2 de Agosto de 2020, Domingo – 18º Domingo do Tempo Comum: Pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões (vv. 18-19).

18º Domingo do Tempo Comum

 

1ª Leitura: Is 55,1-3

Em vista da multiplicação dos pães no evangelho de hoje, a 1ª leitura de hoje foi escolhida, porque Deus convida para comer sem pagar. É o último cap. do Segundo Isaías (Deutero-Isaías) o arauto que anuncia a boa nova (evangelista) do fim exílio e volta à terra prometida, como um novo êxodo.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 690) comenta: O cap. 55 prolonga o cap. 54 no sentido de que, depois de se haver dirigido a Jerusalém, o profeta se volta agora para os fiéis que se preparam para repovoá-la, a fim de indicar-lhes a natureza e as condições da felicidade deles. Em relação ao conjunto da obra do Segundo Isaías, o cap. 55 constituiu o seu epílogo: como o prólogo (40,1-11), este cap. volta a insistir na transcendência de Deus, na eficácia da sua Palavra e no brilho do novo Êxodo. Deus, pela voz do seu profeta, e um pouco no estilo deuteronômio de 1Rs 8: a) propõem o alimento sólido do seu ensinamento, que proporciona a vida em plenitude (vv. 1-3a); b) promete restituir aos seus fiéis o que foi outrora o brilho de David (vv. 3b-5); c) insista os obstinados a se converter, a confiar no seu perdão, pois a sua visão ultrapassa a deles e a sua Palavra nunca decepciona (vv. 6-11); d) renova enfim a promessa de uma libertação tal que o eco dela repercutirá para sempre (vv. 12-13).

Assim diz o Senhor: “A vós todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga. Por que gastar dinheiro com outra coisa que não o pão, desperdiçar o salário senão com satisfação completa? Ouvi-me com atenção, e alimentai-vos bem, para deleite e revigoramento do vosso corpo. Inclinai vosso ouvido e vinde a mim, ouvi e tereis vida (vv. 1-3a).

A Bíblia do Peregrino (p. 1811) comenta: O arauto adota o estilo de um pregoeiro ambulante (cf. Pr 1,20; 8,1), que oferece de graça uma mercadoria abundante e excelente: água e pão do primeiro êxodo, leite da terra prometida, vinho do banquete, gordura do sacrifício de comunhão (Sl 63,6; 65,12). E a vida prometida em Dt.

Os vv. 1-2 lembram o convite para o banquete da Sabedoria (Pr 9,1-6). A Nova Bíblia Pastoral (p. 948) comenta: Oráculo dirigido aos pobres que carecem de alimentos básicos. “Venham às águas”: convite a retornar para Javé (cf. Jr 2,13; Jo 7,37-38), cuja proposta é viver a partilha e a solidariedade.

“Vinde comprar”, melhor traduzir segundo o grego: “Vinde e bebei”, porque o texto hebraico repete “pedi cereais” (comprar), e não comporta portanto nenhum verbo concernente às bebidas que seguem, vinho e leite (nossa liturgia acrescentou: “tomar”)

“Gastar”, lit. jogar na balança: antes do uso da moeda, pagava-se em lingotes de metal.  “Salário”; palavra traduzida por mão-de-obraem 45,14; deriva do verbo “fatigar-se”(40,30 etc.). “Revigoramento do vosso corpo”, lit. gordura.

Farei convosco um pacto eterno, manterei fielmente as graças concedidas a Davi” (v. 3b)

“Manterei fielmente as graças concedidas a Davi”. Lit. “os benefícios de Davi que são mantidos” (cf. 2Cr 6,42), trata-se do bem feito por Davi graças a Deus, mais do que do bem feito por Deus a Davi (Sl 89,50). Os dois sentidos não se excluem, pelo contrário.

Os vv. 3b-5 (vv. 4-5 omitidos) coincidem com vários temas e expressões do Sl 89,4s.20-38: “pacto eterno” (aliança perpétua), lealdade e fidelidade, testemunha. É como se no texto presente o Senhor respondesse ao problema colocado em tal salmo (Sl 89,39-52), a destruição de Jerusalém e fim do reinado da dinastia de Davi apesar da promessa que sua casa (dinastia) permaneceria (cf. 2Sm 7,12-16).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1452) comenta: Sobre esta aliança eterna (59,21; 61,8), que é também a Nova Aliança, cf. Jr 31,31. A recordação das promessas feitas a Davi (2Sm 7,5-16) é a única no Deutero-Isaías, que jamais sonha com uma restauração da monarquia.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 948) comenta: O grupo profético faz uma releitura da tradição davídica, afirmando a dimensão comunitária da aliança: Javé faz aliança diretamente com o povo. O poder é entregue à comunidade que vive na pratica da justiça e no cuidado amoroso com a vida ameaçada.

2ª Leitura: Rm 8,35.37-39

Desde o 14º Domingo estamos ouvindo o cap. 8 da carta aos Romanos sobre a vida no Espírito. Este capítulo central encerra com uma espécie de hino triunfal sobre a vitória total do projeto de Deus que consiste em manifestar seu amor à humanidade, através das palavras e ações de Jesus Cristo (Ef 3,18s). Com ele podemos vencer em qualquer processo e derrotar os mais fortes inimigos coligados. Os vv. 31b.35-39 inspiraram o canto “Quem nos separará?”.

Já nos vv. precedentes (vv. 31b-34; omitidos em nossa liturgia), Paulo faz uma perguntas retóricas: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” Deus entregou seu próprio Filho por nós. “Como não nos daria tudo junto com ele? Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os declara justos? Quem condenará?”

Em forma semelhante de perguntas, o Servo de Javé já desafiou seus acusadores (Is 50,8s). Como quem se defende de um processo de acusação, a pessoa justificada por Deus possui a certeza da vitória, porque tem como advogado de defesa o próprio Jesus (cf. Lc 21,14s; 1Jo 2,1; cf. Mt 10,20; Lc 12,12; Jo 14,16), ressuscitado e sentado “à direita de Deus intercedendo por nós” (v. 34; cf. Sl 110,1; Mc 14,62p; At 37,55s; Jo 3,16; 1Jo 3,16s; Hb 4,16).

(Irmãos:) Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada? Mas, em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou! (vv. 35.37).

Nossa liturgia omite a citação de uma súplica coletiva (Sl 44,23, talvez alusão às perseguições de Antíoco Epífanes): “Pois é assim que está escrito: ‘Por tua causa somos entregues à morte, o dia todo; fomos tidos como ovelhas destinadas ao matadouro’”

A vitória de Jesus Cristo sobre o mundo em Jo 16,33 é aqui vitória nossa, pelo amor que Deus nos demonstrou na obra de Jesus Cristo.

Tenho a certeza que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os poderes celestiais, nem o presente nem o futuro, nem as forças cósmicas, nem a altura, nem a profundeza, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus por nós, manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor (vv. 38-39).

“Poderes”, “altura”, “profundeza”: Paulo enumera uma lista de forças angélicas, demoníacas, astrológicas, sem dúvida as forças misteriosas do cosmo, considerados como podendo hostis ao homem segundo a concepção dos antigos (cf. Ef 1,21; 3,18).

Com o amor de Deus, manifestado em seu filho, nada mais temos a temer; nem dificuldades, nem perseguições, nem martírio, nem qualquer forma de dominação. Nada poderá desfazer o que Deus já realizou. Nada poderá impedir o testemunho dos cristãos. E nada poderá opor-se à plena realização do projeto de Deus.

A Bíblia do Peregrino (p. 2722) comenta: A vitória de Jesus Cristo em Jo 16,33 é aqui nossa vitória, pelo amor que Deus nos demonstrou na obra de Jesus Cristo. Diz o Cântico dos Cânticos (8,6) que “o amor é forte como a morte”; Paulo está dizendo que o amor é mais forte que a morte, que Deus nos ama para além; concluímos que esse amor é penhor de ressurreição.

 

Evangelho: Mt 14,13-21

O evangelho de Mt segue o roteiro de Mc 6,30-44 que narra o banquete da vida (multiplicação dos pães) após o banquete da morte (de João Batista por Herodes). O evangelho de hoje se divide em três partes: introdução, diálogo, milagre.

Quando soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barco para um lugar deserto e afastado. Mas quando as multidões souberam disso, saíram das cidades e o seguiram a pé (v. 13).

Em Mc 6,30, os doze discípulos voltaram da sua missão nos povoados e contaram a Jesus sobre seus feitos. Ele os convidou para descansarem num passeio de “barco para um lugar deserto e afastado” (Mc 6,31s). Mas a multidão os seguia e muitas pessoas chegaram lá antes deles (Mc 6,30-33).

Mt, porém, já apresentou o envio dos apóstolos e o discurso sobre a missão no cap. 10, motivado pela compaixão de Jesus com o povo em 9,36. Aqui Mt salienta o comportamento de Jesus que talvez queira se retirar em luto e oração. Não é fanático, querendo enfrentar imediatamente Herodes, mas se retira e parte de barco (não de Nazaré, onde estava em 13,53-58; Nazaré não tem acesso ao mar da Galileia como Cafarnaum). Mas também não é fatalista, deixando as coisas correr como estão. Ele continua fiel à missão de servir ao seu povo. O povo ainda segue Jesus, é Igreja em potencial.

Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes (v. 14).

Como em Mc 6, Jesus não foge da multidão, mas “encheu-se de compaixão por eles”. Mt já a descreveu “como rebanho sem pastor” em 9,36 (cf. Mc 6,34; Nm 27,17; 1Rs 22,17; Jr 10,21; 23,1-2; Ez 34,5-6.15; Zc 10,2). O ofício do pastor é feito de cuidado e compaixão. Em Mt, sem ensinamentos (cf. Mc 6,34), Jesus logo cura os doentes, porque sua misericórdia e sua compaixão se manifestam nas curas (cf. 9,27.35s; 15,22.29-32; 17,15; 20,30s.34). Depois destas curas, a multiplicação dos pães não deve ser entendida somente simbólica ou sacramental, mas como algo mais concreto.

Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” (v. 15)

Em Mt, a multidão não parece ser tal pobre, porque se supõe que as pessoas possam comprar seu alimento. Talvez o horário “ao entardecer” indica que o evangelista vivia numa cidade, porque lá havia mais o costume do jantar como refeição principal.

Jesus porém lhes disse: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” Os discípulos responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (vv. 16-17).

A resposta de Jesus já deixa sentir o que vai fazer, porque o povo não precisa sair. Ele é o soberano que parece exigir coisa impossível. O diálogo não apresenta a falta de compreensão dos discípulos (falando do salário de 200 dias em Mc 6,37), mas sua falta de fé, ou seja, apenas duvidam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (v. 17). Mt alude com frequência à fé fraca dos discípulos (ou da comunidade) em diálogos antes de realizar um milagre (8,26; 9,22.28s; cf. 14,31; 16,8). A fé não se fundamenta em milagres, mas por eles se espera e pede. Não é com a lógica do mercado, mas com a colaboração e partilha dos discípulos que Jesus sacia a multidão.

Jesus disse: “Trazei-os aqui.” Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama. Então pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões (vv. 18-19).

Conforme sua tendência de resumir, Mt omitiu a acomodação do povo em grupos de cinquenta (Mc 6,40). Para ele, esta alusão ao povo de Israel no deserto organizado por Moisés (cf. Ex 18,21.25; Nm 31,14; Dt 1,15) não tem tanta importância aqui. Como todo judeu piedoso, Jesus reza antes da refeição dando graças e distribui os pães. Num ambiente judaico, a bênção não é benzer os pães, mas um louvor a Deus (benção = bem-dizer). Os leitores judeu-cristãos de Mt se lembram das suas próprias refeições (o pai de família reza e parte o pão para todos da sua casa) e também da comunhão com o Senhor na Eucaristia. Este sentido sacramental já se encontrava em Mc 6,40 e Mt o reforça não falando mais da distribuição dos peixes. Obviamente Jesus precisa da colaboração dos discípulos ao partir e distribuir os pães para esta multidão.

Todos comeram e ficaram satisfeitos, e dos pedaços que sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios. E os que haviam comido eram mais ou menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças (vv. 20-21).

Apesar da sua tendência de resumir, Mt acrescenta aqui as mulheres e crianças. Os números são simbólicos: cinco pães para 5000 pessoas lembram o pentateuco (cinco livros de Moisés, os primeiros livros da Bíblia) e os 12 cestos que sobram, lembram as 12 tribos de Israel. Em 15,32-39 e Mc 8,1-9 conta-se outra multiplicação dos pães, desta vez para os pagãos fora da terra de Israel e com outros números: sete pães, sete cestos e 4000 pessoas lembram os sete dias da criação (cf. sete diáconos para os helenistas em At 6,1-6; sete povos pagãos em Canaã; cf. Dt 7,1) e os quatro pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste). No AT, há de considerar o pastor que dá descanso e comida às ovelhas (Sl 23), o maná no deserto (Ex 16), os milagres de Elias e Eliseu (1Rs 17,1-16; 2Rs 4,1-7.42-44) e os banquetes em Isaías (Is 25,6-8; 55,1-2; 65,13-14). Um milagre semelhante nos é contado em Jo 2,1-12, com o vinho no casamento em Caná.

Para Mt, o mais importante aqui é a soberania e a compaixão de Jesus que faz experimentar seu poder de curar e saciar o povo. Assim a comunidade cristã pode também fazer suas experiências com Jesus ressuscitado que se faz presente nela no seu dia a dia (cf. “Emanuel” em 1,23; 28,20; o pedido do Pai Nosso e a providência divina em 6,11.25-34).

Ao total temos seis relatos da multiplicação de pães nos quatro evangelhos. Isto mostra a importância que os primeiros cristãos deram, provavelmente nas suas assembleias eucarísticas. Apesar da separação da eucaristia da refeição comum (cf. 1Cor 11,17-34), fica para nós o incentivo de partilhar e não desperdiçar os alimentos. Se todos dessem o que têm, ninguém passaria fome (cf. At 2,44s; 4,32.34s).

O site a CNBB comenta: Uma das coisas mais importantes que nos são apresentadas a partir do sacramento da Eucaristia é a sua dimensão apostólica. A Eucaristia está intimamente ligada ao seguimento de Jesus e ao nosso agir apostólico. Quando os discípulos indagam Jesus sobre a situação da fome do povo, Jesus responde: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Em seguida, ele multiplica os pães. Assim, nós vemos a necessidade que existe de todos nós participarmos da missão de Jesus para podermos participar do verdadeiro pão multiplicado que é o sacramento da Eucarística.

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