21 de julho de 2016 – 16ª semana 5ª feira

Leitura: Jr 2,1-3.7-8.12-13

Os cap. 2-6 apresentam a pregação mais antiga de Jeremias, antes da reforma do rei Josias (621 a.C.). O tema da leitura de hoje é o inicio de um ato penitencial em forma de pleito contraditório (vv. 2.29; cf. Sl 50; Is 1,10-20). Um vínculo jurídico, aliança ou matrimônio, liga as duas partes.

A palavra do Senhor foi-me dirigida, dizendo: (v. 1)

Em Jr (também em Ez, Zc e Ag), esta fórmula introduz, com frequência, a exposição de quanto Javé revelou ao profeta (vv. 1,4.11.13; 13,3 etc.) e o enunciado das mensagens que ele lhe incumbe a transmitir (2,1 etc.). A expressão realça com força a Palavra em pessoa (!) e a sua ação (cf. 1,2; 14,1; 46,1; 47,1; 49,34; cf. Jo 1,1-3).

O profeta “sabe falar”, sim (cf. 1,6). No desenvolvimento de temas tradicionais manifesta sua riqueza imaginativa e força expressiva, usando aqui a imagem conjugal estabelecida por Oseias (Os 2) e transmitida por Isaías (Is 1,21-26; 5,1-7): o povo era noiva e jovem esposa (Jr 2,2.32), mulher infiel (2,25; 3,20), amante fácil (2,20; 3,9.13), mulher repudiada (3,1); num momento, a nobre imagem matrimonial é mais importante  que o da aliança:

”Vai e grita aos ouvidos de Jerusalém. Isto diz o Senhor: Lembro-me de ti, da afeição da jovem, do amor da noiva, de quando me seguias no deserto, numa terra inculta (v. 2).

2,2 Como Matrona, a capital Jerusalém personifica o povo inteiro. O primeiro amor, juvenil, é recordado com saudade (Pr 5,18). A palavra hebraica hesed (Os 2,21), aqui traduzida por “afeição”, designa a lealdade de relações, dentro da aliança entre a nação israelita e Javé Deus seu esposo.

A etapa do deserto (depois da libertação do Egito) é idealizada na lembrança com tempo de sonho e entrega. Como Os 2,16-22, Jeremias considera aqui o tempo do deserto do ponto de vista das maravilhas realizadas por Deus e, deixando de lado as rebeliões de Israel (Ez 20,13; Sl 78,40; 95,10; 106,14), ele apenas pensa na sua fidelidade no seguimento de seu “guia” nessa “terra inculta” (lit. não semeada): nesse contexto árido, a presença divina se impunha com maior força, o culto era mais despojado (cf. 7,22; Am 5,25) e a religião mais pura, contrastando com as infidelidades que se tornam mais numerosas a partir do começo da instalação na terra prometida de Canaã (vv. 20,28), instalação recusada pelos nômades recabitas (cap. 35).

Israel, consagrado ao Senhor, era como as primícias de sua colheita; todos os que dele comiam, pecavam; males caíam sobre eles”, diz o Senhor (v. 3).

Israel era “consagrada” (11,15; 31,41), lit. coisa santa (cf. 23,9; 25,30; 31,23; cf. Ex 19,6), reservado para o Senhor (cf. Ex 28,36), algo de que unicamente o Senhor pode dispor (cf. 36,26; Sl 105,15). As “primícias da colheita” não podiam ser comidas, mas eram reservadas a Javé como a oferta das primícias do trigo na festa das semanas (Ex 23,16.19; 34,22.26; Dt 26,1-11). As primícias das plantas eram consagradas (Lv 19,23-25); quem as come sem estar autorizado comete sacrilégio e é castigado. Israel era, pela escolha, primícias entre os povos.

“Males caíam sobre eles”.  O amor do Senhor não tolera que os que lhe pertencem sejam amaldiçoados (Gn 12,3; Nm 22-224); ele os protege nas dificuldades (Gn 35,5; Sb 10,11-12), castigando quem lhe puser as mãos sobre eles (10,25 nota; Gn 12,17; 20,3.7; Sl 105,14) ou quem abusar de uma missão momentaneamente conferida pelo próprio Senhor (cf. Is 10,5-19; 47,6-8; Zc 11,10).

Eu vos introduzi numa terra de pomares, para que gozásseis de seus melhores produtos, mas, apenas chegados, contaminastes o país e tornastes abominável minha herança (v. 7).

Deus afirma o próprio cumprimento da aliança numa minúscula síntese da libertação nos seus três tempos clássicos: saída do Egito, caminho pelo deserto (v. 6 omitido pela liturgia de hoje) e entrada na terra (v. 7). Propõe o contraste entre esterilidade (deserto) e fertilidade “terra de pomares” (o nome do monte Carmelo). A terra prometida é sagrada como “herança” do Senhor, mas os israelitas a profanaram e contaminaram seguindo os costumes dos pagãos (Lv 18,24-28; Sl 106,35-39).

Os sacerdotes nem perguntaram onde está o Senhor. Os versados na Lei não me reconheceram, e os chefes do povo voltaram-me as costas, os profetas profetizaram em nome de Baal e correram atrás de coisas que para nada servem (v. 8).

Jeremias, seguindo Miquéias (3,11), denuncia as categorias de pessoas responsáveis e culpadas que um dia se voltarão contra o profeta. Em primeiro lugar denuncia a traição dos sacerdotes (seu próprio círculo, cf. 1,1) cuja principal missão era preservar e interpretar as cláusulas da aliança (18,18; Lv 10,11; Nm 27,21; Dt 31,9-13; 33,10; Ez 7,26; Os 4,6; Ml 2,7; Sr 45,17,26; cf. Is 2,3; 10,1s; 8,16), então são eles os “versados na Lei” (lit. “os que manejam”, aludindo às técnicas de consulta, cf. Ex 28,30; 1Sm 14,36-42); ainda não havia doutores leigos da lei como os fariseus na época de Jesus.

Os “pastores”, que correspondem aos “chefes” de Mq 3,11, são os reis que serão novamente atacados nos livrinhos contra os reis (21,1-23,8). Eles ignoram ou perseguem Jeremias, enquanto falsos “profetas” vendem seus serviços a divindades falsas e inoperantes (Baal, Astarte etc.). Os mediadores de Deus cortaram a mediação.

“Os profetas profetizaram em nome de Baal”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p.  717) comenta: Traição suprema denunciada em outras partes (5,13,31; 6,13; 8,10; 14,13-15; 27,9.14-18;28; 29.8-9.15; 37,9), mas especialmente no livrinho contra os profetas (23,9-40). O paralelo com 23,13 (cf. também 1Rs 18) parece indicar que aqui Jeremias não se refere somente aos profetas de Judá, seus contemporâneos, mas também aos do Norte. Em 18,18, juntamente com o grupo dos “sacerdotes e dos “profetas”, é mencionado o dos “sábios”; pois também estes por saberem formular na devida forma e enunciar no momento certo as convicções gerais e as lições da experiência, e por sua “visão” das coisas, impedem que o povo se desvie (Pr 29,18).

Ó céus, espantai-vos diante disso, enchei-vos de grande horror, diz o Senhor. Dois pecados cometeu meu povo: abandonou-me a mim, fonte de água viva, e preferiu cavar cisternas, cisternas defeituosas que não podem reter água (vv. 12-13).

Os céus (e a terra, montanhas etc.) são testemunhas notariais de Deus no pleito (Sl 50,4; Is 1,2; Mq 6,1s); desta vez comovidos com a insensatez do povo que trocou Jáve Deus por imagens de ídolos, ou seja, a fonte de “água viva” (corrente não parada, perene não intermitente, cf. 15,18; Jó 6,15; Sl 36,10; no NT: Jo 4) por cisternas defeituosos. Cf. v. 5: “afastaram-se de mim e correram atrás do vazio tornando-se eles mesmos vazios”.

Evangelho: Mt 13,10-17

Em Mt, aos poucos, Jesus começou se distanciar do povo (como antes de seus familiares, 12,46-50). Entrou num barco para o discurso das parábolas (o terceiro em Mt) e ensinava a multidão que ficava em pé na praia (vv. 1-2p). Seguindo sua fonte Mc 4, também Mt insere entre a exposição e o comentário da primeira parábola (vv. 4-9.18-23) uma reflexão sobre a função das parábolas (vv. 10-17).

Os discípulos aproximaram-se e disseram a Jesus: “Por que tu falas ao povo em parábolas?” (v. 10).

Depois da primeira parábola (do semeador), “os discípulos aproximaram-se” (estavam juntos no mesmo barco? cf. 8,23-27). Em seguida Jesus responderá sua pergunta e contará outras parábolas, só aos discípulos? Mas em v. 34 diz que “Jesus falou tudo isso às multidões em parábolas.”

Jesus respondeu: “Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não é dado (v. 11).

Aos discípulos caberá explicar as parábolas do mestre, entretanto seu segredo não é conquista humana, mas dom celeste (como a intuição de Pedro ao confessar Jesus como messias em 16,17; cf. os ”mistérios” em 1Cor 4,1; Ef 3,3s). O tema das parábolas (e do ensinamento de Jesus, cf. 4,17.23; 5,3.10.19s; 6,10.33; 7,21; 9,35; 10,7; 12,28) é “o mistério do reino de Deus” (cf. Sb 2,22; 6,22; Rm 16,25-27; Ef 1,9; 3,9; 6,19; Cl 1,26-27; 2,2; 4,3).

“Foi dado“; o tempo de verbo grego insinua que o dom não se tornou coisa possuída, mas exprime uma relação que o une ao doador. A expressão “mistério do Reino” era familiar à corrente apocalíptica do tempo de Jesus, em que designava os desígnios ocultos de Deus relativamente ao fim dos tempos. Nos evangelhos, ela só aparece aqui, e refere-se quer ao próprio Reino (aos discípulos é dado o conhecimento do Reino), quer ao mistério ou segredo de Jesus como instaurador do Reino (cf. em Mc, o segredo do messias e suas ordens de mantê-lo em segredo), quer, enfim, conforme o contexto imediato, aos segredos que se referem ao caráter inicialmente secreto e contestado do Reino, de acordo com as parábolas deste capítulo.

Pois à pessoa que tem, será dado ainda mais, e terá em abundância; mas à pessoa que não tem, será tirado até o pouco que tem (v. 12). 

Esta frase é repetida quase literalmente em 25,29, onde ela condiz mais com o contexto (parábola dos talentos). Trata-se de uma fórmula paradoxal que admite aplicações diversas, contanto que se mantenha o paradoxo. Trata-se de dinamismo e colaboração, numa espécie de processo dialético que implica as duas partes. Aqui “aquele que tem” possui, na fé em Jesus, o conhecimento do Reino: ser-lhe-á concedido um conhecimento ainda mais completo. Em 25,29, “aquele que tem” é o servo fiel que pode entregar a seu patrão o resultado do seu trabalho.

A Bíblia de Jerusalém (p.  1863) interpreta: Aqueles que têm o espírito aberto à verdade receberão, além dos tesouros da aliança antiga, a perfeição da nova (cf. 5,17.20 e o final positivo do discurso em 13,52); aos que têm má vontade, tirar-se-á até o que eles têm, isto é, a Lei judaica que, abandonada a si mesma, se tornará caduca.

É por isso que eu lhes falo em parábolas: porque olhando, eles não veem, e ouvindo, eles não escutam, nem compreendem (v. 13).

Mateus muda o “para que / de modo que” de Marcos em “porque”: a atitude condicionou a compreensão, parecendo abrandar a formulação de Mc e fazer a responsabilidade da cegueira nos homens e não em Deus. Mas a citação em seguida de Is 6,9-10 por Mt mostra que o seu texto tem o mesmo sentido fundamental que o de Mc: não discernir em Jesus o segredo do Reino aumenta ainda mais a cegueira para este Reino; o acesso ao Reino ou exclusão do mesmo são determinados pelo acolhimento ou rejeição da pessoa e do ensino parabólico de Jesus: não há neutralidade possível.

Um endurecimento voluntário e culposo determina e explica a retratação da graça. Todas as narrativas precedentes prepararam o discurso parabólico, ilustrando esse endurecimento (11,16-19.20-24; 12,7.14.24-32.34.39.45). A essas mentes obscurecidas, que falta a luz plena a respeito do caráter humilde e oculto do verdadeiro messianismo, só poderá dar senão uma luz amortecida por símbolo: meia luz que será ainda uma graça, um apelo para pedir melhor e receber mais.

Deste modo se cumpre neles a profecia de Isaías: “Havereis de ouvir, sem nada entender. Havereis de olhar, sem nada ver. Porque o coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e fecharam seus olhos, para não ver com os olhos, nem ouvir com os ouvidos, nem compreender com o coração, de modo que se convertam e eu os cure (vv. 14-15).

Como Mt gosta de sublinhar os cumprimentos proféticos na vida de Jesus, aqui ele reforçou a citação de Is 6,9s (cf. Is 42,18). Este texto da visão de Isaías no templo, onde recebe uma missão paradoxal, é citado varias vezes no NT: Mt 13,13-15p; Jo 12,40; At 28,26-27. Apesar das diferenças de tradução que possam aparecer entre Mt 13,14-15 e At 28,26-27, é mister ter presente que ambos citam exatamente o texto grego de Is.

Este texto de Isaías (6,9-10) prediz o fracasso do profeta por culpa dos ouvintes. Dada a dureza dos ouvintes, a pregação profética os irrita e endurece, e lhes agrava a culpa (Isaías fala de sua experiência em 30,9-11). Mesmo prevendo o resultado negativo, o profeta não pode calar-se, pois é Deus que o envia, e a denúncia tem intenção salvadora.

A Bíblia de Jerusalém (p.  1368) comenta: A pregação do profeta embaterá na incompreensão de seus ouvintes. Deus não quer essa incompreensão, ele a prevê, e ela serve aos seus desígnios. Ela descobre o pecado do coração e precipita o julgamento.

A Bíblia do Peregrino (p.  1699) comenta a missão “impossível” do profeta: O seu destino é o fracasso, o seu êxito será piorar a situação. Pregando a conversão, provocará o endurecimento e tornará inevitável o castigo, pois o povo não poderá alegar ignorância. Quando a desgraça acontecer, a palavra, aparentemente ineficaz, será recordada; e à sua luz a tribulação será compreendida e aceita como castigo. Em última instância, essa palavra conduzirá à conversão.

No tempo de Jesus, a frase alude à resistência das autoridades, no tempo da Igreja, aporta para a rejeição e para ruptura consumada. O fato de que a maioria dos judeus não se converteu ao evangelho está no plano misterioso de Deus (cf. Rm 11,7-16.29-32).

Felizes sois vós, porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem. Em verdade vos digo, muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram, desejaram ouvir o que ouvis, e não ouviram” (vv. 16-17).

Da outra fonte comum com Lucas, Q (uma coleção de palavras de Jesus que se perdeu na história, mas preservou-se em Mt e Lc), Mt tirou esta bem-aventurança (Lc 10,23s) e a inseriu aqui no discurso. Lit. “Mas vós sois felizes por verdes com vossos olhos e ouvirdes com vossos ouvidos”.

Depois de citar Is 6,9s para explicar a rejeição e Israel a respeito de Jesus, Mt muda o tom e pronuncia esta bem-aventurança (cf. 5,3-12). Em vez da cegueira e surdez de Israel (Is 6,9s), elogiam-se agora os olhos e os ouvidos dos discípulos. O que estes vêem? Lembrando a pergunta de João Batista e a resposta de Jesus em 11,2-6, eles vêem as curas milagrosas e ouvem o evangelho anunciado aos pobres.

Ver o Messias e ouvir sua mensagem era a ânsia oculta dos antigos; “muitos profetas e justos”, os da aliança antiga (23,29; cf. 10,41, “desejaram ver o que vedes, e não viram…”). Mt substituiu os “reis” da sua fonte Q (Lc 10,24) por “justos”, porque os judeu-cristãos da comunidade de Mt não são reis, sim profetas e justos (10,41; 23,34; cf. 23,37). Compara-se Is 42,20 – “Muito olhavas e nada entendias”- com 52,8 “Veem face a face o Senhor voltando a Sião” e 62,11 “Vê o teu Salvador chegando”.

Os homens e mulheres piedosos do Antigo Testamento correspondem à comunidade que tem o privilégio de participar do tempo da salvação através dos discípulos. Os discípulos são testemunhas privilegiadas dessa revelação de Jesus (através do seu ensino), que se estenderá a todos os cristãos (cf. Eclo 48,11 referindo-se à volta de Elias: “Feliz quem te vir antes de morrer”; e o velho Simeão, “justo e piedoso”, em Lc 2,25.29-30: “Meus olhos viram tua salvação”).

Da parábola se passa à pessoa de Jesus presente na historia, porque nele já se realiza o reinado de Deus. Esse é o grande “mistério do reinado de Deus” que se dá a conhecer aos que acolhem Jesus como o Messias desejado e esperado. S. Paulo insistiu sobre o longo silêncio em que foi envolvido o “mistério” (Rm 16,25; Ef 3,4-5; Cl 1,26; cf. 1Pd 1,11-12) e cuja revelação aos pagãos é teor da pregação do apóstolo das nações.

A Nova Bíblia Pastoral (p.  1202) comenta: Para compreender os mistérios do Reino dos céus, não basta ouvir o que Jesus tem a dizer; é necessário comprometer-se com a justiça de Deus que ele proclama. Só assim haverá mais clareza a respeito daquilo que dificulta a concretização do Reino na historia humana.

O site da CNBB comenta: Quem procura ter os olhos, os ouvidos e o coração abertos para a mensagem de Jesus entende o que ele quer dizer com as parábolas, mas quem vive preocupado com interesses mesquinhos, busca de satisfação pessoal, fundamentando a sua vida no egoísmo, não entende as parábolas de Jesus. Somente aquelas pessoas que procuram fazer a vontade de Deus, buscando uma abertura para ele e para os irmãos e irmãs no sentido de viver cada vez mais e melhor o amor pode entender as parábolas de Jesus, pois essas pessoas procuram abrir espaço para que a graça de Deus atue, condição fundamental para que haja de fato entendimento da palavra de Jesus.

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