20 de Abril de 2021, Terça-feira: Então pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (vv. 34-35).

Páscoa 3ª semana 3ª feira

Leitura: At 7,51-8,1

Ouvimos hoje somente o fim do discurso mais longo no livro dos Atos (7,2-53) e suas consequências. Neste discurso diante do Sinédrio (cf. 6,12.15; desta vez, Lc só menciona “o povo, os anciãos e os doutores da lei” e não os sacerdotes que faziam parte), o diácono Estêvão apresenta exemplos do AT (Antigo Testamento): Abraão ouviu a palavra do Senhor e se colocou a caminho; José ouviu a palavra e tornou-se salvador do seu povo no Egito; Moisés ouviu a palavra e tornou-se libertador. Com esses exemplos, os ouvintes devem aprender, ouvir e aderir a Jesus. Estêvão recorda que a relação, em todos os tempos, do povo de Israel com Deus acontece sob o peso constante da infidelidade da aliança. Como os israelitas desobedeceram a Moisés, agora não acolheram Jesus.

(Naqueles dias, Estevão disse ao povo, aos anciãos e aos doutores da lei:) “Homens de cabeça dura, insensíveis e incircuncisos de coração e ouvido! Vós sempre resististes ao Espírito Santo e como vossos pais agiram, assim fazeis vós! A qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram aqueles que anunciavam a vinda do Justo, do qual, agora, vós vos tornastes traidores e assassinos. Vós recebestes a Lei, por meio de anjos, e não a observastes!” (vv. 51-53).

Ao final, Estêvão sendo réu, faz acusações muito pesadas e diretas aos seus ouvintes: “Homens de cabeca dura, insensíveis e incircuncisos de coração e ouvidos! Vós sempre resististes ao Espírito Santo e, como vossos pais agiram, assim fazeis vós!“ (v. 51; cf. Ex 32,9; Lv 26,41; Dt 9,6; Is 63,10; Jr 7,26; 9,25; Ne 9,16;). “A qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram aqueles que anunciavam a vinda do Justo, do qual agora, vós vos tornastes traidores e assassinos” (v. 52; cf. Is 8,11; 30,10-11; 50,6; Jeremias; Ez 2,6; Am 2,7; 2Cr 36,16). Jesus é  o “Justo” (Is 53,11; Lc 23,47; At 3,14; 22,14; Mt 27,19, 1Pd 3,18; 1Jo 2,1) por excelência, para ele convergem todas as perseguições de justos e inocentes do AT (cf. Lc 13,33-35). “Vós recebestes a lei por meio de anjos” (v. 52a). Nos vv. 35.38, Moisés é mediador entre Deus que fala pelo anjo na sarça ardente no pé do monte Sinai (Ex 3) e o povo que escuta a lei nesta mesma montanha (Ex 19-20; cf. 3,19; Hb 2,2). “E não a observastes” (v. 52b), a lei era um sinal evidente do amor de Deus e não foi acolhida, respeitada, seguida, ao contário foi mal interpretada para matar o justo Jesus.

Ao ouvir essas palavras, eles ficaram enfurecidos e rangeram os dentes contra Estêvão. Estêvão, cheio do Espírito Santo, olhou para o céu e viu a glória de Deus e Jesus, de pé, à direita de Deus. E disse: “Estou vendo o céu aberto, e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus” (vv. 54-56).

O autor dos At, Lucas, diz “ao ouvir essas palavras, eles ficaram enfurecidos e rangeram os dentes conta Estêvão” (v. 54), apesar o rosto dele lhes parecia “como o rosto de um anjo” antes do discurso (6,15). Mas ele, “cheio do Espírito Santo” (6,3.10; cf. 4,8.31; 9,17; 13,9; Lc 1,15.41.67; 2,25-27), “olhou para o céu e viu a glória de Deus” (cf. Ex 24,16) “e Jesus, de pé, a direita de Deus” (v. 55; cf. 2,33; Jó 42,5); uma visão que Jesus já tinha anunciado diante do sinédrio em Mc 14,62p (cf. Dn 7,13; Sl 110,1). Agora está “de pé”, como ressuscitado (levantado) ou para pronunciar uma sentença (o verdadeiro juiz é ele) ou para auxiliar (cf. Sl 3,8; 10,12; 12,6; 35,2; 76,10; Is 2,19).

Mas eles, dando grandes gritos e, tapando os ouvidos, avançaram todos juntos contra Estêvão; arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas deixaram suas vestes aos pés de um jovem, chamado Saulo (vv. 57-59).

Para os ouvintes é o cúmulo (cf. Caifás diante de Jesus, Mc 15,61-64p). Quando Estêvão comunica sua visão, eles dispensam formalidades e passam à ação violenta (cf. Sl 35,16; Jó 16,9-10), “arrastaram-no para para fora da cidade” (cf. Nm 15,35; 1Rs 21,13-14; Hb 13,12), “e começaram a apedrejá-lo” (v. 58).

A lapidação era a pena para um blasfemo (Lv 24,14-16). As testemunhas (falsas, v. 13) “deixaram suas vestes aos pés de um jovem, chamado Saulo” (v. 58). Este jovem mestre da lei, vindo de Tarso (no sul da atual Turquia, cf. 9,11; 22,3), fazia parte dos adversários helenistas e não aderiu ao conselho do seu mestre Gamaliel (5,38-39; 22,3); “era um dos que aprovaram a execução de Estêvão” (8,1; cf. 22,20).

Enquanto o apedrejavam, Estêvão clamou dizendo: “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito. ” Dobrando os joelhos, gritou com voz forte: ” “Senhor, não os condenes por este pecado. ” E, ao dizer isto, morreu. Saulo era um dos que aprovavam a execução de Estêvão (7,59-8,1a).

Mas a maneira como Estêvão morre (igual a Jesus), pode ter deixado uma marca no inconsciente de Saulo que contribui mais tarde para sua conversão (9,3-5; cf. o centurião em Lc 23,47p). Estêvão morre com a mesma atitude de Jesus, perdoando seus algozes: “Senhor, não os condene por este pecado” (v. 60; cf. Lc 23,34) e confiando em Deus: “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito” (v. 59; cf. Lc 23,46 citando Sl 31,6, o salmo responsorial hoje e na sexta-feira santa).

Estêvão era grande nos milagres, na dialética, nos discursos, nas visões. É o “primeiro mártir” entre os cristãos (sua festa é 26 de dezembro), o primeiro que deu sua vida por Jesus Cristo. Ele não só é protomártir, mas também protótipo do cristão (além dos apóstolos) possuído pelo Espírito e testemunhando até a morte. Em grego, a palavra mártir significa “testemunha”. O ressuscitado agora existe para dar força aos seus seguidores e testemunhas.

 

Evangelho: Jo 6,30-35

Já no evangelho de ontem iniciou-se um discurso/diálogo sobre o pão da vida em três turnos: 1) pão que perece / pão que permanece (cf. Ex 16,20; Am 8,11), 2) obras / fé (cf. Is 30,15; Hb 2,4; Rm 1,20-22 etc.); 3) o maná de Moisés / o maná de Jesus: pão do céu (evangelho de hoje: vv. 31-35). Jesus acabou de questionar a intenção materialista da multidão e falou de um alimento que não perece e que o Filho do Homem dará (cf. vv. 26s).

A multidão perguntou a Jesus: “Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? Que obra fazes? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: ‘Pão do céu deu-lhes a comer’” (vv. 30-31).

No quarto evangelho, os milagres de Jesus são chamados “sinais” ou “obras”. A multidão ainda não entendeu o sinal dos pães e pergunta: “Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? Que obra fazes?“ (v. 30). Paulo escreveu: “Os judeus pedem sinais e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1Cor 1,22-23; cf. Jo 3,14; Mc 15,32; Mt 16,1-4; Lc 11,29-32).

 “Nosso pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: ‘Pão do céu’ deu-lhes a comer’” (v. 31) Os judeus lembram a narração do maná no deserto (Ex 16; Nm 11,7-9), citando Sl 78,24s (cf. Sl 105,40; Sb 16,20s). Moisés podia apresentar o prodígio celeste do maná, como orvalho nutritivo toda manhã. A multidão quer um “sinal do céu” (Mt 16,1p), ou que Jesus repita a multiplicação dos pães todos os dias como caiu o maná?  Mas o povo não está mais no deserto (cf. v. 10 “relva”). A Bíblia registra o fim do maná em Js 5,12 quando o povo chegou à sua terra prometida.

Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (vv. 32-33).

Jesus corrige: O maná não era verdadeiramente celeste, o doador não era Moisés, mas Deus que agora envia seu Filho do céu para dar verdadeira vida que não perece (cf. 1,14; 3,13-17.31.36). A mediação de Moisés fica superada. Jesus é mediador da nova aliança, não só para Israel, mas para o mundo inteiro: “Pois o pão do céu é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (v. 33; cf. v. 51). Jesus é o salvador do mundo (4,42), não só o messias de Israel (1,41.49); sua missão na terra e sua morte são para “todos”, não só para “muitos” (3,16s; em hebraico, “muitos” pode significar todos; cf. Is 53,12; Mt 26,28p; cf. as palavras da instituição da Eucaristia na missa). Jesus convida a todos e não exclui ninguém, é o ser humano que se exclui quando não crê.

Então pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (vv. 34-35).

Mas os judeus não entendem, pedem: “Senhor, dá-nos sempre deste pão!” Parece-se com o pedido da samaritana (4,15). Na oração do Pai-nosso pedimos “o pão nosso de cada dia dai nos hoje”, mas a expressão grega “de cada dia” pode significar também algo sobrenatural (S. Jerônimo traduziu em latim: supersubstantialem, Mt 6,11).

O pedido do povo serve para introduzir a nova seção sobre o “pão da vida”, que é em primeiro plano o ensinamento, em segundo a eucaristia (como a “água viva” não é apenas o batismo, mas o Espírito, cf. 3,5; 4,10-14; 7,37-39). O uso figurativo do pão ou do alimento é conhecido no AT (Antigo Testamento): Os profetas o aplicam à Palavra de Deus (Is 55; Am 8,11); os sábios aplicam à sabedoria (personificada). Como Jesus (vv. 35.37.48-58), a Sabedoria convida os homens para refeição (Pr 9,1-6; Eclo 24,21). A sabedoria é pré-existente como Jesus (Pr 8,22; Sb 7,22). Os autores do NT (Novo Testamento) começam identificar Jesus com esta sabedoria (Jo 1,1; 3,11-13; Mt 11,19.25-27p; 4,4p; cf. Dt 8,3).

Com as palavras “Sou eu” (lit. “Eu sou”), Jesus identificou-se caminhando sobre o mar à noite (v. 20), lembrando o nome de Deus Yhwh (Javé, cf. Ex 3,14 na tradução grega: “Eu sou o que sou”; cf. Jo 8,24.28.58; 13,9; 18,5.8). Agora identifica-se com o verdadeiro pão que dá vida e vem de Deus: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (v. 35; cf. vv. 41.48.51; 4,13-14; 8,12; 10,25; 14,6; 15,1). Vir a Jesus equivale crer (nele). Comer e beber são necessidades vitais. Comemos e bebemos para não morrer, temos ânsia de uma vida sem fim. Somente Jesus satisfaz esta ânsia.

Como os judeus naquela época, também nós somos tentados a não reconhecer as graças que Deus está constantemente dando a cada um de nós, porque nos concentramos somente nos aspectos negativos do tempo presente (ainda multiplicados pelas mídias). Atentos às coisas negativas não vemos quanta coisa boa está ao nosso redor, quantos dons de Deus estão nos circundando. Jesus diz a nós hoje que o seu Pai continua dando-nos o pão do céu, o alimento que dá vida e “vida em plenitude” (10,10).

Podemos estar tentados também por um outro mal-entendido. Pelos vv. 51-58 estamos acostumados a interpretar todo este discurso orientado apenas para Eucaristia. Se, porém, entendemos a Eucaristia, o sacramento, só como coisa sagrada, não alcançamos todo seu sentido, porque o dom da vida é uma pessoa e não uma coisa! O “pão da vida” em João é Jesus, é seu ensinamento (Palavra) e a Eucaristia.

O site da CNBB comenta: Quem vai até Jesus não terá mais fome e quem crer nele não terá mais sede. Jesus coloca à nossa disposição não os bens transitórios desse mundo, mas os verdadeiros bens, aqueles que são perenes, que são eternos. Por isso, é muito importante que as pessoas conheçam Jesus. Somente a partir do conhecimento da sua pessoa e do seu reconhecimento como Filho de Deus é que as pessoas poderão desfrutar dos dons do alto que o Pai nos concede por meio de Jesus e podem ter a verdadeira vida, pois ele é o Pão da Vida, o Pão da verdadeira saciedade, que sempre se dá a todos nós em alimento para a vida eterna.

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