2 de Dezembro de 2019, Segunda-feira – Advento: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado” (vv. 7-8).

1ª Semana do Advento

“Advento” significa “vinda, chegada” (do Senhor), ou seja, o tempo litúrgico de preparar a vinda do Senhor (Natal). Durante as primeiras duas semanas de Advento, nossa liturgia nos apresenta textos do profeta Isaías, selecionados porque falam da expectativa e alegria por um futuro melhor com Deus conosco (“Emanuel”, cf. Is 7,14). Nestas primeiras duas semanas, as leituras não foram escolhidas em vista do evangelho (como nos domingos), mas os diversos evangelhos foram escolhidos em vista das leituras do profeta Isaías que pode ser chamado o “profeta do Advento”.

Leitura (Ano A): Is 4,2-6 (Ano B e C: Is 2,1-5)

A leitura de hoje nos apresenta um oráculo de restauração após um anúncio de castigo sobre Israel que deixou muitas viúvas desesperadas (3,25-4,1). A continuidade dos “sobreviventes” sucede à escassez de homens depois da guerra (4,1), às mulheres luxuosas e provocativas (3,16-24) sucede uma grande purificação; aos chefes perversos (3,14s), um “rebento davídico” (Jr 23,5s; 33,15; Zc 3,8; 6,12); à ruína de Jerusalém, o renovado esplendor de Sião. Com a referência davídica conjura tradições do êxodo. Os vv. 2-6, ou apenas 4-6, são geralmente considerados uma composição durante o exílio da Babilônia ou logo depois. A comunidade atualiza o tema do resto de Israel (cf. 10,17-22) para manter a esperança da restauração.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1364) comenta a esperança na situação difícil devido à destruição de Jerusalém pelos babilônios em 587 a.C. que levou ao exílio:

Israel será castigado. Contudo, porque Deus ama o seu povo, um pequeno “resto” escapará da espada dos invasores. Já conhecido de Amós (3,12; 5,15; 9,8-10), o tema é retomado por Isaías (6,13; 7,3 e 10,19-21; 28,5-6; 37,4[= 2Rs 19,4]; 37,31-32, cf. Mq 4,7; 5,2; Sf 2,7.9; 3,12; Jr 3,14; 5,18; Ez 5,3; 9). Havendo permanecido em Jerusalém, este resto, purificado e doravante fiel, tornar-se-á uma nação poderosa.

Após a catástrofe de 587, surge uma nova ideia: o Resto encontrar-se-á entre os deportados (Ez 12,16; Br 2,13). É no exílio que ele se converterá (Ez 6,8-10, cf. Dt 30,1-2), e Deus reuni-lo-á para a restauração messiânica (Is 11,11.16; Jr 23,3; 31,7; 50,20; Ez 20,37; Mq 2,12-13). Depois do regresso do exilio, o Resto, de novo infiel, será ainda dizimado e purificado (Zc 1,3; 8,11; Ag 1,12; Ab 17= Jl 3,5; Zc 13,8-9; 14,2). Com efeito, Cristo é que será o verdadeiro rebento do novo e santificado Israel (Is 11,1.10; cf. 4,2; Jr 23,3-6). – Contrariamente a Israel, as nações pagãs não terão “resto” (Is 14,22.30; 15,9; 16,14; Ez 21,37; Am 1,8; Ab 18).

Naquele dia, o povo do Senhor terá esplendor e glória, e o fruto da terra será de grande alegria para os sobreviventes de Israel (v. 2).

“Naquele dia” soa geralmente como especificação escatológica. Nossa liturgia traduziu “povo do Senhor”, mas literalmente é “germe” ou “rebento” de Javé (Senhor), aqui expressão paralela ao “fruto da terra”; designa aqui primeiramente fecundidade e prosperidade (que se seguirá à catástrofe geral), descritas nos termos empregados para a felicidade do tempo messiânico (Am 9,13; Is 61,11; Sl 72,16). A perspectiva de Is se estende também ao renascimento de um povo que, reduzido inicialmente a um “resto” de “sobreviventes” (cf. 1,9), se tornará um “rebento” (germe, broto, descendente) chamado para um futuro glorioso. Finalmente o termo será aplicado à própria pessoa do Messias como título do herdeiro davídico.

Então, o “rebento” e o “fruto da terra” designam quer o Messias (Jr 23,5=33,15; Zc 3,8; 6,12; Sl 132,17), quer o “resto” de Israel, comparando a uma arvore que renasce no solo da Palestina.

Então, os que forem deixados em Sião, os sobreviventes de Jerusalém, serão chamados santos, a saber, todos os destinados à vida em Jerusalém (v. 3).

Os “santos” ou consagrados são propriedade de Deus (Ex 19,6; Dt 7,6; 14,2.21; 26,19) que fará um registro dos vivos: “destinados (lit. inscritos) à vida”. Aqui está uma das raízes da representação do “livro da vida” desenvolvida, sobretudo, no gênero apocalíptico (Ex 32,32; Ez 13,9; Sl 69,29; 87,6; Dn 12,1.10; Lc 10,20; At 13,38; Fl 4,3; Ap 3,5; 13,8; 17,8; 20,12.15; 21,27).

O conceito de “resto” ou “sobreviventes” pode ter origem nas catástrofes das quais o profeta foi testemunha e nas quais viu como que juízo de Deus sobre seu povo. O fato deste julgamento não ter acabado com o extermínio completo o convenceu de que a escolha do povo não era contestada e de que o resto dos sobreviventes era uma manifestação da graça de Deus, mas exige uma reposta positiva destes sobreviventes.

Quando o Senhor tiver lavado as imundícies das filhas de Sião, e limpado as manchas de sangue dentro de Jerusalém, com espírito de justiça e de purificação, ele criará em todo lugar do monte Sião e em suas assembleias uma nuvem durante o dia, e fumaça e clarão de chamas durante a noite: e será proteção para toda a sua glória, uma tenda para dar sombra contra o calor do dia, abrigo e refúgio contra a ventania e a chuva (vv. 4-6).

A purificação que a água costuma fazer será feita por um sopro ardente, um sopro (“espírito”) abrasador sobre as “filhas de Sião” (população de Jerusalém, cf. 3,16). O profeta compara a presença do Senhor no monte Sião (colina do templo em Jerusalém) com a no monte Sinai e no êxodo, onde a coluna de nuvem (durante o dia) e de fogo (durante a noite) guiou os israelitas na saída do Egito (cf. Ex 13,21s; 14,19s; 19,9.18; 24,15-18; 40,34-38; 1Rs 8,10s; Sl 18,10; 97,2; 2Mc 2,8). Em Lv 16,2.13, esta nuvem se confunde com as nuvens do incenso que no culto simboliza a presença divina. No NT, a nuvem também é sinal da presença de Deus (cf. Mc 9,7p; 13,26; 14,62; Lc 24,51; At 1,9).

No templo voltará a habitar a “glória” do Senhor (cf. Ex 16,7.10; 24,16s; 40,34s; Lv 9,23; Nm 16,19; 17,7; 20,6; 1Rs 8,11, etc.), coberta com uma “tenda”, que será ornamento e asilo contra os assaltos do mormaço e das tempestades.

Todas estas alusões ao êxodo confirmam a data tardia do poema (cf. 10,26, que é um acréscimo, 11,15-16, que é exílico). Assim o Segundo Isaias (Is 40-55) apresentou a volta do exílio como um novo êxodo (cf. 40,3, etc.).

 

Evangelho: Mt 8,5-11

Nos dias da semana até o dia 17 de dezembro, as leituras do AT não foram escolhidas em vista do evangelho (como nos domingos), mas os diversos evangelhos foram escolhidos em vista das leituras do profeta Isaías.

No evangelho de hoje, um centurião pagão demonstra grande confiança e expectativa em Jesus: “uma palavra basta” para curar e dar futuro a um doente paralisado. Jesus, por sua vez, apresenta uma bela imagem do futuro da humanidade: “muitos virão do oriente e do ocidente” para sentar-se na mesa do Reino de Deus.

Esta cura à distância é o segundo milagre de Jesus em Mt. Como em Lc 7,1-10, é contada logo depois do sermão sobre a ética (o sermão da montanha em Mt 5,1-7,27; em Lc 6,17-49 é proferido numa planície). Mt só inseriu nosso texto antes da cura do leproso (vv. 1-4) que Lc já tinha contado antes, seguindo o roteiro de Mc. Isso leva a conclusão que a cura já estava numa fonte comum que Mt e Lc usavam, numa antiga coleção catequética de palavras de Jesus (chamada Q), ou numa segunda e ampliada edição de Mc (chamada Deutero-marcos). Obviamente a função desta cura à distância na fonte era mostrar a eficiência da Palavra de Jesus logo após o sermão, além de abrir a salvação aos pagãos que conhecerão Jesus apenas através da palavra (dos apóstolos).

Quando Jesus entrou em Cafarnaum, um oficial romano aproximou-se dele, suplicando: “Senhor, o meu empregado está de cama, lá em casa, sofrendo terrivelmente com uma paralisia” (vv. 5-6).

Jesus volta a Cafarnaum, uma cidade de fronteira, que Jesus tinha escolhido para morar (4,13; cf. Mc 2,1). Lá encontra um “oficial romano”, lit. centurião (oficial que comanda cem soldados, cf. 27,54p; At 10,1; 21,32; 22,25); é um pagão, mas não necessariamente um romano. Herodes Antipas, administrador da Galileia, recrutava suas tropas em todas as regiões circunvizinhas; em Jo 4,46-53, Jesus cura o “filho” de um oficial de Herodes à distância.

Também em nosso evangelho de hoje, o centurião pede a cura do seu “filho” e não do seu “empregado” (como nossa liturgia traduz; cf. Lc 7,2), porque o termo grego païs (raiz de pedagogia) que Mt usa significa “menino” (cf. 2,16; 17,15.18; duplo sentido em Is 42,1; Mt 12,18; At 3,13.26; 4,25,27). Mt usa outro termo para designar “servo, escravo” em v. 9! O centurião reconhece Jesus como “Senhor” (vv. 6.8; cf. v. 2; 7,21-22 etc.; At 2,36; Fl 2,11), expressando sua fé, e também respeita os costumes e as leis do país.

Jesus respondeu: “Vou curá-lo.” O oficial disse: “Senhor, eu não sou digno de que entres em minha casa. Dize uma só palavra e o meu empregado ficará curado” (vv. 7-8).

Às palavras de Jesus: “Vou curá-lo?” (v. 7 pode ser uma pergunta), o oficial confessa que não é digno como pagão, não se atreve a hospedar Jesus, porque sabe que os judeus não entram nas casas dos pagãos para não se tornarem impuros (cf. Jo 18,28; At 11,3). Jesus, como judeu, tornar-se-ia impuro se entrasse na casa dele.

Na sua humildade pede que baste uma palavra de Jesus para curar o filho paralisado. Seu pedido é um exemplo de fé e humildade e como tal entrou na liturgia da missa: Antes de receber o Corpo de Cristo confessamos: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada (o corpo como morada da alma), mas dizei uma palavra, e serei salvo” (cf. Jr 30,31: “Quem ousaria aproximar-se de mim?”).

“Pois eu também sou subordinado e tenho soldados debaixo de minhas ordens. E digo a um: ‘Vai!’, e ele vai; e a outro: ‘Vem!’, e ele vem; e digo ao meu escravo: ‘Faze isto!’, e ele faz” (v. 9).

O centurião crê que Jesus é capaz de curar, mesmo sem estar presente fisicamente, basta dar uma ordem para que aconteça a cura. Sua experiência militar é imagem para expressar esse poder. Provavelmente quer dizer: “Se eu como homem subalterno posso dar ordens, quanto mais o Senhor!” (João Crisóstomo comenta: “Tú és Deus-Senhor, eu sou só um homem”). Um modo de fazer, próprio de soberanos e autoridades, é por meio da palavra, ou seja, dando ordens é fazer. Dessa condição são as ordens criadoras de Deus (a palavra de Deus é ação, cf. Gn 1: Deus falou e assim se fez; cf. Sl 33); assim a palavra de Jesus se mostra eficaz.

Quando ouviu isso, Jesus ficou admirado, e disse aos que o seguiam: “Em verdade, vos digo: nunca encontrei em Israel alguém que tivesse tanta fé. Eu vos digo: muitos virão do Oriente e do Ocidente, e se sentarão à mesa no Reino dos Céus, junto com Abraão, Isaac e Jacó” (vv. 10-11).

Jesus se dirige às multidões (que o seguem desde o sermão da montanha (cf. v. 1) e apresenta este pagão como exemplo de fé porque acreditou como Abraão (cf. Gn 15,6) numa confiança incondicional no poder do Senhor (cf. Hb 11,1: “A fé é um modo de possuir desde agora o que se espera, um meio de conhecer realidades que não se veem”).

Inspirado em Is 25,6; 55,1-2; Sl 22,27 etc., o judaísmo apresentava a era messiânica muitas vezes sob a imagem de um festim (cf. Mt 22,2-14; 26,29p; Lc 14,15; Ap 3,20; 19,9). A leitura de hoje termina com o anúncio do banquete messiânico (junto com Abraão, cf. Lc 16,22) para o qual muitos virão de terras distantes, “enquanto os herdeiros (lit. filhos) do reino serão jogados para fora nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (v. 12; cf. Lc 13,28s). Para ficar na parte positiva (advento), a liturgia de hoje omitiu este v. 12, porque nele Jesus já vislumbra a sua paixão, a rejeição do messias e do evangelho pelo seu próprio povo (cf. 27,25), enquanto os pagãos demonstram mais abertura, ou seja, fé nele. Eles vão tomar o lugar daqueles judeus, herdeiros naturais das promessas (cf. 21,43; Rm 9,3-5), que não acreditam no Cristo e, portanto, ficarão “fora nas trevas” (22,13; 25,30) com “choro e ranger de dentes” (expressão de dor terrível; cf. 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30).

A liturgia de hoje também omitiu a ordem de Jesus e seu êxito. Ele atende à fé do oficial: “Vai! E seja feita como tu creste” (v. 13a, “seja feita” lembra o pedido do Pai-Nosso). Brevemente consta-se a cura “naquela mesma hora” (v. 13b). Atendendo ao pedido de um pagão, Jesus mostra que as fronteiras do Reino vão muito além do mundo estreito da pertença à uma origem privilegiada. A fronteira agora é a fé na palavra libertadora de Jesus. Mesmo pertencendo ao grupo dos que se consideram salvos, se não houver essa fé, também não haverá possibilidade de entrar no Reino de Deus.

Em Mt 2, os reis magos já representam a vinda dos povos pagãos e distantes (“vindos do oriente”, cf. 2,1-12), enquanto “Herodes e toda Jerusalém ficaram perturbados” (2,3). Para a comunidade de Mt, o centurião torna-se figura de identificação (como já era o centurião em Mc 15,39; cf. o centurião Cornélio em At 10), homem de fé e humildade que respeita a lei e a preferência de Israel (cf. Mt 15,21-28) e ao mesmo tempo símbolo da comunidade “católica”, ou seja, de “todos os povos” que confiam na palavra de Jesus mesmo sem sua presença física (cf. 28,20).

O site da CNBB comenta: A presença de Jesus no meio dos homens significa a chegada dos tempos messiânicos e o pleno cumprimento de todas as profecias do Antigo Testamento. Os sinais que Jesus realiza atestam este fato. Mas para que as pessoas participem do Reino de Deus de modo a usufruir dos dons que lhes são oferecidos nestes tempos messiânicos, faz-se necessária a aceitação plena de Jesus e de sua palavra, assim como a adesão à causa do Reino de Deus. Não basta ser católico para participar das coisas do alto, é necessário assumir a fé e ter uma vida coerente com ela.

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