20 de maio de 2017 – Sábado, Páscoa 5ª semana

 

Leitura: At 16,1-10

A leitura de hoje no apresenta um passo importante, a travessia do evangelho do continente asiático à Europa.

Paulo foi para Derbe e Listra. Havia em Listra um discípulo chamado Timóteo, filho de uma judia, crente, e de pai grego. Os irmãos de Listra e Icônio davam bom testemunho de Timóteo. Paulo quis então que Timóteo partisse com ele. Tomou-o consigo e circuncidou-o, por causa dos judeus que se encontravam nessas regiões, pois todos sabiam que o pai de Timóteo era grego (vv. 1-3).

Em Derba, Listra e Icônio, Paulo e Barnabé já passaram na primeira viagem missionária (14,6-23). Para a segunda viagem, Barnabé queria levar seu primo João Marcos (Cl 4,10). Mas Paulo não aceitou porque Marcos os tinha abandonado (13,13) e escolheu outro companheiro, Silas que já veio com eles de Jerusalém (15,22.27.26-40); nas cartas paulinas é chamado de Silvano (1Ts 1,1; 2Ts 1,1; 2Cor 1,19; cf. 1Pd 5,12). Então, Barnabé embarcou com seu primo para sua terra natal, a ilha de Chipre (4,36; 13,4-13; 15,39). Paulo e Silas pegaram a estrada pela Síria e Panfília (15,41) e encontraram um terceiro companheiro, Timóteo.

O caso de Timóteo é especial. Sendo de mãe judia, é israelita de direito; sendo de pai pagão, não foi circuncidado. Sua posição é ambígua e os judeus podem com razão objetar que Paulo procura ofendê-los, negando publicamente um direito judaico. Paulo elimina a ambiguidade (incorrendo na própria? cf. 1Cor 7,17-24) e consegue um excelente colaborador, seu favorito (Fl 2,19-24; 1Ts 3,2-6; 1Cor 4,17; 16,10-11) e herdeiro de sua mensagem.

Timóteo ficará doravante ligado a Paulo (cf. 17,14s; 18,5; 19,22; 1Ts 3,2.6; 1Cor 4,17; 16,10; 2Cor 1,19; Rm 16,21) e será até o fim um de seus discípulos mais fieis. É destinatário de duas cartas de Paulo (1 e 2Tm). Ele poderia ser a fonte dos relatos em At escritos na primeira pessoa plural “nós” (vv. 10-17; 20,5-21,18; 27,1-28,10).

Obs.: As duas cartas de Paulo a Timóteo (e outra a Tito) são chamadas “pastorais“ porque não se dirigem às comunidades, mas aos pastores (bispos). Muitos exegetas consideram estas cartas escritas por uma redação bem posterior ao apóstolo Paulo porque refletem uma organização mais desenvolvida e preocupações diferentes das outras cartas de Paulo.

Percorrendo as cidades, Paulo e Timóteo transmitiam as decisões que os apóstolos e anciãos de Jerusalém haviam tomado. E recomendavam que fossem observadas. As igrejas fortaleciam-se na fé e, de dia para dia, cresciam em número (vv. 4-5).

A narração só fala de Paulo e Timóteo, não de Silas, mas este estava junto, porque aparece de novo em v. 19.  Às cidades da região, Paulo e Timóteo comunicam a carta apostólica do Concílio em Jerusalém que decretou apoio à missão entre os pagãos sem a necessidade da circuncisão (cf. cap. 15).

A notícia do crescimento das comunidades em v. 5 retorna com variantes topográficas como motivo guia (2,41.47; 4,4; 5,14; 6,7; 9,31.35.43; 11,21; 12,24; 14,1).

Paulo e Timóteo atravessaram a Frígia e a região da Galácia, pois o Espírito Santo os proibira de pregar a Palavra de Deus na Ásia. Chegando perto da Mísia, eles tentaram entrar na Bitínia, mas o Espírito de Jesus os impediu. Então atravessaram a Mísia e desceram para Trôade. Durante a noite, Paulo teve uma visão: na sua frente, estava de pé um macedônio que lhe suplicava: “Vem à Macedônia e ajuda-nos!” (vv. 6-9).

Ocorre uma mudança transcendental de direção geográfica da evangelização. O próprio Espírito Santo ou Jesus impõe o caminho (“Espírito de Jesus” é expressão única em Lc e At, cf. Fl 1,19). Primeiro fechando a passagem a algumas tentativas, depois enviando um sonho oracular.

Para entender a geografia: São todas regiões da atual Turquia. Assim, tendo partido do sul da Turquia, de Icônio, Paulo pensava em dirigir-se para oeste, em direção a Éfeso (por onde passará só na volta, cf. cap. 19). “Impedido pelo Espírito”, sobe para o norte e chega à Frígia, e segue em linha oblíqua para o nordeste; atinge depois o “território gálata” no centro da Turquia onde foi retido por uma enfermidade (Gl 4,13-15). A Galácia é a região da atual capital turca Ancara. Paulo evangelizou essas regiões, aonde voltou mais tarde para visitar os discípulos (At 18,23) e escreveu uma carta aos gálatas (cf. Gl; cf. At 18,23). Trôade é a região da antiga guerra de Troia (contada pelo poeta grego Homero, cerca de 800 a.C.). O poeta romano Virgílio (70-19 a.C.) narra a lenda segundo a qual o príncipe Eneias conseguiu fugir da Troia incendiada e fundou na Itália a dinastia de Roma. A intenção do autor dos At é narrar o caminho do evangelho saindo de Jerusalém até chegar a Roma, capital do mundo antigo (28,14-31), e mostrar nisso a ação do Espírito Santo e de Jesus (cf. 1,8; 23,11).

Por ora Paulo tem de deixar a Ásia para passar à Europa (Macedônio fica ao norte da Grécia): um fato que pertence à história da nossa cultura ocidental.

O Oriente foi evangelizado por outras pessoas. Segundo a lenda, o apóstolo Tomé foi ao Sul da Índia onde existe a antiguíssima Igreja malabarita. O primeiro país oficialmente cristão era Armênia (301). Achados arqueológicos comprovam que o evangelho chegou até a China por monges nestorianos no séc. VII.

O uso de sonhos para comunicar mensagens divinas é mais frequente em Mateus (Jóse em Mt 1,20; 2,13.19.22, os magos em 2,12 e a mulher de Pilatos em 27,19). Lucas normalmente faz intervir anjos (Lc 1,11.26; 2,9; 22,43: 24,4.23; At 1,10; 5,19; 10,3; 12,7…). “Um macedônio” anônimo, que aparece num sonho, é a voz da Europa, pedindo auxílio. Foi através de um macedônio, Alexandre Magno (356-323 a.C.), que partiu a grande difusão cultural que chamamos helenismo. Agora vai receber como auxílio a boa notícia de Jesus. O cristianismo dos primeiros séculos será uma fusão da cultura judaica (a fé e a mística do oriente) com a helenista/grega (a razão da filosofia e a beleza da arte do ocidente).

Depois dessa visão, procuramos partir imediatamente para a Macedônia, pois estávamos convencidos de que Deus acabava de nos chamar para pregar-lhes o Evangelho (v. 10).

De repente, o relato adota a primeira pessoa do plural (“nós”), com certo sabor autobiográfico. É a primeira seção “nós” dos Atos (vv. 10-17; 20,5-21,18; 27,1-28,10; só na variação do texto ocidental aparece já em 11,27).

Aquele que acompanha Paulo e fala agora de “nós” é o autor dos Atos, ou pelo menos um informante do autor? Timóteo ou Silas ou um discípulo daquela região? Como começa apenas a partir de 16,10 o relato com “nós”, a autoria deve ter uma relação com aquela região. Por isso, pode ser o próprio Timóteo a origem desses trechos de “nós”. Como autor dos Atos todos, porém, Timóteo não é tal provável, já que os At transmitem pouco dos ensinamentos típicos das cartas de Paulo. Uns exegetas supõem que Lc, o autor dos At, ou o grupo dele, está atrás de “nós”, então o lugar da sua redação (Lc e At) pode ser Filipos, a primeira cidade da Macedônia (cf. leitura de segunda-feira próxima).

 

Evangelho: Jo 15,18-21

Nesta parte do seu discurso de despedida na última ceia, Jesus começa falar de aspectos negativos da vida cristã. Toda essa seção 15,18-16,4 aponta para o futuro, para a condição dos fieis envoltos pelo mundo pagão e diante do judaísmo oficial. Diante do ódio deverão dar testemunho animados pelo Espírito (vv. 26s; 16,12-15).

(Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:) “Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro me odiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundo gostaria daquilo que lhe pertence. Mas, porque não sois do mundo, porque eu vos escolhi e apartei do mundo, o mundo por isso vos odeia (vv. 18-19).

A tentativa de levar uma vida diferente atrai o ódio da maioria (“mundo”) e pode acarretar discriminação, desprezo, exclusão e perseguição. Estas experiências diminuem a abundância da vida que a fé promete (cf. 10,10). Precisa explicar estes aspectos negativos para a comunidade cristã não ceda à tentação de se adequar a maioria da sociedade.

Ao amor mútuo dos discípulos (13,34s; 15,12-17), Jesus opõe o ódio que o mundo lhes terá. Diante do amor, o ódio: quem poderá mais? O “mundo” tem aqui (e com frequência no quarto evangelho) um sentido pejorativo: está dominado por Satanás (14,30) e encarna a oposição radical à missão de Jesus. O ódio e o amor são incompatíveis, como a luz e as trevas, o bem e o mal (cf. Pr 29,27; Jo 1,5; 3,19-21). A primeira carta de Jo resume: Deus é amor e quem não ama, não é de Deus (cf. 1Jo 2,15s; 3,10-16; 4,5-8.16).

Primeiro explica aqui que Jesus e também os que acreditam nele são odiados porque “não são do mundo”. Neste mundo, os discípulos são necessariamente estranhos, porque “são de Deus” (1,12s). Foi Cristo que os fez assim porque os escolheu (cf. v. 16). O mundo pode amar os seus, que estão do seu lado; mais que amor é um egoísmo partilhado (“o mundo gostaria daquilo que lhe pertence”, lit. amaria o que é seu). Mas o mundo odeia Jesus e os que este lhe arrebata.

A sorte de Jesus será compartilhada por seus discípulos, como expôs a instrução aos apóstolos (Mt 10p) e o discurso escatológico (Mt 24-25p). Foi a sorte dos profetas (Ez 2,6; 3,7) e o destino de Jeremias.

Lembrai-vos daquilo que eu vos disse: ‘O servo não é maior que seu senhor’. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós. Se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. Tudo isto eles farão contra vós por causa do meu nome, porque não conhecem aquele que me enviou (vv. 20-21).

Jesus já lhes disse que o escravo (servo) não é maior do que seu senhor em 13,16 (cf. Lc 6,40). Esta comparação não quer diminuir a dignidade dos fieis como “amigos” (vv. 14s), mas os discípulos não estão acima de Jesus, portanto não devem esperar uma sorte melhor. A sorte dos discípulos é idêntica à do mestre e é o próprio Jesus que, neles, os do mundo “perseguirão” (cf. At 9,5; Cl 1,24).

O segundo condicional soa estranho: “Se guardaram a minha palavra”, como se o mundo em alguma ocasião ou em algum ponto tivesse cumprido o mandato de Jesus. Deve-se tomá-lo como integrante de um paralelismo antitético que equivale a dizer: eles vos tratarão como a mim em tudo, no bem e no mal.

Há uma correspondência rigorosa: “Não (re)conhecem” os enviados de Jesus, porque não reconhecem nem Jesus nem aquele que o enviou. O tema continua em 16,1-4.

O site da CNBB comenta: Todas as pessoas vivem segundo uma hierarquia de valores que norteiam a sua existência. Esta hierarquia de valores é determinada pelas experiências da vida, pela educação recebida, pela cultura em geral e pelos conhecimentos adquiridos. Quando uma pessoa é de fato alguém de fé, a fé passa a ser o elemento fundamental da sua hierarquia de valores, toda a sua vida é direcionada para ela e todos os esforços são no sentido de defender e assumir esses valores. Mas quem vive segundo a hierarquia de valores proposta pelo mundo, defende com todas as suas forças os valores do mundo e combate os valores da fé, odiando quem é de Jesus.

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