21 de abril de 2018- Sábado: A Igreja, vivia em paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria. Ela consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo

Leitura: At 9,31-42

Ao que parece, a perseguicão parou com a conversão do seu protagonista Saulo (9,1-20; leitura de ontem). Saulo-Paulo começou a pregar o evangelho em Damasco, mas tinha que fugir descendo num cesto da muralha da cidade (cf. 2Cor 11,32s). Em seguida viajou para sua cidade natal, Tarso (no sul da atual Turquia; cf. vv. 11.30; 22,3). Em Gl 1,17, Paulo escreveu que em seguida foi a Arábia e depois voltou a Damasco.

A Igreja, vivia em paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria. Ela consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo (v. 31).

“A Igreja vivia em paz” e se estendia já por todo território do antigo Israel, “toda a Judéia, Galiléia e Samaria”. Ela progredia no “temor do Senhor”, termo traditional (cf. Is 11,2; Pr 1,7 etc.) que se refere a Deus (cf. 4,24.26), apesar de Lc usar o título Senhor também para Jesus (aqui em nossa leitura em vv. 35.42; cf. 2,36 etc.). “Crescia em número com a ajuda do Espírito Santo”: a comunidade primitiva de “120 irmãos” (1,15) aumentou para “3000” no dia de Pentecostes (2,41) e para “5000” depois da cura do paralítico (4,4); depois não se menciona mais números, mas o crescimento contínuo (cf. 5,14; 6,1.7; 9,31; 11,21.24; 16,5; cf. 12,24; 13,48s; 19,20).

Pedro percorria todos os lugares; e visitou também os fiéis que moravam em Lida (v. 32).

O autor volta a narrar sobre a atividade de Pedro. Este também começou a sair de Jerusalém, para “crismar” (impor as mãos para transmitir o Espírito Santo, confirmando o batismo) na Samaria (8,14-25), mas voltou a Jerusalém e ao redor, dentro da Judeia, “percorria todos os lugares e visitou também os fiéis que moravam em Lida” (v. 32), perto do litoral. Pedro aparece como pregador itinerante, que vai fazendo paradas em comunidades cristãs, visitando os “fiéis (lit. “santos, consagrados”, cf. v. 13). Esta sua atividade missionária fora de Jesualém vai culminar na conversão do pagão Cornélio em Cesareia (caps. 10-11).

Encontrou aí um homem chamado Enéias, que estava paralítico e, há oito anos, jazia numa cama. Pedro disse-lhe: “Enéias, Jesus Cristo te cura! Levanta-te e arruma a tua cama!” Imediatamente Enéias se levantou. Todos os habitantes de Lida e da região do Saron viram isso e se converteram ao Senhor (vv. 33-35).

Na leitura de hoje, Pedro realiza dois milagres. O primeiro milagre recorda o de Mc 2,1-12p, só é mais resumido (apenas três versículos): O tempo da doença, a instantaneidade da cura e a atividade do homem curado são os elementos essenciais (aqui não fala nada de perdão de pecados; cf. outras curas semelhantes em Lc 13,11-13; Jo 5,1-14; At 3,1-10; e Paulo em 14,8-10).

Mais uma vez, Pedro cura um paralítico, agora não um coxo de nascenca como no templo (3,1-10), mas um cristão na comunidade. “Há oito anos jazia na cama”, uma situação quase irreversível, e ele tem um nome: “Enéias” (os batizados têm nome, são conhecidos na comunidade; cf. Mc 15,21; Lc 16,20). É um nome grego usado também na Palestina. Na narração mitológica de Virgílio, poeta na corte de Cesar Augusto, Eneias era um sobrevivente da cidade de Troia, que levou sua família à Itália,  e em 753 a.C., seus descendentes fundaram a cidade de Roma (onde Pedro e Paulo irão no final).

A fórmula da cura é incomum, um modo de afirmar que o agente não é Pedro, mas Jesus: “Jesus Cristo te cura!” (v. 34; quase uma explicação da fórmula “em nome de Jesus”, cf. 3,6.10; 4,10). O milagre tem força de irradiação pela região: “Todos os habitantes… se converteram ao Senhor” (v. 35). Soaram o nome e os dois títulos: “Jesus”, “Cristo” (Messias), “Senhor”.

Em Jope, havia uma discípula chamada Tabita, nome que quer dizer Gazela. Eram muitas as boas obras que fazia e as esmolas que dava. Naqueles dias ela ficou doente e morreu. Então lavaram seu corpo e o colocaram no andar superior da casa. Como Lida ficava perto de Jope, e ouvindo dizer que Pedro estava lá, os discípulos mandaram dois homens com um recado: “Vem depressa até nós!” Pedro partiu imediatamente com eles. Assim que chegou, levaram-no ao andar superior, onde todas as viúvas foram ao seu encontro. Chorando, elas mostravam a Pedro as túnicas e mantos que Tabita havia feito, quando vivia com elas. (vv. 36-39).

Chamado para outra cidade no litoral, Jope (15 km, perto de Tel Aviv), Pedro faz uma coisa ainda mais extraordinária: a ressurreição de uma pessoa morta. Este segundo milagre recorda a ressurreição (no “andar superior”, v. 37) de Elias e Eliseu (1Rs 17,17-24 e 2Rs 4,17-38, cf. a ressurreicão de um jovem por Paulo em At 20,9-12).

O traço próprio deste relato é a atividade de beneficência da falecida (cf. Sl 41,2; Tb 4; Pr 31,10-31), especialmente em favor das “viúvas” (v. 39), conforme ampla tradição bíblica (Jó 29,13; Tg 1,27). As viuvas eram uma categoria própria (pastoral?) e reconhecida nas comunidade cristãs daquele tempo (cf. 1Tm 4,3-16).

Pedro mandou que todos saíssem. Em seguida, pôs-se de joelhos e rezou. Depois, voltou-se para o corpo e disse: “Tabita, levanta-te!” ela então abriu os olhos, viu Pedro e sentou-se. Pedro deu-lhe a mão e ajudou-a a levantar-se. Depois chamou os fiéis e as viúvas e apresentou-lhes Tabita viva. O fato ficou conhecido em toda a cidade de Jope e muitos acreditaram no Senhor (vv. 40-42).

Pedro ora como os profetas (Jesus dá graças antes de ressuscitar Lázaro, Jo 11,41). Igual a Jesus na ressurreicão da filha de Jairo (Mc 5,36-43), Pedro “mandou que todos saíssem”; em Mc 5,41, Jesus ordenou em aramaico: “Talitha qum” (menina ou cordeirinha, levanta-te); aqui Pedro ordena: “Tabitha” (gazela, apelido de v. 36), “levanta-te”. O verbo grego anistánai (levantar) é usado também para “ressuscitar” (além de egueírein, “acordar”, cf. Ef 5,14; Jo 11,11).

Os At demostram que o evangelho não termina com a ressurreição de Jesus. Graças ao Espírito Santo que nos é dado, o evangelho de Jesus – a sua presença salvadora – se realiza na história. Devemos continuar o Caminho (cf. 9,1) de Jesus. Os apóstolos, discípulos e missionários continuam as mesmas obras de Jesus: pregarão, expulsarão demônios, curarão os doentes (cf. Mc 16,17s), mas não em nome (ou interesse) próprio, mas em nome de Jesus: “Jesus Cristo te cura”. A fé nele salva, faz viver e liberta de tudo o que nos paralisa.

 

Evangelho: Jo 6,60-69

Ouvimos hoje a reação do povo e dos discípulos a respeito do discurso de Jesus sobre o pão da vida.

Muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? (vv. 60-62).

Agora não só o povo (v. 41), mas “muitos dos discípulos” também estavam “murmurando” (v. 61); esta palavra lembra o povo de Israel reclamando no deserto (cf. Ex 15,24; 16,2; 17,3; Nm 11,1; 14,27). Estes discípulos dizem: “Esta palavra é dura” (v. 60). Duro, porém, é o ouvido ou o coracão dos ouvintes (cf. Ez 2,4; 3,7, 11,19; 36,26-27). “Isso vos escandaliza?” (v. 61). O escândalo é o contrário da fé, é a pedra de tropeço que faz cair.

Para eles, o escândalo não são apenas as palavras de Jesus a respeito da eucaristia (comer carne humana é canibalismo e beber sangue é proibido, cf. Gn 9,4; Lv 17,10-14; Dt 12,16.23), mas já antes (se os vv. 51-58 foram acrescentados por uma redação posterior, cf. cap. 21 e a inserção dos cap. 15-17), a pretensão dele de ser mais do que Moisés que alimentou o povo com o maná por 40 anos, de ser o Filho de Deus e dar vida eterna, e que o “filho de José” se diz “descido do céu” (vv. 41s). A resposta de Jesus se refere a esta última: “E quando virdes o Filho do homem subindo para onde estava antes?” (v. 62; cf. 3,13; 12,32; 20,17).

O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo (vv. 63-64).

“O Espírito dá vida, a carne não adianta nada” (v. 63); cf. esta oposição de Espírito e carne em Mc 14,38p (também depois da Eucaristia e antes da “entrega” de Judas; cf. o final deste cap.: Jo 6,70s, omitido na liturgia de hoje) e em Paulo (cf. Rm 8,1-13; Gl 5,16-23). Somente o Espírito pode dar pleno entendimento (14,26), não a carne. Aqui a carne inválida é a condicão humana fraca, entregue às suas forcas, não a carne eucarística. O homem carnal se encerra num horizone puramente material e não percebe nada além; o Espírito eleva a uma vida superior com horizonte novo (cf. o diálogo com Nicodemos 3,1-13; cf. 1,32s). Jesus comunica o Espírito (1,33) após a ressurreicão (7,38s; 20,22; cf. 19,30).

Em Jo, Jesus tem conhecimento sobrenatural sobre as pessoas e os acontecimentos (cf. 1,48; 2,24s; 4,17-19.29; 13,1.11.27-28; 16,19.30; 18,4; 21,17): “sabendo que seus discípulos estavam murmurando” (v. 61)” e “sabia desde o início quem eram os que não tinham fé e quem o havia de entregá-lo” (v. 64).

E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?” Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus” (vv. 65-69).

“A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (v. 65). É a situacão de muitos batizados e crismados que se afastam da comunidade. Havia também situacão semelhante na comunidade do evangelista (1Jo 2,19s nos fala nos mesmos termos) que exorta muitas vezes com a palavra “permanecer” (cf. 1,32s; 15,4-7 etc.). Aqui Jesus provoca uma decisão, ele se dirige pela primeira vez aos “doze“ (antes, Jo não falava da escolha dos “doze”, cf. v. 70): “Vós também quereis ir embora?”. Fé é dom de Deus, iniciativa dele, mas também é decisão, resposta positiva à Palavra.

Simão Pedro já é inspirado, professando sua fé se refere às “palavras” (vv. 60.63): “Tu tens palavras de vida eterna” (v. 68). Em Mt 16,17, Jesus respondeu: “Não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus” (Mt 16,17). A fé é dom de Deus: “É por isso que eu vos disse: ninguém pode vir a mim, ao não ser que lhe seja concedido pelo Pai” (v. 65; cf. v. 44).

Como nos outros evangelhos (Mc 8,29p) é Pedro que faz a profissão de fé em nome dos doze: “A quem iremos, Senhor?” (v. 69). Jesus é único, nas suas palavras vibra esta vida superior e eterna. “Nós cremos … que tu és o Santo de Deus” (cf. 10,38; 17,19; Mc 1,24p; Lc 1,34; At 2,27; 3,14; 4,27.30; Ap 3,7). Santo é Deus (Is 6,3 etc.) e o que está perto dele: seu povo eleito (Ex 19,6; Lv 19,2), principalmente o messias, ungido/consagrado com o Espírito Santo (1,33s).

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas querem conhecer Jesus e ouvir tudo o que ele tem para dizer, mas não querem escutar tudo, mas sim apenas alguns pontos que lhes interessam para a satisfação dos seus desejos e necessidades. Quando essas pessoas ouvem tudo o que Jesus tem para dizer, se escandalizam, afastam-se dele e não querem mais segui-lo. De fato, é muito fácil dizer que Jesus tem palavras muito bonitas, mas nem sempre é fácil aceitar as exigências do Evangelho. Porém, não podemos nos esquecer que somente Jesus tem palavras de vida eterna, e que só consegue ouvir de fato as palavras de vida eterna quem crê firmemente que ele é o Santo de Deus e busca imitá-lo verdadeiramente na busca da santidade.

Voltar