1º de setembro de 2016 – Quinta-feira 22ª semana

Leitura: 1Cor 3,18-23

Paulo retorna a alusão às divisões na comunidade em torno a Paulo apóstolo ou Cefas (1,12), e à discussão entre a sabedoria humana e a sabedoria divina (1,17-25). Outra vez nesta carta, fala da “sabedoria deste mundo” que é incapaz de reconhecer a importância dos fracos e humildes diante de Deus

Ninguém se iluda: Se algum de vós pensa que é sábio nas coisas deste mundo, reconheça sua insensatez, para se tornar sábio de verdade; pois a sabedoria deste mundo é insensatez diante de Deus. Com efeito, está escrito: “Aquele que apanha os sábios em sua própria astúcia”, e ainda: “O Senhor conhece os pensamentos dos sábios; sabe que são vãos” (vv. 18-20).

Paulo volta ao tema das facções e da sabedoria verdadeira (divina), que os coríntios conseguirão sacrificando sua prudência simplesmente humana que é apenas “insensatez diante de Deus”. A primeira citação é tirada do discurso de Elifaz em réplica a Jó (Jó 5,13). A segunda de um salmo que exalta Deus como juiz justiceiro (Sl 94,11 grego).

Portanto, que ninguém ponha a sua glória em homem algum. Com efeito, tudo vos pertence: Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro, tudo é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus (vv. 21-23).

Os vv. 21-23 devem ser compreendidos em função de 1,12, cujos termos se repetem: “Cada um de vós fala assim: Eu sou de Paulo. Eu de Apolo, eu de Cefas”. Apolo era um judeu-cristão eloquente de Alexandria, instruído por Prisca e Áquila (cf. At 18,24-19,1; 1Cor 1,12; 3,22; 4,6; 16,12; Tt 3,13). “Céfas” é o nome de Pedro em aramaico (cf. 9,5; 15,5; Jo 1,42). Os coríntios erguiam estes nomes como bandeiras opostas, como se pertencessem a times rivais de futbol.

Paulo abre o horizonte espiritual dos coríntios retorcendo as palavras deles: “eu sou de Paulo” diziam uns; responde: Paulo e os outros são de todos. É o contrario: vós não pertenceis a esses homens, eles é que são vossos servidores. Eles, como todo o resto da criação, estão a vosso serviço para que vós mesmos estejais a serviço do Cristo e, pelo Cristo, a serviço de Deus. Todos pertencem ao único Messias, e este ao único Deus, o Pai (cf. 15,21-28).

Não só estes nomes, mas também as polaridades da existência humana são vossas; é muito forte dizer que também a morte lhes pertence, se se pensa no contexto do AT e da filosofia. Mas não são árbitros absolutos, porque não são a última instância, mas pertencem a Cristo. Justamente essa pertença é que os fez superiores.

Paulo conclui o capítulo com esta visão global, chamada de cosmovisão (cf. Rm 8,38s), em que todos os reinos terrestres estão para o ser humano, o ser humano está para Jesus Cristo, e por Cristo está para Deus Pai. Esse mistério único, formado por cabeça e membros, será retomado adiante (cap. 12).

Evangelho: Lc 5,1-11

No Evangelho de Lucas, Jesus agiu sozinho até agora, no território da Galileia. Daí para frente vai alargar seu campo de ação e rodear-se de colaboradores. Nesta vocação de Pedro, Lc não se contenta em contar sucintamente chamada e resposta (como no relato mais antigo que serve como fonte: Mc 1,16-20), mas narra de modo que apareça como projeção antecipada do que será a missão apostólica da Igreja.

Naquele tempo, Jesus estava na margem do lago de Genesaré, e a multidão apertava-se ao seu redor para ouvir a palavra de Deus.  Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes. Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões (vv. 1-3).

No texto original está escrito “um certo dia”, que a liturgia substituiu pelo costumeiro “naquele tempo”. Cafarnaum é uma cidade na beira do “lago de Genesaré”, chamado também mar da Galileia ou mar de Tiberíades (Mc 1,20 etc.; Jo 6,1; 21,1). O primeiro chamado tem como cenário as multidões; no entanto, Jesus se afasta para expor-lhes “a palavra de Deus”, fórmula que a liturgia popularizou e que designa a mensagem evangélica. Conforme o costume dos mestres da época, Jesus ensina sentado (cf. Mt 5,1s). O pescador oferece sua barca como plataforma ou tribuna para o mestre (Mc 4,1p). O ofício empírico de pescador será o objeto do prodígio e a imagem do novo ofício, “pescador de homens” (v. 10; em outro sentido Jr 16,16 e Hab 1,14).

Quando acabou de falar, disse a Simão: “Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”. Simão respondeu: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”. Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem (vv. 4-7).

Pedro experimenta seu fracasso humano e seu êxito ao obedecer a Jesus; suas palavras, entre reticentes e confiantes, expressam estima e respeito: “em atenção à tua palavra (já que o dizes)”. Efetivamente, a ordem de Jesus compensa fadigas e transborda em expectativas.

Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!” É que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer. Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão, também ficaram espantados. (vv. 8-10a).

Em quase todas as vocações há uma objeção. Aqui Pedro tem de descobrir sua condição pecadora revelada pela presença e atuação de Jesus, o Santo (cf. 1,35; 4,34p; Jo 6,69; At 2,27; 3,14; 4,27.30; Ap 3,7), e como pano de fundo do chamado, de modo semelhante a Isaías, “eu, homem de lábios impuros” (Is 6,5) e como o salmista confessa: “Puseste nossas culpas diante de ti, nossos segredos à luz do teu olhar” (Sl 90,8).

Como pecador, sente que Jesus deve afastar-se do seu contato; mas o chamado pede mais, como que uma reconciliação (cf. depois da ressurreição em Jo 21). Simão “cai aos pés” de Jesus (v. 8), e Lc já escreve o nome oficial de “Simão Pedro”! Este apelido será imposto só em 6,14 (cf. Mc 3,16; Mt 16,18; Jo 1,42; 1Cor 15,5).

Ao final da cena se acrescentam os sócios do outro barco (v. 7), os dois irmãos Thiago e João (6,14; 9,54; Mc 1,19s; 3,17; 10,35-41; At 1,13; 12,2) que formarão o trio dos apóstolos mais íntimos (cf. 6,14; 8,51p; 9,28; Mc 13,3; 14,33; Gl 2,9; cf. Pedro e João em 22,8; At 3,1ss; 4,13ss; 8,14). O irmão de Pedro, André, não é nomeado, porque está no barco de Simão (cf. os plurais em vv. 5.6.7).

Jesus, porém, disse a Simão: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens.” Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus (vv. 10b-11).

“Não tenhas medo”, esta frase faz parte de muitas vocações e encontros com o divino (cf. Gn 15,1; 21,17; 26,24; 46,3; Jz 6,23; Jr 1,8.17; Mc 6,50p; 16,6p; Mt 1,20; Lc 1,13.30; 2,10; 5,10 etc.).

Pescar é imagem de apostolado, como será depois o pastoreio; o pescador vive em mais contato com a natureza, está mais exposto ao acaso dos elementos e à sorte do trabalho. A abundância da pesca pode simbolizar para a comunidade a expansão da Igreja (para todo tipo de peixes, ou seja, para todos os povos; cf. Jo 21,11; Mt 28,19). Simão é o primeiro apóstolo (cf. 6,14p; At 1,13 etc.), chamado a ser “pescador de homens” (em outro sentido Jr 16,16 e Hab 1,14). Pedro e seus sócios respondem ao chamado com o seguimento imediato e incondicional (18,28; cf. 5,28; 9,57-61). Hoje, somos nós os chamados a lançar as redes em águas mais profundas e fazer nossa experiência com Jesus juntos com outros companheiros no dia a dia.

O site da CNBB comenta: Um dos elementos mais importantes do cristianismo é a vida comunitária. Para quem é cristão, não existe lugar para o individualismo. Jesus nos mostra isso quando não realiza sozinho a sua missão, mas chama os apóstolos para participarem ativamente dela. Para o apostolado, Jesus não chama os melhores do ponto de vista da economia, da sociedade ou mesmo os mais santos; Jesus chama a todos, sem fazer qualquer tipo de distinção entre as pessoas. Assim, nos mostra que na atuação pastoral, devemos nos preocupar não simplesmente em fazer o trabalho, mas sim em envolver todas as pessoas, para que a atuação pastoral seja comunitária e revele este importante valor do Evangelho.

Voltar