1º de Junho de 2020, Segunda-feira: Jesus começou a falar aos sumos sacerdotes, mestres da Lei e anciãos, usando parábolas: (v. 1).

9ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: 2Pd 1,1-7

Hoje e amanhã ouvimos trechos da segunda carta de Pedro que, pelos biblistas, é considerada o escrito mais novo de todo Novo Testamento (NT). O estilo, vocabulário e linguagem não correspondem ao que se esperaria de um pescador da Galileia. Há bastante diferenças entre 1Pd e 2Pd. Os apóstolos esperavam a parusia (volta de Cristo) em breve e talvez ainda em vida (cf. 1Ts 4,14-17), mas ela demora até hoje. Entre 70 e 90 d.C., os evangelistas lembram que Jesus não deu uma data para sua volta (cf. Mc 13,32). Em 2Pd 3,1-13 a parusia parece mais distante ainda. Em 2Pd 3,15-16 o autor menciona as cartas de Paulo como coleção e patrimônio da Igreja. Pedro e Paulo, porém, morreram juntos na perseguição do Cesar Nero em 64 ou 67 d.C., portanto foi um discípulo anônimo que escreveu a carta 2Pd em nome de Pedro (era costume na época para homenagear o mestre).

A Novo Bíblia Pastoral (p. 1493) a introduz: A presente carta quer ser “o testamento” do grande apóstolo Pedro, que aparece próximo da morte (1,14). As recomendações se referem aos inícios do século II, quando efetivamente a carta foi escrita. Neste tempo se acentuam as controvérsias em trono do ensinamentos cristãos … Também se dirige aos cristãos decepcionados com a demora da vinda do Senhor, algo que tanto animou algumas comunidades do início.

O autor menciona as cartas de Paulo (3,15s), “nelas há as coisas difíceis de entender, que os ignorantes e vacilantes distorcem” e retoma a carta de Judas na crítica aos falsos mestres e seu comportamento reprovável (2,14-22).

(Caríssimos:) Graça e paz vos sejam concedidas abundantemente, porque conheceis Deus e Jesus, nosso Senhor (v. 2).

No v. 1 (omitido) o autor se apresenta com “Simeão Pedro”, escrevendo “aos receberam uma fé preciosa como a nossa” e dá a Jesus Cristo o duplo título de Deus e Salvador (com artigo único, cf. Jo 20,28; Rm 9,5). Isso mostra o caráter mais tardio da carta, quando a cristologia já era mais elaborada.

No v. 2 deseja, como de costume, “graça e paz”. A carta insistirá no “conhecimento” ou penetração, aqui de Deus (Pai) e de Jesus Senhor (Jo 17,3). A Bíblia de Jerusalém (p. 2278) comenta: Em toda a epístola, Cristo é o objetivo do conhecimento dos fiéis (1,3.8; 2,20; 3,18; cf. Os 2,22+; Jo 17,3; Fl 3,10; etc). Esse conhecimento inclui o discernimento moral e a prática das virtudes (vv. 5.6.8).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1493) comenta: De início, o autor apresenta o que para ele é mais importante e que justifica sua carta: o conhecimento de Deus e de Jesus Cristo, conhecimento que se traduz numa vida coerente. O autor pensa nos cristãos que se apresentam como mestres e, por conta da vida que levam, acabam por negar o que eventualmente proclamam.

O seu divino poder nos deu tudo o que contribui para a vida e para a piedade, mediante o conhecimento daquele que, pela sua própria glória e virtude, nos chamou. Por meio de tudo isso nos foram dadas as preciosas promessas, as maiores que há, a fim de que vos tornásseis participantes da natureza divina, depois de libertos da corrupção, da concupiscência no mundo (vv. 3-4).

“Aquele que … nos chamou” parece ser aqui Jesus Cristo, embora outras vezes costume ser Deus Pai (1Pd 1,15; 2,9). Chamou “pela sua própria glória e virtude”; no AT, estas duas palavras designam o poder pelo qual Deus se revela e se manifesta (referindo-se a Deus, “virtude” pode ser traduzir por “força atuante, milagrosa”; em v. 5 se refere ao homem). Essas palavras são aplicadas aqui a Cristo.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2278) comenta: A “glória” consiste nos sinais que Jesus deu de sua divindade (cf. Jo 1,14 e Mc 16,17; Hb 2,4), sobretudo na transfiguração (2Pd 1,16-18). A “virtude” é o poder natural ou miraculoso. Estes dois atributos divinos a serviço dos que foram chamados proporcionam tudo o que é necessário para uma vida inspirada pela piedade (1Tm 4,7) … A “glória” e a “virtude” de Cristo, pelas quais são entrelaçados o convite já atendido e o futuro que ele prometeu (cf. 1Tm 4,8).

A Bíblia do Peregrino (p. 2916) comenta: Seu “conhecimento” pessoal é o meio que recebe os dons. A “vida” é a nova que ele concede (Jo 17,2). A “piedade” é a correspondente cristã àquela que os gregos preconizam. A participação na vida divina corresponde à filiação (Jo 1,13; 3,5; 1Pd 1,3). Por ela o homem consegue superar a “corrupção” ou mortalidade, que pela “concupiscência” domina o mundo (Sb 2,23).

As “preciosas promessas” dizem respeito ao “Dia do Senhor” (cf. 3,4.9-10.12-13), “a fim de que vos tornásseis participantes da natureza divina”. Esta fórmula, única no NT, foi adotada no ofertório da missa romana (em português: “Pelo mistério desta água e deste vinho, possamos participar da divindade do vosso Filho, que se dignou assumir a nossa humanidade”). A Bíblia de Jerusalém (p. 2278) comenta: Expressão de origem grega, única na Bíblia e que causa surpresa pelo seu tom impessoal. O apóstolo a empregou aqui para exprimir a plenitude da vida nova em Cristo, isto é, a comunicação que Deus faz de uma vida que só a ele pertence. Sobre a ideia geral aqui apresentada, ver, por exemplo, Jo 1,12; 14,20; 15,4-5; Rm 6,5; 1Cor 1,9; 1Jo 1,3. Está aqui um dos pontos de apoio da doutrina da “deificação” dos Padres gregos.

Por isso mesmo, dedicai todo o esforço em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento, ao conhecimento o autodomínio, ao autodomínio a perseverança, à perseverança a piedade, à piedade o amor fraterno e ao amor fraterno, a caridade (vv. 5-7).

Esses elencos de virtudes (ou de vícios) se encontram com frequência nas cartas apostólicas, na literatura cristã primitiva, assim como na literatura helenista. A Bíblia do Peregrino (p. 2916) comenta: O cristão deve corresponder ao dom divino com sua colaboração intensa e graduada. A graduação escalonada é recurso retórico do autor, já que listas de virtudes são coisas conhecidas (p. ex. 2Cor 6,4-5; Gl 5,22-23). A fé inicia e o amor conclui, ocupando o conhecimento o terceiro lugar. Não é fácil especificar o valor de cada termo nem suas relações exatas.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1493) resume: Deus nos faz participantes da sua própria natureza divina ao nos proporcionar o conhecimento de Jesus Cristo. Isso de um lado implica o abandono da corrupção e das atitudes egoístas, e de outro contínuo incentivo às virtudes; são condições indispensáveis para a vida e a piedade.

Evangelho: Mc 12,1-12

Uma pergunta do evangelho de sábado passado (cf. 11,27-33) ficou ainda em aberto: de onde vem a autoridade de Jesus ou a dos seus adversários?

Jesus começou a falar aos sumos sacerdotes, mestres da Lei e anciãos, usando parábolas: (v. 1).

Jesus responde aos mesmos representantes do sinédrio (o texto litúrgico os repete, cf. 11,27) “usando parábolas” (v. 1: cf. 4,11), mas esta parábola de julgamento podemos chamar melhor de “alegoria”, porque cada pormenor tem o seu significado.

“Um homem plantou uma vinha, cercou-a, fez um lagar e construiu uma torre de guarda. Depois arrendou a vinha a alguns agricultores, e viajou para longe. Na época da colheita, ele mandou um empregado aos agricultores para receber a sua parte dos frutos da vinha. Mas os agricultores pegaram no empregado, bateram nele, e o mandaram de volta sem nada. Então o dono da vinha mandou de novo mais um empregado. Os agricultores bateram na cabeça dele e o insultaram. Então o dono mandou ainda mais outro, e eles o mataram. Trataram da mesma maneira muitos outros, batendo em uns e matando outros. Restava-lhe ainda alguém: seu filho querido. Por último, ele mandou o filho até aos agricultores, pensando: ‘Eles respeitarão meu filho’. Mas aqueles agricultores disseram uns aos outros: ‘Esse é o herdeiro. Vamos matá-lo, e a herança será nossa’. Então agarraram o filho, o mataram, e o jogaram fora da vinha (vv. 2-8).

No Antigo Testamento (AT), a “vinha” é o símbolo de Israel, do povo de Deus (cf. Is 5,1-7; Sl 80). Também o “proprietário” é símbolo, significa o próprio Deus. Na interpretação posterior, ampliou-se o sentido alegórico, ex. a torre seria o símbolo do templo e a cerca (cf. Nm 22,24; Pr 24,31) o símbolo da Lei.

De Is 5,1-7, Jesus toma o começo (o cuidado com que o dono tratou da vinha) e o final (“a vinha é a casa de Israel… em vez de frutos de justiça, assassinato”, Is 5,7). Ele, porém, dirige esta parábola não ao povo, mas aos dirigentes, “aos sumos sacerdotes, mestres da lei e anciãos” (cf. 11,27) que representam os três grupos do supremo tribunal dos judeus (sinédrio) que condenará Jesus à morte. Eles são os “agricultores” a quem Deus confiou o seu povo.

Em vez de entregar a parte do dono, os frutos (da justiça), os agricultores maltrataram os “empregados” que Deus enviou três vezes (vv. 2-5), são os profetas. Já no AT os profetas chamam-se servos (cf. Jr 7,25; 25,4; Am 3,7; Zc 1,6: Is 53) e foram maltratados, ex. Elias foi perseguido (1Rs 19), Amos expulso (Am 7), Jeremias julgado e atirado a cisterna para morrer conduzido ao Egito a força (Jr 26; 38), Zacarias lapidado ao átrio do templo (23,35; 2Cor 24,20-21). Sobre o envio do “filho” recorda-se a história de José, enviado por seu pai Jacó e quase morto por seus irmãos (Gn 37). Depois de muitos profetas que pregavam a justiça, Deus envia o próprio Filho com o Reino.

O filho tem mais poderes do que os empregados, é o “herdeiro” (v. 7), o messias a quem Deus entrega o seu povo. O povo é a herança do Senhor (cf. 1Rs 8,51; Jr 12,8; Sl 2,8; Hb 1,1-2). Mas seus rivais pretendem matá-lo e tomar posse da sua herança. “Então, agarraram o filho, o mataram e o jogaram fora da vinha” (v. 8). Em Mt e Lc, o mataram já fora da vinha em alusão à crucificação que acontece fora dos muros da cidade (cf. Hb 13,12). Esta alegoria é um anúncio da paixão, no qual Jesus se apresenta claramente como “filho querido” (v. 6; 1,10; 9,7), não como servo-empregado (cf. Rm 8,15-17; Gl 4,7.21-30; Hb 1,1-8), porque ele é mais do que os profetas, é o messias (cf. 8,27-29).

“Que fará o dono da vinha? Ele virá, destruirá os agricultores, e entregará a vinha a outros. Por acaso, não lestes na Escritura: ‘A pedra que os construtores deixaram de lado, tornou-se a pedra mais importante; isso foi feito pelo Senhor e é admirável aos nossos olhos’?” (vv. 9-11).

 “Que fará o dono da vinha?” À pergunta retórica (em Mt 21,41, os adversários respondem pronunciando sua própria sentença), Jesus mesmo responde: “Ele virá, destruirá os agricultores, e entregará a vinha a outros” (v. 9). Matando o filho, os dirigentes de Israel não conseguem seu objetivo, porque o proprietário não morreu. Deus não deixa de ser o Senhor da história. Mc pode pensar na destruição de Jerusalém e do templo pelos romanos que aconteceu em 70 d.C. (o evangelista escreve na época desta guerra judaica, cf. Mc 13). A história continua com “outros” vinhateiros, ou seja, com a igreja, outras lideranças para um povo de Deus aberto aos pagãos e que se fundamenta na morte e ressurreição do seu Filho.

O filho volta a viver para receber a herança, como menciona a citação de Sl 118,22-23 (cf. At 4,11; 1Pd 2,4-8): “A pedra que os construtores deixaram de lado, tornou-se a pedra mais importante…” (v. 10). Os rabinos aplicavam esta frase a Abraão ou Davi, mas não ao messias (porque não imaginaram a condenação e morte do messias na cruz, cf. 1Cor 22-24). A pedra relacionada ao filho do homem e o reino de Deus encontra-se em Dn 2,34; 7,14.

Então os chefes dos judeus procuraram prender Jesus, pois compreenderam que havia contado a parábola para eles. Porém, ficaram com medo da multidão e, por isso, deixaram Jesus e foram-se embora (v. 12).

Os “chefes dos judeus” entenderam a acusação grave que Jesus fez com esta “parábola para eles”. Procuravam matá-lo (8,31; 11,18; cf. 3,6), “porém, ficaram com medo da multidão” (v. 12; 32; cf. 11,32; 14,2; Lc 20,19). Para eles a pedra angular tornou-se uma “pedra de tropeço, uma rocha que faz cair. Eles tropeçaram porque não creem na Palavra” (1Pd 2,8)

Jesus é a pedra fundamental, angular e principal na obra de Deus, mas ainda hoje está sendo rejeitado (cf. o canto: “Entre nós está, mas não o reconhecemos”), porque está vivo e anda mais entre os pobres do que entre os privilegiados. É preciso escolher entre querer tudo para si, apossar-se da maior quantidade de coisas possível para satisfazer os desejos pessoais, ou outra atitude (cf. a de Tobit na 1ª leitura): cuidar das pessoas mais necessitadas, dar tudo pelo bem dos outros, difundir o amor e o bem.

O site da CNBB comenta: O que aconteceu com os vinhateiros apresentadas na parábola do evangelho de hoje pode acontecer a todos nós principalmente quando nos deixamos levar pelo desejo de ter poder e de ter riquezas, que nos leva à tentação de nos apossarmos de tudo, inclusive das coisas de Deus e até mesmo do próprio Deus e a queremos usar de tudo isso em nosso próprio benefício. Quando fazemos isso, estamos na verdade rejeitando a presença do próprio Cristo em nossas vidas, que se dá também por meio dos pobres e necessitados que procuram a misericórdia do nosso coração e não o nosso autoritarismo e a nossa prepotência em relação a eles.

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