1º de agosto de 2016 – 18ª semana 2ª feira

Leitura: Jr 28,1-17

Ouvimos hoje o conflito de Jeremias com os profetas falsos na época do rei Sedecias (598-587 a.C.) em Jerusalém. Lembramos o contexto histórico: O rei Joaquim havia se levantado contra o império neobabilônico, mas morreu. Seu filho Joaquin (= Jeconias) fracassou na defesa da cidade e o rei da Babilônia, Nabucodonosor, conquistou Jerusalém em 598 a.C., levando consigo todos os tesouros do templo. Deportou a elite de Jerusalém para o exílio, foi a primeira deportação à Babilônia (10.000 pessoas; entre elas, Ezequiel). Nabucodonosor substituiu Jeconias por Sedecias (cf. 2Rs 24).

Para os judeus piedosos, a derrota foi um choque. Jerusalém havia resistido por mais de 400 anos aos ataques de exércitos estrangeiros, assim se verificou a promessa divina da permanência da dinastia de Davi (2Sm 7) e de Sião, a colina de Jerusalém onde fica o templo e mora Javé Deus que a protege (Sl 46). Mas a deportação já foi profetizada em Jr 10,18; 13,19; 15,2; 16,13; 20,5s. A destruição e o incêndio da cidade (predito por Jr 19), porém, não aconteceram ainda.

Os sacerdotes e profetas do templo admitiram que a derrota devia-se a uma atitude religiosa errada; eles pararam o culto ao Baal e aos astros e também os sacrifícios de crianças (como se pode observar neste período, Jeremias não acusa mais estes abusos). Mas divulgaram uma visão otimista baseando-se nas promessas antigas de que Deus não abandonaria seu povo. A derrota por Nabucodonosor representaria apenas um castigo transitório e haveria um período de paz e prosperidade. Para Jr, porém, este otimismo inibe uma conversão verdadeira.

Nesse mesmo ano, no início do reinado de Sedecias, rei de Judá, no quinto mês do quarto ano, disse-me o profeta Ananias, filho de Azur, profeta de Gabdon, na casa do Senhor e na presença dos sacerdotes e de todo o povo: (v. 1)

Novamente encontram-se no templo os sacerdotes, profetas e todo o povo. É curioso que não figurem as autoridades civis (cf. caps. 7 e 26).

Sedecias era apoiado por Jeremias, mas o povo ainda considerava Jeconias como verdadeiro rei de Judá. Na ocasião da visita de emissários de países vizinhos, Jeremias se amarrou uma canga de boi (jugo) nos ombros, como gesto simbólico de que Deus colocou Nabucodonosor como rei sobre todas as terras (e sobre todos os animais do campo, cf. v. 14; 27,6) e seria necessário servi-lo: “Submetei o vosso pescoço ao jugo do rei da Babilônia, … e vivereis” (Jr 27,12).

O texto hebraico de v. 1 menciona duas datas contraditórias: o “início do reinado”, isto é 597, e o “quarto ano”, isto é 594 (o texto grego traz apenas esta última data, que talvez seja preferível). Isso quer dizer que Jeremias carregava o jugo nos ombros por quatro anos? Por ser o cap. 28 a continuação do cap. 27 talvez seja necessário corrigir a data mencionada em 27,1.

”Isto diz o Senhor dos exércitos, Deus de Israel: Quebrei o jugo do rei da Babilônia. Ainda dois anos e eu farei reconduzir a este lugar todos os vasos da casa do Senhor, que Nabucodonosor, rei de Babilônia, tirou deste lugar e transferiu para Babilônia. Também reconduzirei a este lugar Jeconias, filho de Joaquim e rei de Judá, juntamente com toda a massa de judeus desterrados para Babilônia, diz o Senhor, pois eu quebro o jugo do rei de Babilônia” (vv. 2-4).

Ananias fala em nome do “Senhor dos exércitos” contra as profecias de Jeremias que havia declarado que os vasos que restaram ainda no templo e no palácio do rei em Jerusalém também seriam levados para Babilônia (22,21s). A profecia sobre a volta de Jeconias contradiz a de Jeremias em 22,27.

Respondeu o profeta Jeremias ao profeta Ananias, na presença dos sacerdotes e de todo o povo que estava na casa do Senhor, dizendo: “Amém, assim permita o Senhor! Realize ele as palavras que profetizaste, trazendo de volta os vasos para a casa do Senhor e todos os deportados de Babilônia para esta terra (vv. 5-6).

Jeremias nunca se precipita. Totalmente entregue ao Senhor, ele aguarda que a palavra do Senhor volte a ele (v. 12; cf. 42,7) para responder na qualidade de profeta, isto é, em nome do Senhor (cf. 15,17). Até lá, ele acolhe com simplicidade aquilo que um colega proclama como palavra inspirada.

Em todo o caso, Jeremias é solidário com o sofrimento das pessoas e deseja o bem do seu povo, e não quer obter crédito (como Jonas). O que mais desejaria ver senão o cumprimento de uma predição otimista do seu rival? Mas, não ao preço de uma perversão sem conversão.

Ouve, porém, esta palavra que eu digo aos teus ouvidos e aos ouvidos de todo o povo: Os profetas que existiram antigamente, antes de mim e antes de ti, profetizaram sobre guerras, aflições e peste para muitos povos e reinos poderosos; mas o profeta que profetiza paz, esse somente será reconhecido como profeta, que em verdade o Senhor enviou, quando sua palavra for verificada” (vv. 7-9).

É possível que o Senhor tenha renunciado aos males que tinha encarregado Jeremias a anunciar (cap. 27)? Jeremias espera que sim (v. 6; cf. 17,12), embora formule muito educadamente uma objeção baseada no bom-senso (vv. 7-9); sendo que até então os profetas tem anunciado a desgraça – ou algumas vezes a salvação, porém somente depois da provação (cf. 23,19; 24,1) – é natural certa reserva diante de quem anuncia a salvação para já (v. 9).

Aqui, Jeremias não responde “em nome do Senhor”, mas “eu te digo” invocando a experiência histórica. Havia profetas de desgraças (guerras, aflições e peste) e de felicidades (paz, prosperidade, salvação): aos segundos se aplica a regra de Dt 18,22 (sobre a veracidade da profecia, cf. Dt 18,9-22). Se vários oráculos dos capítulos 31 e 33 se dirigem aos israelitas do norte no tempo do rei Josias, também Jeremias profetizou felicidades. Algumas se cumpriram, outras ficaram pendentes.

Neste confronto, Jeremias não pretende propor uma teoria completa, mas prega a conversão: não o que vai acontecer, mas o que o ser humano deve fazer para que a desgraça não aconteça; os anúncios de desgraças em Jr são condicionados.

Então o profeta Ananias retirou o jugo do pescoço do profeta Jeremias e quebrou-o; e disse Ananias, na presença de todo o povo: “Isto diz o Senhor: Deste modo quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei da Babilônia, dentro de dois anos, livrando dele o pescoço de todos os povos.” E foi-se pelo seu caminho o profetas Jeremias (vv. 10-11).

Também Ananias realiza uma ação simbólica que, se fosse inspirada numa palavra do Senhor, deveria determinar o futuro (cf. 13,1; 27,2). Ananias, profeta da corte, está interessado na volta imediata dos objetos do templo e dos governantes deportados. Quebrando o jugo de madeira com o qual Jeremias simboliza a submissão ao império, Ananias proclama a revolução, uma guerra santa contra a Babilônia. “Dentro de dois anos” significa que não se cumprirão sete anos a partir da deportação (cf. v. 1) até a libertação “de todos os povos”.

Jeremias não reage, não tem nada mais a dizer no momento. Espera por uma nova revelação de Deus.

Depois do v. 10, os masoretas (rabinos que fixaram as regras do texto hebraico nos séc. 8 a 11 d. C.) anotaram na margem do texto: “Metade do livro conforme a conta pormenorizada dos versículos”, ou seja: aqui estamos na metade do texto da Bíblia Hebraica (que coloca os profetas antes dos livros sapienciais).

Depois que o profeta Ananias havia retirado o jugo do pescoço do profeta Jeremias, dirigiu-se novamente a palavra do Senhor a Jeremias: ”Vai dizer a Ananias: Isto diz o Senhor: Quebraste um jugo de madeira, mas em seu lugar farás um de ferro. Isto diz o Senhor dos exércitos, Deus de Israel: Pus um jugo de ferro sobre o pescoço de todas estas nações, para servirem a Nabucodonosor, rei de Babilônia, e lhe serão de fato submissas; além disso, dei-lhe também os animais do campo.” (vv. 12-14).

Mas uma vez recebida a “palavra do Senhor”, Jeremias, dócil instrumento de Deus, passa logo ao ataque, não por sua conta, mas sustentado por outro (vv. 15-16; 11,18; 20,27; Mt 10,19s).

Anuncia o “jugo de ferro”, que representa a repressão mais dura do império babilônico, provocado pela rebelião dos países submetidos. Enquanto Ananias se preocupa com a volta dos vasos sagrados (v. 3), Jeremias se preocupa, primeiramente, com a vida de seu povo (cf. 27,12).

Disse ainda o profeta Jeremias ao profeta Ananias: “Ouve, Ananias, não foste enviado pelo Senhor, e contudo fizeste este povo confiar em mentiras. Isto diz o Senhor: Eis que te farei partir desta terra; morrerás este ano, pois pregaste a infidelidade contra o Senhor” (vv. 15-16).

Jeremias profetiza muito contra as “mentiras” (dos ídolos: 3,23; 5,31; 10,14; 16,19; do culto do templo: 7,4.8; falsos projetos e juramentos na vida social: 3,10; 7,9; 9,1; 37,14; 40,16; falsificação da palavra de Deus: 8,8; falsidade na conduta dos sacerdotes e profetas: 6,13; 8,10; 23,14 e contra as profecias falsas: 2,8; 5,31; 14,14; 20,6; 23,25s.32; 27,10.14s; 29,9.21.23, fazendo que o povo confie em falsas seguranças: 28,15; 29,31; cf. 2,18.37).

Há um jogo de palavras hebraicas: “Não foste enviado pelo Senhor… Eis que te fará partir (lit: te enviarei para fora) desta terra”.

“Pois pregaste a infidelidade contra o Senhor” falta na versão grega (cf. 29,32); pode proceder de Dt 13,6. No contexto presente indica que as vãs ilusões equivalem à rebeldia contra o Senhor.

Naquele ano, no sétimo mês, morreu o profeta Ananias (v. 17).

A realização de uma profecia, dentro de um prazo breve (dois meses depois da profecia de Jeremias, cf. v. 1), é um sinal de que é autentica a mensagem de um profeta (cf. 20,6; 29,32; 45,5; Dt 18,21).

A Bíblia do Peregrino (p. 1916s) comenta: O autor deste relato quis concentrar numa página o confronto do profeta verdadeiro com o falso. Coloca seus dois personagens em destacado paralelismo: ambos trazem o titulo de profeta, ambos pronunciam oráculos com fórmulas proféticas tradicionais e participam de ações simbólicas semelhantes. O leitor atual sabe o que cada um deles representa: os contemporâneos gozam da mesma perspectiva? Sobre o fundo das semelhanças, é preciso destacar as diferenças: Hananias pronuncia uma predição precisa, Jeremias responde com um princípio de discernimento; Jeremias foi-se embora por seu lado, Hananias morreu segundo a predição.  

Evangelho: Mt 14,13-21 (Ano B e C; no Ano A: Mt 14,22-36)

O evangelho de Mt segue o roteiro de Mc 6,30-44 que narra o banquete da vida (multiplicação dos pães após o banquete da morte (de João Batista por Herodes; cf. evangelho de sábado passado). O evangelho de hoje se divide em três partes: introdução, diálogo, milagre.

Quando soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barco para um lugar deserto e afastado. Mas quando as multidões souberam disso, saíram das cidades e o seguiram a pé (v. 13).

Mt salienta o comportamento de Jesus: ele não é fanático, querendo enfrentar imediatamente Herodes, mas se retira e parte de barco (não de Nazaré, onde estava em 13,58; Nazaré não tem acesso ao mar da Galileia como Cafarnaum). Mas também não é fatalista, deixando as coisas correr como estão. Ele continua fiel à missão de servir ao seu povo. O povo ainda segue Jesus, é Igreja em potencial.

Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes (v. 14).

Conforme sua tendência de resumir, Mt omite a introdução longa de Mc 6,30-34 (descanso num lugar deserto após a missão). Jesus não foge da multidão, mas “encheu-se de compaixão por eles”.  Mt já a descreveu “como rebanho sem pastor” em 9,36 (cf. Mc 6,34; Nm 27,17; 1Rs 22,17; Jr 10,21; 23,1-2; Ez 34,5-6.15; Zc 10,2). O ofício do pastor é feito de cuidado e compaixão. Em Mt, sem ensinamentos (cf. Mc 6,34), Jesus logo cura os doentes, porque sua misericórdia e sua compaixão se manifestam nas curas (cf. 9,27.35s; 15,22.29-32; 17,15; 20,30s.34). Depois destas curas, a multiplicação dos pães não deve ser entendida somente simbólica ou sacramental, mas como algo mais concreto.

Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” (v. 15)

Em Mt, a multidão não parece ser tal pobre, porque se supõe que as pessoas possam comprar seu alimento. Talvez o horário “ao entardecer” indica que o evangelista vivia numa cidade, porque lá havia mais o costume do jantar como refeição principal.

Jesus porém lhes disse: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” Os discípulos responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (vv. 16-17).

A resposta de Jesus já deixa sentir o que vai fazer, porque o povo não precisa sair. Ele é o soberano que parece exigir coisa impossível. O diálogo não apresenta a falta de compreensão dos discípulos (falando do salário de 200 dias em Mc 6,37), mas sua falta de fé, ou seja, apenas duvidam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (v. 17). Mt alude com frequência à fé fraca dos discípulos (ou da comunidade) em diálogos antes de realizar um milagre (8,26; 9,22.28s; cf. 14,31; 16,8). A fé não se fundamenta em milagres, mas por eles se espera e pede. Não é com a lógica do mercado, mas com a colaboração e partilha dos discípulos que Jesus sacia a multidão.

Jesus disse: “Trazei-os aqui.” Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama. Então pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões (vv. 18-19).

Mt omitiu a acomodação do povo em grupos de cinquenta (Mc 6,40). Para ele, esta alusão ao povo de Israel no deserto organizado por Moisés (cf. Ex 18,21.25; Nm 31,14; Dt 1,15) não tem tanta importância aqui. Como todo judeu piedoso, Jesus reza antes da refeição dando graças e distribui os pães. Num ambiente judaico, a bênção não é benzer os pães, mas um louvor a Deus (benção = bem-dizer). Os leitores judeu-cristãos de Mt se lembram das suas próprias refeições (o pai de família reza e parte o pão para todos da sua casa) e também da comunhão com o Senhor na Eucaristia. Este sentido sacramental já se encontrava em Mc 6,40 e Mt o reforça não falando mais da distribuição dos peixes. Obviamente Jesus precisa da colaboração dos discípulos ao partir e distribuir os pães para esta multidão.

Todos comeram e ficaram satisfeitos, e dos pedaços que sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios. E os que haviam comido eram mais ou menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças (vv. 20-21).

Apesar da sua tendência de resumir, Mt acrescenta aqui as mulheres e crianças. Os números são simbólicos: cinco pães para 5000 pessoas lembram o pentateuco (cinco livros de Moisés, os primeiros livros da Bíblia) e os 12 cestos que sobram, lembram as 12 tribos de Israel. Em 15,32-39 e Mc 8,1-9 conta-se outra multiplicação dos pães, desta vez para os pagãos fora da terra de Israel e com outros números: sete pães, sete cestos e 4000 pessoas lembram os sete dias da criação (cf. sete diáconos para os helenistas em At 6,1-6; sete povos pagãos em Canaã; cf. Dt 7,1) e os quatro pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste). No AT, há de considerar o pastor que dá descanso e comida às ovelhas (Sl 23), o maná no deserto (Ex 16), os milagres de Elias e Eliseu (1Rs 17,1-16; 2Rs 4,1-7.42-44) e os banquetes em Isaías (Is 25,6-8; 55,1-2; 65,13-14). Um milagre semelhante nos é contado em Jo 2,1-12, com o vinho no casamento em Caná.

Para Mt, o mais importante aqui é a soberania e a compaixão de Jesus que faz experimentar seu poder de curar e saciar o povo. Assim a comunidade cristã pode também fazer suas experiências com Jesus ressuscitado que se faz presente nela no seu dia a dia (cf. “Emanuel” em 1,23; 28,20; o pedido do Pai Nosso e a providência divina em 6,11.25-34).

Ao total temos seis relatos da multiplicação de pães nos quatro evangelhos. Isto mostra a importância que os primeiros cristãos deram, provavelmente nas suas assembleias eucarísticas. Apesar da separação da eucaristia da refeição comum (cf. 1Cor 11,17-34), fica para nós o incentivo de partilhar e não desperdiçar os alimentos. Se todos dessem o que têm, ninguém passaria fome (cf. At 2,44s; 4,32.34s).

O site a CNBB comenta: Uma das coisas mais importantes que nos são apresentadas a partir do sacramento da Eucaristia é a sua dimensão apostólica. A Eucaristia está intimamente ligada ao seguimento de Jesus e ao nosso agir apostólico. Quando os discípulos indagam Jesus sobre a situação da fome do povo, Jesus responde: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Em seguida, ele multiplica os pães. Assim, nós vemos a necessidade que existe de todos nós participarmos da missão de Jesus para podermos participar do verdadeiro pão multiplicado que é o sacramento da Eucarística.

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