is 8,16; 29,11; Dn 12,4-9). Conforme o gênero apocalíptico, são os decretos divinos concernentes aos acontecimentos dos últimos tempos. Nos capítulos 6-9 os selos serão rompidos um por um e os segredos serão desvelados.

Os “sete selos” garantem totalmente o segredo. Logicamente teria de romper os selos antes de começar a desenrolar; enquanto está enrolado e selado, não pode ser lido por nenhum dos dois lados. O autor submete a lógica visual à lógica narrativa e os vai escalonando.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2432) comenta: A imagem tomada de Ez 2,9-10, dá lugar a diversas interpretações: – Talvez se trate do livro que contém o desígnio de Deus. Por isso, a forma de um testamento lacrado. O Cristo seria seu único executor, pois é somente a ele que compete abrir os seles – Segundo outra interpretação, atestada desde o século III, tratar-se-ia do AT, cuja revelação é Cristo.

Nesses dois tipos de explicação, o fato de que o livro (evidentemente considerado um rolo) esteja escrito dentro e por fora, sugere: – ou caráter plenário e definitivo do desígnio de Deus, que agora vai ser cumprido; ou então a leitura nova espiritual do AT, trazida pelo Cristo, em contraste a leitura puramente material.

Vi então um anjo forte, que proclamava em voz alta: “Quem é digno de romper os selos e abrir o livro?” Ninguém no céu, nem na terra, nem debaixo da terra era digno de abrir o livro ou de ler o que nele estava escrito. Eu chorava muito, porque ninguém foi considerado digno de abrir ou de ler o livro (vv. 2-4).

“Digno”: talvez com o matiz jurídico de estar autorizado. Nenhuma simples criatura pode desvelar os segredos de Deus. Será digno somente o que pela prova se mostrou capaz disso por seus atos (vv. 9.12). Chorava porque nem da corta celeste se encontrava alguém digno suficiente.

“Debaixo da terra”, isto é, no Hades (1,18), o lugar onde residem os mortos (cf. Nm 16,33 etc.). Cristo tem o poder sobre ele (a chave, cf. 1,18; Jo 5,26-28).

Um dos anciãos me consolou: “Não chores! Eis que o Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi, saiu vencedor. Ele pode romper os selos e abrir o livro” (v. 5).

O esquema (pergunta/reposta, ou: entrega/envio na corte real do céu) é conhecido (cf. 1Rs 22,19-22; Is 6,1-10; Dn 7,9.13s). “O Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi”, são títulos messiânicos: o primeiro, Leão, é tomado das bênçãos de Jacó em Gn 49,9-10; o segundo é da profecia de Is 11,1.10, a raiz de Jessé (pai de Davi, cf. Ap 22,16).

“Vencedor” aqui se refere a Cristo que venceu Satanás e o mundo (cf. Jo 3,35; 16,33; 1Jo 2,14). Toda carta do Ap terminou com uma promessa ao cristão “vencedor” das tentações mesmo na perseguição (2,7.11.17.26; 3,5.12.21; cf. 21,7; 1Jo 2,14; 5,4)

De fato, vi um Cordeiro. Estava no centro do trono e dos quatro Seres vivos, no meio dos Anciãos. Estava de pé como que imolado. O Cordeiro tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus, enviados por toda a terra (v. 6).

Após os títulos messiânicos do v. 5, o título de “Cordeiro” aparece aqui e será dado a Cristo vinte e oito vezes no Ap. É o Cordeiro que foi imolado para a salvação do povo eleito. “O Messias, Leão para vencer, tornou-se Cordeiro para sofrer” (Vitorino de Pettau).

A imagem do Cristo como “Cordeiro” (Jo 1,29.36; cf. Jo 19,33; 19,36; 1Pd 1,19) se refere à profecia messiânica de Is 53,7 (citado em At 8,31-35; 1Pd 2,22-25) e muito provavelmente também à figura do cordeiro pascal (Ex 12,1-14; cf. 1Cor 5,7: “Nossa páscoa, Cristo, foi imolada”).

Deve-se compreender a frase como uma apresentação sintética do mistério pascal: o Cristo é “vencedor” da morte (o cordeiro “estava de pé”, cf. At 7,56) pelo seu sacrífico (“imolado”).

Os “setes chifres” denotam a plenitude da força e da dignidade real (Dt 33,17; Dn 7,7.20.24; Sl 75,5s.11). Os “sete olhos” observam tudo (sete é número da plenitude). Em Zc 4,10 os sete olhos significam a onisciência de Deus. A assimilação dos sete olhos aos “sete espíritos” deve-se provavelmente à influência de Is 11,2: o Messias tem sete espíritos, isto é, tem a plenitude do Espírito (cf. 1,4, ou anjos “enviados” cf. 3,1; 4,5; 8,2; Tb 12,15).

“Estava no centro do trono” dá a impressão que o Cristo-Cordeiro estava sentado junto do seu Pai (3,21), ele participa do poder de Deus e merece adoração igualmente (vv.14s). “Os quatro Seres vivos” (4,6-8) são guardas do trono, inspirados em Ez 1. Os vinte e quatro “Anciãos” são um senado da corte celeste (4,4.10s; cf. comentário de ontem).

Então, o Cordeiro veio receber o livro da mão direita daquele que está sentado no trono. Quando ele recebeu o livro, os quatro Seres vivos e os vinte e quatro Anciãos prostraram-se diante do Cordeiro. Todos tinham harpas e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos (vv. 7-8). 

Os gestos da liturgia celeste se reduzem à prostração de homenagem ou adoração, depondo as coroas (4,10), e a oferta do “incenso” ou perfumes, que são as “orações dos santos” (6.9; 8,3s; Sl 141,2; os santos são os fiéis, cf. At 9,13 e as cartas de Paulo) que as oferecem como mediadores (os anjos em Tb 12,12).

Pela oração, os cristãos já participam da liturgia divina. Não há outro sacrifício (Hb 13,15), porque basta o sacrifico do Cordeiro imolado. A “harpa” (ou cítara) é o instrumento de acompanhamento mais comum no AT (Sl 150,5 etc.).

E entoaram um cântico novo: “Tu és digno de receber o livro e abrir seus selos, porque foste imolado, e com teu sangue adquiriste para Deus homens de toda a tribo, língua, povo e nação. Deles fizeste para o nosso Deus um reino de sacerdotes. E eles reinarão sobre a terra” (vv. 9-10).

“Cântico novo” (14,3; 15,3; cf. Sl 33,3; 40,4; 98,1 etc.; Is 42,9s). Com Cristo, a nova era já começou (3,12; 21,1.2.5). A novidade deste cântico consiste em exaltar sua obra redentora. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2429) comenta o “novo” (cf. 2,17): Este adjetivo, já valorizadas pelos profetas do AT (Is 43,19; Jr 31,31-32; Ez 36,26), qualifica muitas vezes no Apocalipse as realidades escatológicas, e por conseguinte, as realidades cristãs que são a sua antecipação: mundo novo, céu novo, Jerusalém nova… (cf. p. ex. Ap 21,5). Encontram-se fórmulas semelhantes em outros escritos do NT: nova aliança (1Cor 11,25; 2Cor 3,6), nova criatura (Gl 6,15; 2Cor 5,17), homem novo (Ef 2,15; 4,24), mandamento novo (Jo 13,34).

Apresentado ao mesmo tempo como leão e cordeiro (recordando a Páscoa libertadora), o Messias (Cristo) “é digno” de receber o livro e revelar seu conteúdo, pois realizou a obra libertadora que lhe fora confiada: libertou homens e mulheres da escravidão com seu “sangue” (cf. Ex 12,7.13), comprando-os (“adquiriste”; cf. 14,3s) com seu sangue na cruz para fazer deles “sacerdotes e reis” (cf. 1,6; cf. Ex 19,6; 1Pd 2,9). Seu sangue tem função expiatória (cf. Rm 3,25; Mt 26,28; Cl 1,20 etc.).

“Com teu sangue adquiriste”; variação de texto: “tu nos resgataste” (Vulgata: “Fizeste de nós… nós reinaremos…”). Esta leitura “nós” supõe que os Anciãos são homens, talvez os Patriarcas do AT (mas podem ser anjos, cf. comentário de ontem) ou se refere a um modelo de hino que servia como profissão de fé batismal. “Homens de toda a tribo, língua, povo e nação“, é expressão frequente da universalidade (7,9; 11,9 etc.; cf. Dn 3,4.7.96; 6,26).

Nossa liturgia omitiu o final do trecho (vv. 11-14) com um terceiro grupo, os “milhares e milhões de anjos” (cf. Dn 7,10; 1Rs 22,19), e um quarto grupo, “toda criatura no céu, na terra, sob a terra, no mar, e todos os seres que neles vivem”, que completam o louvor da corte celeste.

 

Evangelho: Lc 19,41-44

O trecho que ouvimos hoje, é próprio de Lc. Como já falou da figueira infrutífera em 13,6-9, podia omitir a maldição dela (Mc 11,12-14) e apresentar agora a dor de Jesus a respeito da Cidade Santa na hora de entrar nela para ser aclamado de messias (19,28-38).

A visita de Deus à cidade (cf. 1,68) realiza-se aqui pela vinda régia de Jesus. É agora que Jerusalém deveria acolhê-lo. Os discípulos o aclamaram rei (vv. 37s), os fariseus não (vv. 39s). Jesus se lamenta sobre a cidade que vai rejeitá-lo. Lc coloca aqui o primeiro dos seus três anúncios da ruína da cidade (19,43-44; 21,20-24; 23,28-31). Lc vê neste acontecimento um julgamento histórico prefigurando o julgamento escatológico. A profecia sobre Jerusalém tem paralelos em 13,34s (vindo de Q, cf. Mt 23,37-39) e 21,5s.20-24 (de Mc 13).

O nome Jerusalém significa “cidade da paz”. A Bíblia do Peregrino (p. 2521) comenta: Para os ouvidos do povo, Jerusalém leva a paz impressa no seu nome como um destino. Os peregrinos a saúdam com a paz (Sl 122), o arauto lhe anuncia a chegada do rei e da paz (Is 52,7; Zc 9,9-10 citado na entrada de Jesus por 19,29-37p). Jerusalém não aceita a saudação da paz (cf. 10,5s), não recebe a visita do Senhor (cf. 1,68). Em consequência, a cidade “compacta” será destruída. O pranto por Jerusalém faz eco aos da outra destruição (Jr 9,19-20; 13,17; Lm 1,2.16; 3,48-51).

Quando Jesus se aproximou de Jerusalém e viu a cidade, começou a chorar. E disse: ”Se tu também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, isso está escondido aos teus olhos! (vv. 41-42).

Enquanto “toda multidão começou louvar alegremente” (v. 37), Jesus “começou a chorar” (v. 41). “Se tu”, numerosos manuscritos acrescentam: “ao menos”. ”Também”, como “todos os discípulos” que acharam a paz em Jesus, aclamando (vv. 37-38: “Paz no céu e glória…”; cf. 2,14). “Hoje” (lit. neste dia) em Lc, é termo significante para salvação (cf. 2,11; 4,21; 5,26; 19,5.9; 23,43; cf. 19,47; Mc 1,15). “O que te pode trazer a paz!” Trata-se aqui da paz messiânica (v. 38; cf. Is 9,5; 11,6-19; Os 2,20). Para lamentação sobre Jerusalém, cf. Jr 15,5 etc.

A Bíblia do Peregrino (p. 2521) comenta: Jesus chora ao pronunciar sua trágica predição. Não a pronuncia irado e com sentimentos de vingança. Pode repetir com o salmo: “Teus servos amam suas pedras, dói-lhes até o pó” (Sl 102,15); e chora com Jeremias: “Meus olhos se desfazem em lágrimas, dia e noite sem cessar, pela terrível desgraça da filha (capital) de meu povo, por sua ferida incurável” (Jr 14,17).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1281s) comenta: Jesus chega com líder popular, disposto a encarar os conflitos e enfrentar os grupos que se armam para eliminá-lo. Nesses dias, que iniciavam a semana da Páscoa, em outra cerimonia entrava triunfalmente na cidade o governador Pilatos, representante do poderio e da religião imperiais. Jerusalém vive a contradição de ser considerada a cidade santa e ao mesmo tempo abrigar instituições promotoras da dominação; por isso, não consegue identificar na visita de Jesus a ela a possibilidade de trilhar um caminho de paz e justiça.

Dias virão em que os inimigos farão trincheiras contra ti e te cercarão de todos os lados. Eles esmagarão a ti e a teus filhos. E não deixarão em ti pedra sobre pedra. Porque tu não reconheceste o tempo em que foste visitada” (vv. 43-44).

“Farão trincheiras” (lit. paliçada); trata-se das obras de assédio para investir contra a cidade; “te cercarão de todos os lados” (cf. Ez 4,2; is 37,33). Lc descreve o cerco de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C. (cf. 21,20-24) como o assédio e o arrasamento antigos. Isaías o prediz de longe e introduz como sujeito o Senhor (Is 29,3). Ezequiel está próximo e tem de gravá-lo em tijolo, esboço da tragédia (Ez 4,2). Cf. ainda Am 9,14, a lamentação de Sl 79,1-2 e o terrível detalhe em Sl 137,9 (cf. Os 10,14, Jerusalém como mãe). É a última ocasião oferecida por Deus; compare-se com a vigorosa imagem de Os 13,13. “Não deixarão em ti pedra sobre pedra” (cf. 21,5-6p a respeito do próprio templo).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1967) comenta: Esse oráculo, inteiramente tecido de reminiscências bíblicas (perceptíveis sobretudo no texto grego, v. 43: cf. Is 29,3; 37,33; Jr 52,4-5; Ez 4,1-3; 21,27 [22]; v. 44; Os 10,14; 14,1; Na 3,10; Sl 137,9), evoca a ruína de Jerusalém em 587 a.C., tanto e mais ainda que a de 70 d.C. da qual não se descreve nenhum traço característico. Não é possível concluir desse texto, portanto, que está já se tenha realizado (cf. 17,22s; 21,20s).

Mas se consideramos a obra de Lc escrita por volta do ano 80 d.C. (a partir de outras observações, por ex. sua dependência de Mc 13,14-23 que escreveu no meio da guerra judaica cerca de 70 d.C. e as modificações de Lc 21,20-24), Lc deve aludir a este fato histórico da destruição da cidade pelos romanos, mesmo com expressões da profecia do AT.

Lc não especifica os exércitos inimigos, mas menciona a causa do desastre: “Tu não reconheceste o tempo em que foste visitada”. Jerusalém está cega e não reconhece o messias (cf. 24,15s) quem o “visita” (1,68.78; cf. Sb 3,7.13; Jó 10,12; Ex 3,16). A entrada em Jerusalém foi a última oferta da salvação, mas a decisão já está tomada. A rejeição dos conterrâneos de Nazaré (4,16-30) se confirma em Jerusalém.

O site da CNBB comenta: A cidade de Jerusalém abre as suas portas para Jesus, mas não abre o seu coração. Não aceita as suas palavras e rejeita a sua doutrina, pois os seus olhos estão voltados para outra direção, a direção que a levará até a destruição e a morte. É necessário que abramos o nosso coração e reconheçamos que somos visitados pelo Deus da Vida e que rejeitar essa visita significa para nós trilharmos os caminhos da morte, resultado de uma vida de quem apenas está preocupado em olhar para seus interesses mesquinhos e não para os verdadeiros bens que são destinados a quem acolhe o Senhor e vive segundo os valores do Evangelho.

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