2 de Julho 2019, Terça-feira: Jesus respondeu: “Por que tendes tanto medo, homens fracos na fé? ” Então, levantando-se, ameaçou os ventos e o mar, e fez-se uma grande calmaria (vv. 24b-26). 

13ª Semana Comum  

Leitura: Gn 19,15-29

Ouvimos hoje da destruição de Sodoma e Gomorra e da salvação de Ló, sobrinho de Abraão. “Ao anoitecer, os dois mensageiros (anjos) chegaram Sodoma” (v. 1) para averiguar a denúncia sobre os pecados desta cidade (vv. 13; 18,20s), e o migrante Ló os recebeu com toda hospitalidade (como antes Abraão em 18,2-8). Os “dois anjos/mensageiros” de 19,1.15 são os “homens” que se separaram do Senhor Yhwh (18,22) depois da visita dos “três homens” a Abraão (18,2; cf. leitura de sábado passado), mas continuam a ser chamados de “homens” (vv. 10.12.16) que falam, ou se lhes falam, ora no plural, ora no singular (v. 21) como representantes do Senhor. Atrás deles está a autoridade do Senhor que ficava com Abraão (v. 27; cf. 18,16-19,1; leitura de ontem).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 37s) comenta: Os pastores praticam o sagrado direito da hospitalidade (18,2-7; 19,1-8; 24,30-32; Jz 19,16-21; Jó 31,32). Inspirados pelo aspecto das rochas e da depressão do mar Morto, os pastores contavam histórias contra as cidades que despeitavam com violência esse costume deles (19,5-8; cf. 12,10-20; Jz 19,22-25). Para seus filhos continuarem como pastores, mostravam Deus do seu lado e as cidades como lugar do mal (18,20; cf. 13,13… Jr 23,14; Mt 11,23; Ap 11,8), onde não havia nenhum justo (18,23-33).

Ló, que morava em Sodoma (13,12) como “migrante” (v. 9), acolheu os homens recém-chegados com toda hospitalidade na sua casa, mas os habitantes da cidade queriam arrombar a porta e “se deitar com eles” (vv. 1-11). Daí a expressão “sodomia” para um ato homossexual masculino (cf. Lv 18,22; 20,13; Rm 1,26s), mas o que a Bíblia condena mais aqui é a violação da hospitalidade por tentativa de estupro (cf. o crime em Gabaá, Jz 19,19-26). Outros textos falam de falsidade, injustiça e soberba (Is 1,9-10; Jr 23,14; Ez 16,49s). A depravação sexual é delito cananeu (Lv 18,27; 20,23).

Ló ofereceu entregar suas duas filhas virgens em lugar dos hóspedes, porque o patriarcalismo da sociedade pastoril colocava o dever da hospitalidade e a honra da família acima do direito das filhas e das mulheres em geral (v. 8; cf. Jz 19,24s). Mas os anjos estenderam sua mão e os feriram os depravados de cegueira (v. 11).

Os anjos insistiram com Ló, dizendo: “Levanta-te, toma tua mulher e tuas duas filhas, e sai, para não morreres também por causa das iniquidades da cidade”. Como ele hesitasse, os homens tomaram-no pela mão, a ele, à mulher e às duas filhas – pois o Senhor tivera compaixão dele -, fizeram-nos sair e deixaram-nos fora da cidade (vv. 15-16).

Então, como nem dez justos se encontraram na cidade, número pelo qual Abraão conseguiu interceder (18,32), era a hora da destruição. Só a família de Ló será salva (compare com a família de Noé em 7,1). Como os dois genros prometidos às suas filhas não acreditaram em Ló e caçoaram dele (v. 14), “os anjos insistiram com Ló” e “os homens tomaram-no pela mão, a ele, à mulher e às duas filhas… e fizeram-nos sair”. Cada anjo toma dois pela mão e se forma a pequena caravana de seis pessoas saindo da cidade.

Uma vez fora, disseram: “Trata de salvar a tua vida. Não olhes para trás, nem te detenhas em parte alguma desta região. Mas foge para a montanha, se não quiseres morrer”. Ló respondeu: “Não, meu Senhor, eu te peço! O teu servo encontrou teu favor e foi grande a tua bondade, salvando-me a vida. Mas receio não poder salvar-me na montanha, antes que a calamidade me atinja e eu morra. Eis aí perto uma cidade onde poderei refugiar-me; é pequena, mas aí salvarei a minha vida”. E ele lhe disse: “Pois bem, concedo-te também este favor: não destruirei a cidade de que falas. Refugia-te lá depressa, pois nada posso fazer enquanto não tiveres entrado na cidade”. Por isso foi dado àquela cidade o nome de Segor (vv. 17-22)

Os anjos recomendam Ló para não olhar par trás e fugir da região para as montanhas (v. 17; cf. Sl 11,1). Ló, porém, se acostumou com a vida na cidade e pede outro refúgio: “Eis aí perto uma cidade onde poderei refugiar-me; é pequena, mas aí salvarei a minha vida” (v. 20). E ele (Deus) concede este favor e por isso não destrói a cidade que é chamada Segor (= “pequena”, insignificante, pouca coisa, um nada; cf. Am 7,1-7). A cidade ficava a sudoeste do mar Morto (13,10; Dt 34,3; Is 15,5; Jr 48,34). Na época romana, um novo sismo entregará a cidade às águas, mas foi reconstruída mais acima a habitada até a Idade média.

O sol estava nascendo, quando Ló entrou em Segor. O Senhor fez então chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra. Destruiu as cidades e toda a região, todos os habitantes das cidades e até a vegetação do solo (vv. 23-25).

Além de Sodoma e Gomorra (Am 4,11; Is 1,9-10), as cidades malditas são Adama e Seboim (Gn 14; Dt 29,22; Os 11,8). Junto com Segor formaram a Pentápolis (cinco cidades) na região sul do Mar morto. O mar chama se “morto”, porque seu teor de sal é tanto que não há nenhuma vida dentro da água e na sua beira.

Os que encontram no relato alguma base histórica neste cataclismo (vv. 24-25) tomam a palavra hebraica “emborcar” como indício de terremoto e atribuem ao fogo origem petrolífera (um abalo sísmico acompanhado de erupção de gás). De fato, o abaixamento da parte sul é geologicamente recente, e a região permanece instável até a época moderna.

O fogo destruidor se converteu em emblema equivalente a castigo definitivo. A partir deste antigo texto se afirmam o caráter moral da religião de Israel e o poder universal do Senhor. A terrível lição será frequentemente evocada (Dt 29,22; Is 1,9; 13,19; 34,9-10; Jr 49,18; 50,40; Lm 4,6; Sb 10,6-7; Os 11,8-9; Am 4,11; Sf 2,9; Mt 10,15; 11,23-24; Lc 17,28-29; 2Pd 2,6-10; Jd 7).

Ora, a mulher de Ló olhou para trás e tornou-se uma estátua de sal (v. 26).

A mulher de Ló não obedeceu á ordem dos anjos (v. 17) e “olhou para trás” com nostalgia ou curiosidade (cf. Lc 9,62). Trata-e de uma explicação popular de uma rocha de forma caprichosa ou de um bloco salino que visto de determinado ponto, se assemelhava a uma mulher (ainda existem formações semelhantes). O povo a chamava “a mulher de Ló” e contava sua história temerosa. Sua figura petrificada passou a nossa cultura como símbolo de nostalgia covarde ao passado, uma nostalgia que paralisa (cf. Sb 10,6-7).

Abraão levantou-se bem cedo e foi até o lugar onde antes tinha estado com o Senhor. Olhando para Sodoma e Gomorra, e para toda a região, viu levantar-se da terra uma densa fumaça, como a fumaça de uma fornalha. Mas, ao destruir as cidades da região, Deus lembrou-se de Abraão e salvou Ló da catástrofe que arrasou as cidades onde Ló havia morado (vv. 27-29).

Do “lugar onde antes tinha sido com o Senhor” (cf. 13,10.14; 18,16-33), Abraão “olhando para Sodoma e Gomorra… viu levantar-se da terra uma densa fumaça”. Mas Deus se lembrou da intercessão de seu amigo Abraão (cf. 18,16-33) “e salvou Ló da catástrofe”.

O olhar trágico de Abraão contrasta com o olhar sonhador de Ló em 13,10. Deus está do lado de Abraão que prefere escolheu morar na roça e não na cidade. As cidades tornaram-se lugares de pecado e violência dificultando um encontro com Deus? A Bíblia é crítica à civilização (cf. os descendentes de Caim em 4,7-24 e a torre de Babel 11,1-9), depois de Sodoma e Gomorra, as metrópoles Babilônia e Roma tornam-se símbolos do pecado (cf. Ap 17). Para se encontrar com Deus, o deserto e as montanhas são mais propícios (Sinai, cf. Ex 3; 19; 24; 1Rs 19; cf. Mt 3,1; 4,1-11; 5,1; 17,1-9; 28,16-20). A Bíblia começa na natureza virgem do paraíso, mas termina na cidade de Jerusalém celeste, onde a natureza (roça, jardim) e cultura (cidade, civilização) se reconciliam (cf. Ap 21-22).

Evangelho: Mt 8,23-27

Ouvimos hoje a história de Jesus acalmando a tempestade e o mar na versão de Mateus.

Jesus entrou na barca, e seus discípulos o acompanharam (v. 23).

Mt encontrou esta história já em Mc 4,35-41. Ao copiá-la, Mt encaixou um diálogo sobre as exigências do seguimento no meio (vv. 19-22 par Lc 9,57-60, evangelho de ontem). A ordem de ir para outro lado do mar já foi dada em v. 18 (Mc 4,35). Só depois do diálogo, em v. 23, realmente “Jesus entra na barca e seus discípulos o acompanharam. ” Quer dizer, pela mudança do contexto, Mt talvez quisesse relacionar a tempestade que se segue com as dificuldades e o medo dos discípulos ao seguirem Jesus, deixando o lar e a família e vivendo sem segurança econômica. Além disso, no outro lado do mar da Galileia (ou lago Genesaré) está a Decápolis, uma região de dez cidades gregas. Significa para os discípulos irem à terra estrangeira, pagã, desconhecida (cf. 28,19), onde homens imundos e ferozes podem aparecer (os endemoninhados de Gerasa/Gadara; cf. evangelho de amanhã: 8,26-34p).

E eis que houve uma grande tempestade no mar, de modo que a barca estava sendo coberta pelas ondas (v. 24).

Em vez de “tempestade”, Mt usa a palavra “tremor, sismo”, porque lembra as tribulações dos últimos tempos (cf. 24,7; 27,54; Ap 6,12; 8,5; 11,13.19; 16,18). Este fenômeno acompanha as teofanias no Sinai (Ex 19,18; 1Rs 19,11), a revelação de Javé diante de Jó (Jó 38,1; 40,6) e a ressurreição de Jesus (Mt 27,51.54; 28,2.4).

O mar na sua realidade empírica pode ser força destruidora, incontrolável para o homem (cf. Sl 69,3.16; 107,23-30), águas e ondas podem ser ameaçadoras (Sl 18,5; 32,6; 40,3; 42,8; 46,3-4; 66,12; 69,2-3; 88,18; 130,1; Jó 7,12; 22,11; 27,20; Is 8,7; 30,28; Dn 7,2-3; Jn 2,6; Ap 17,15). Até aí, os pescadores do lago seriam um caso a mais. Mas o mar apresenta outro aspecto no AT: é a potência rebelde, caótica, ameaça que Deus submete e domestica (Sl 93; 104,6-7; etc.).

Jesus, porém, dormia. Os discípulos aproximaram-se e o acordaram, dizendo: “Senhor, salva-nos, pois estamos perecendo! ” Jesus respondeu: “Por que tendes tanto medo, homens fracos na fé? ” Então, levantando-se, ameaçou os ventos e o mar, e fez-se uma grande calmaria (vv. 24b-26). 

Jesus “dormia” despreocupado como Jonas (Jn 1,5). Mt não menciona o travesseiro (Mc 4,38), talvez porque já anotou que “o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (v. 20). De qualquer modo, Jesus é dono da situação, “Senhor” dos elementos. Os discípulos o chamam “Senhor“ (cf. evangelho de ontem; aqui alude á “Javé”, traduzido sempre no AT por “Senhor”).  A maneira como agem os discípulos, lembra uma liturgia: “aproximaram-se …, dizendo: ‘Senhor, salva-nos, pois estamos perecendo! ’” (v. 25).

Além da dimensão cristológica que mostra aqui o poder divino em Jesus, temos a dimensão eclesiológica, ou seja, da Igreja: a interpretação do texto sempre identificava a barca com a Igreja. Na antiguidade, a barca podia ser símbolo da alma (no mar da vida), e o navio era símbolo do estado. Como a Igreja nasceu na comunidade dos primeiros discípulos que eram pescadores, facilmente se vê na barca de Pedro a própria Igreja, e aqui no texto, a comunidade com medo, medo principalmente das perseguições (cf. Mt 5,11-12; 10,16-39; 23,34-37). Por isso, o Senhor lhes disse, ainda antes de acalmar os elementos (em Mc 4,40, disse depois): “Por que tendes tanto medo, homens fracos na fé? ”, ou seja, “gente de pouca fé”, uma expressão predileta do evangelista (6,30; 8,26; 14,31; 16,8; 17,20; cf. Lc 12,28).

Jesus atende o pedido da oração e cria um grande silêncio através da sua palavra, “ameaçou o vento e o mar, e fez-se uma grande calmaria” (v. 26), como o Senhor repreende a maré dos povos (Is 17,12-13), o mar (Na 1,4) ou o mar Vermelho (Sl 106,9). Assim se revela dominador dos elementos cósmicos (como Deus em Sl 104,7-9). Jesus que antes estava dormindo/adormecido (morto), agora se levanta (ressuscita) e cria grande calmaria (paz) tirando o medo dos discípulos.

Os homens ficaram admirados e diziam: “Quem é este homem, que até os ventos e o mar lhe obedecem? ” (v. 27).

Os presentes entrevem em Jesus um poder sobre-humano superior aos ventos (Sl 104,4). Quem são “os homens”? Pelo contexto, só os discípulos estão presentes (cf. Mc 4,41: “diziam uns aos outros”). Com os “homens”, Mt costuma designar os não-crentes (5,13; 10,17.32s), os que precisam do evangelho (4,19; 5,16.19; 6,12 etc.), os que falam de Jesus como de fora (16,13), ou mesmo que nada compreendem das cosias de Deus. Aqui, Mt quer sair do contexto histórico e sugere a maneira geral, como nós, os leitores, devemos reagir ouvindo este milagre que mostra a divindade em Jesus.

A fé é fraca quando não se seguem obras (cf. Tg 2,14-26), mas também quando os discípulos não confiam no poder e na presença do Senhor que, para eles, parece despreocupado, indiferente, dormindo/adormecido, ausente (cf. 1Rs 19,11-13). Portanto, aumenta a fé quando a comunidade se aproximar mais ao Senhor e confiar ser sustentada por ele. O evangelho de hoje, como outro de 14,22-33p (Jesus ausente e depois andando sobre o mar), testemunha a presença do Senhor “até o fim do mundo” (28,20).

O site da CNBB comenta: A nossa vida é constantemente marcada por turbulências que nem sempre são fáceis de serem vencidas, sendo que algumas vezes temos a impressão de que seremos engolidos. São situações que nos desafiam e exigem de nós muito mais do que somos capazes de realizar. É justamente nessas situações que a nossa fé deve falar mais alto. É claro que devemos reconhecer a nossa impotência diante de determinadas situações, mas a vida de quem realmente crê em Deus não pode ser marcada pelo medo, pela covardia ou pela transferência da responsabilidade do dia a dia para Deus. É assumir com coragem os desafios na certeza de que Deus é o grande parceiro e que seremos sempre vitoriosos porque não realizamos uma obra que é nossa, mas somos protagonistas de uma obra que é o próprio Deus quem realiza.

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