21 de Dezembro de 2019, Sábado – Advento: Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo (vv. 40-41).

Advento 

Leitura: Ct 2,8-14

O texto da leitura de hoje é um pequeno cântico de amor que corresponde à afetividade de um casal judeu (como José e Maria) e à nossa espera pela vinda do amado Senhor que já está perto.

Na Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, lemos:

O livro “Cântico dos Cânticos” é uma coleção de cantos populares de amor, usados talvez em festas de casamento, em que noivo e noiva eram chamados de rei e rainha. Um redator reuniu esses cantos, formando uma espécie de drama poético, e o atribuiu ao rei Salomão, reconhecido em Israel como patrono da literatura sapiencial. A forma final do livro, de altíssimo valor poético, remonta ao século V ou IV a.C.

Como interpretar o Cântico? Em primeiro lugar, trata-se de um livro sapiencial que aborda a mais profunda, universal e significativa experiência humana: o amor. Mas, amor humano ou divino? Podemos dizer que o Cântico celebra inseparavelmente os dois, pois a criatura humana é imagem e semelhança do Criador (Gn 1,26-27). Além do mais, como afirma João, «o amor procede de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus, e conhece a Deus… pois Deus é amor» (1Jo 4,7-8). O amor humano é espelho, sacramento e manifestação do próprio Deus, que se torna presente na pessoa dos seres humanos que se amam. Ele manifesta assim o seu amor e eterniza a maior experiência que os humanos podem ter dele e de si mesmos.

O livro convida a descobrir e viver essa experiência, e com ela o cerne do grande mistério: Deus se manifesta na pessoa de Jesus, como amor pelos homens (Jo 3,16). O Cântico e o que ele descreve – o amor humano – podem e precisam ser lidos como parábola incomparável que revela a paixão e ternura de Deus pela humanidade.

No trecho de hoje, os dois amantes estavam separados. Descreve-se seus sentimentos, a ansiedade alegre em que cada um aguarda pelo outro. É o início do segundo poema (diálogo entre amada e amado) em Ct.

É a voz do meu amado! Eis que ele vem saltando pelos montes, pulando sobre as colinas. O meu amado parece uma gazela, ou um cervo ainda novo. Eis que ele está de pé atrás de nossa parede, espiando pelas janelas, observando através das grades (vv. 8-9).

O canto inicia com a saudade da amada que ouve o amado se aproximando. Agora ela se encontra confinada em casa, atrás de um muro, janelas e grade; cabe a ele vir encontrá-lo. Antes de entrar, ele espia curioso, talvez receoso, não tem acesso direto à casa. A amada está na casa dos pais, na cidade. O amado vem do campo e apresenta-se na janela (vv. 8-9, cf. 5,2s).

Apesar de o livro inteiro de Ct não mencionar Deus (talvez só no epílogo, “Javé” em 8,6), há teologia implícita no jogo de palavras, por ex. “gazelas” (çebaôt) lembra o “Senhor dos exércitos” (Yhwh sebaôt).

O meu amado me fala dizendo: “Levanta-te, minha amada, minha rola, formosa minha, e vem! O inverno já passou, as chuvas pararam e já se foram. No campo aparecem as flores, chegou o tempo das canções, a rola já faz ouvir seu canto em nossa terra. Da figueira brotam os primeiros frutos, soltam perfume as vinhas em flor. Levanta-te, minha amada, formosa minha, e vem!” (v. 10-13).

A poesia egípcia e grega contém queixas do amante diante de uma porta fechada; aqui o amado convida a vir ao seu encontro, cantando-lhe a beleza atraente da primavera, estação das flores, dos pássaros e dos amores (vv. 10-14). A descrição da primavera nos vv. 11-13 é “o mais belo louvor feito à natureza em todo AT” (W. Rudolph). A primavera, quando a vida ao redor desperta, é tempo propício do amor. Em 4,8, o noivo repetirá o convite; em 7,12 a noiva convida.

“Minha rola, que moras nas fendas da rocha, no esconderijo escarpado, mostra-me teu rosto, deixa-me ouvir tua voz! Pois a tua voz é tão doce, e gracioso o teu semblante” (v. 14).

Mas ela é esquiva, como pomba-rola; ou de propósito finge ser esquiva, para provocar até que ele prorrompe em seu pedido de ouvi-la e vela. No começo era ela quem clamava: ouvi, olhai (1,6. A saudade continua, ele a encontra inacessível “nas fendas da rocha” e quer vê-la e ouvi-la (cf. Moisés querendo ver Deus em Ex 33,18-23).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1187) declara: Há aqui sentimento da natureza, um frescor, um tom moderno, inigualados em todo o Antigo Testamento.

 

Evangelho: Lc 1,39-45

Lucas conta paralelamente a história dos nascimentos de João Batista (seis meses mais velho, cf. vv. 26.36) e de Jesus. Depois dos dois anúncios do arcanjo Gabriel, um a Zacarias em Jerusalém e outro à Maria em Nazaré, as duas linhas paralelas se cruzam numa intersecção transcendental. O novo episódio, o encontro de duas parentes em sua primeira gravidez, se polariza para o encontro misterioso de Jesus e João (seguido pelo hino de Maria em vv. 47-55, chamado “Magnificat”).

Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia (v. 39).

Maria é representante da comunidade dos pobres que esperam pela libertação. Dela nascerá o Filho de Deus. O anjo Gabriel tinha falado a Maria sobre a gravidez da sua prima Isabel “apesar da sua velhice… já faz seis meses que está grávida” (v. 36). Por causa da reclusão de Isabel (v. 24), Maria talvez tenha conhecimento da gravidez de Isabel só através da revelação do anjo. Então, para confirmar a mensagem do anjo e/ou para ajudar sua prima, Maria partiu “apressadamente” (cf. 2,16, 15,20). Lc destaca as mulheres, não fala nada da reação de José a respeito (cf. Mt 1,18-25).

Nazaré fica na Galileia; de lá, Maria parte “para a região montanhosa”, isto é, a Judeia com um nível mais alto do mar (Jerusalém: 800 m). É um caminho cerca de 100 km até a casa de Isabel, numa cidade anônima, hoje identificada no lugarejo de Ain Karim, 6 km a oeste de Jerusalém, onde seu marido Zacarias trabalhava no templo como sacerdote (1,8).

Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo (vv. 40-41).

A reclusão de Isabel se abrirá para receber a visita de sua prima. A saudação de Maria é medianeira de alegria e inspiração celeste. O embrião João já recebe o Espírito anunciado em 1,15; como profeta é chamado antes de nascer, “antes de se formar no ventre eu te escolhi; antes de saíres do seio materno eu te consagrei” (Jr 1,5; Is 49,1; cf. Gl 1,15). Estremecendo diante do messias secretamente presente em Maria, João inaugura sua missão no ventre de Isabel e impressa sua alegria inconsciente (de sinal contrário os gêmeos de Gn 25,22). Assim João anunciando o messias já no ventre materno, antecipa-se o encontro dos dois homens adultos no Rio de Jordão (batismo de Jesus 3,21p).

A reação alegre do embrião faz Isabel profetizarcheia do Espírito Santo”. Em Lc, a expressão “cheio/repleto do Espírito Santo” não significa plenitude de graça santificante, mas o dom da profecia que faz falar de forma inspirada (1,41.67; At 2,4; 4,8.31; 7,55; 9,17; 13,9). Aqui, o embrião João se manifesta no seio materno de tal modo que sua mãe expressa a voz profética. Pode-se comparar Maria com a arca da aliança (cf. Ap 11,19-12,1), diante da qual Davi pulou (2Sm 6,14-16), porque dentro dela está a Palavra encarnada de Deus (cf. Jo 1,14).

Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (v. 42).

A interpretação profética de Isabel menciona três elementos conjugados: a fé (v. 45), a maternidade (v. 42), o Messias (v. 43). Maria é “bendita” embora possa recordar mulheres ilustres (Jael em Jz 5,24; Judite em Jt 13,18; Abgail em 1Sm 25,33); o contexto próximo nos convida a pensar na benção da fecundidade a Eva e a Sara (Gn 1,28; 9,1; 17,16; Dt 28,4). Mas nenhuma maternidade da história pode ser comparada com a de Maria; a ela estavam direcionadas muitas maternidades procedentes.

Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? (v. 43).

É possível uma alusão a Davi que exclamou: “Como virá a arca do Senhor (Javé) para ficar na minha casa?” (2Sm 6,9), para apresentar Maria como nova “arca da aliança” (título na ladainha) que fica também três meses na casa (v. 56; cf. 2Sm 6,11).

Isabel como esposa de um sacerdote estava numa posição superior do que a de Maria, mulher de carpinteiro. No entanto, Isabel chama o filho de Maria de “meu Senhor”, como que reconhecendo o messias (Cristo). Talvez o autor aluda a Sl 110,1. No AT, “Senhor” é tradução do nome divino de Javé (cf. Ex 3,14). Para os cristãos, é o título divino de Jesus Cristo ressuscitado (At 2,36; Fl 2,11 etc.) que Lc lhe atribui desde a vida terrestre, com mais frequência que Mt e Mc (cf. Lc 2,11; 7,13; 10,1.39.41; 11,39 etc.).

Cristo é o Senhor, ele é Deus junto com o Pai (“consubstancial”, cf. Concilio de Niceia em 425), portanto, Maria pode ser chamada “Mãe de Deus” (Concílio de Éfeso em 431); lógico que Maria não é a Mãe do Pai (ela é criatura dele, não deusa) nem do Espírito. As saudações do anjo (v. 28) e de Isabel (v. 42) formam a primeira parte da oração “Ave Maria”, cuja segunda parte inicia usando o título “Mãe de Deus”.

Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido, o que o Senhor lhe prometeu” (vv. 44-45).

A benção acrescenta a felicitação (“bem-aventurada”), a primeira de uma série sem fim: aqui a fé é mérito principal: crendo, tornou possível o cumprimento. Em contraste com o cético Zacarias (v. 20), Maria é a crente, acreditou e se colocou à disposição da palavra de Deus (v. 38) e da sua prima Isabel, cuja gravidez o anjo indicou como sinal. Ajudando a Isabel, Maria “permaneceu com ela três meses” (v. 56), provavelmente até o nascimento e a circuncisão de João (cf. vv. 57-66).

Na Vida Pastoral (2015), Maria de Lourdes Corrêa Lima comenta: Sua palavra a Isabel comunica algo mais que uma simples saudação. Tem como efeito primeiro o salto “de alegria” de João no ventre da mãe. Não se trata de um movimento natural, mas da manifestação daquela alegria que, no Evangelho de Lucas, indica a chegada da salvação (cf. Lc 2,10). Por isso, entende-se que Isabel tenha sido tocada pelo Espírito (v. 42). Não se diz qual foi a saudação de Maria. Importa tão somente que sua palavra comunica uma realidade salvífica. É sua presença, sua voz (v. 44), e não o conteúdo de suas palavras, que produzem esses efeitos em João e Isabel. Pois é a saudação da “cheia de graça” que traz consigo o Senhor (cf. 1,28).

Ela é aquela que acreditou. Isso a define em relação a Deus. O anjo comunicou a mensagem divina, e ela creu (v. 38), aceitou a palavra, mesmo de algo impossível humanamente. A fé é entrega à Palavra de Deus com a certeza de que ela não falhará, pois Deus é veraz e fiel. Ela se inicia no presente, mas olha para o futuro (“porque… será cumprido”, v. 45). Por isso, a fé compromete a pessoa inteira. Toda a vida de Maria recebe agora novo rumo. Tudo estará concentrado nesse Filho que ela concebeu, dará à luz, seguirá até a cruz. E, após a ressurreição, ela acompanhará os discípulos de seu Filho, a Igreja nascente (cf. At 1,14)…

Maria, porém, não é somente modelo exterior para o cristão. Como nossa mãe na fé (cf. Jo 19,27), ela colabora para que sejamos moldados à imagem de seu Filho (cf. Rm 8,29), sendo ela mesma a primeira imagem dele.

O site da CNBB resume: Vemos no evangelho de hoje o encontro de duas mulheres que estão grávidas sem que isso fosse possível. De um lado, Isabel, idosa e estéril, e de outro Maria, virgem. A idosa representando o Antigo Testamento, pois será a mãe do último profeta da Antiga Aliança. A virgem representando o Novo Testamento, pois será a mãe daquele que no seu sangue selará a Nova e Eterna Aliança entre Deus e os homens. Vemos a complementariedade entre as duas Alianças e vemos também em Maria a essência da missão evangelizadora: levar Jesus a todas as pessoas para que possam reconhecê-lo e acolhê-lo.

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