22 de fevereiro de 2017 – Quarta-feira, Cátedra de São Pedro

Leitura: 1Pd 5,1-4

A primeira carta de Pedro foi escrita em grego, porém, em tamanha qualidade que parece difícil atribuí-la a Simão Pedro, pescador simples da Galileia. Mas em 5,12-13, a carta diz que Pedro estava em companhia de Silvano (idêntico ao Silas, cf. At 15,22.27.30.32.40; 16,25; 17,14; 18,5; 1Ts 1,1; 2Ts 2,1; 2Cor 1,19) e de João Marcos (cf. At 12,5; 13,5-13; Cl 4,10; 2Tm 11). Ambos foram companheiros também de Paulo. Esta carta circular (“católica” no sentido de “geral, para todos”) se diz ser escrita “por meio de Silvano” (5,12). A data deve ser pouco antes da perseguição de César Nero na qual Pedro e Paulo sofreram o martírio (64-67 d.C.). Entretanto, o estudo da situação histórica e do desenvolvimento do cristianismo faz pensar, que a carta poderia ser escrita depois do martírio de Pedro, no final do século I., quando o evangelho já se havia espalhado pelas províncias da Ásia menor (atual Turquia). Um discípulo residente em Roma (a qual ele chama de Babilônia, cf. 5,13; Ap 18) teria redigido esta mensagem de encorajamento para manter viva o legado e a tradição do primeiro apóstolo e alentar as comunidades dispersas.

Na leitura de hoje, a exortação por categorias em 3,1-9 (mulheres, maridos, todos) continua aqui, seguindo um esquema semelhante: anciãos (vv. 1-4); jovens (v. 5a), todos (5b.6). A palavra grega “presbítero” significa “ancião”, mas em lugar da idade passa a designar uma função, hoje é o termo correto pelo sacerdote, ou seja, o padre. Mas as primeiras comunidades cristãs não queriam ser confundidos com o culto do templo de Jerusalém, portanto usavam termos da administração civil ou do antigo Israel (Ex 18,26; Nm 11,16; Js 8,10, 1Sm 16,4; Is 9,14; Ez 8,1.11 etc.) e do judaísmo (Esd 5,5; 10,14; Jt 6,16; Lc 7,3; 22,66; At 4,5 etc.) para constituir à sua frente um corpo de “presbíteros” ou notáveis. Os “epíscopos” (lit. supervisores), que não são ainda “bispos”, aparecem em relação particular com os “diáconos” (Fl 1,1; 1Tm 3,1-13); em certos textos (Tt 1,5,7; At 20,17.28) parecem ser idênticos aos “presbíteros”. De qualquer modo, os presbíteros e epíscopos cristãos não são apenas encarregados da administração temporal, mas também do ensino (1Tm 3,2; 5,17; Tt 1,9) e do governo (1Tm 3,5; Tt 1,7). A “catedral” será depois o lugar, onde o bispo exerce estas funções. Os romanos, neste dia de 22 de fevereiro, comemoravam seus defuntos ancestrais em torno de uma “cátedra” (cadeira vazia, reservada ao defunto). A partir do século IV, a festa salienta a missão de mestre e pastor conferida a Pedro (cf. o evangelho de hoje).

Exorto aos presbíteros que estão entre vós, eu, presbítero como eles, testemunha dos sofrimentos de Cristo e participante da glória que será revelada: (v. 1)

“Eu, presbítero como eles”, Pedro emprega aqui o termo com o significado “ancião” (em oposições aos jovens, v. 5), como também sua função pastoral. Pedro, o ancião e responsável, aconselha a seus colegas anciãos e responsáveis. Pode-se ler estes vv. como testamento espiritual de Pedro. Ele é “testemunha dos sofrimentos de Cristo”, seja porque, como “apóstolo” (1,1) tenha assistido a paixão de Cristo, seja porque pelos seus próprios sofrimentos, deu testemunho de Cristo, ainda que lhe tenha custado tanto compreendê-lo (cf. Mc 8,32s; 15,66-72). Ele também é “participante da glória que será revelada” (cf. 2Pd 1,16-17; Mt 13,16; Mc 9,2-10; Lc 24,34; 1Cor 15,5) no dia da parusia (volta de Cristo; cf. 1,5,13; 4,7; 5,10).

Sede pastores do rebanho de Deus, confiado a vós (v. 2a).

O v. 2 pode ser traduzido: “Apascentai o rebanho de Deus que vos é confiado, velando por ele”, dando eco à palavra dirigida por Cristo a Pedro pessoalmente (Jo 21,15-17). À imagem bíblica de pastoreio acrescenta-se a função da vigilância (cf. At 20,28).

Cuidai dele, não por coação, mas de coração generoso; não por torpe ganância, mas livremente; não como dominadores daqueles que vos foram confiados, mas antes, como modelos do rebanho (vv. 2a-3).

Depois Pedro continua com seus conselhos com seu procedimento favorito de antíteses: “não isso, mas aquilo”. Três antíteses sintetizam o programa do pastor. O aspecto negativo serve para sublinhar o oposto positivo, mas também poderia aludir a abusos reais ou possíveis entre os responsáveis. “Não por coação, mas de coração generoso” (de livre e boa vontade), “não por torpe ganância”, mas com devoção e dedicação, “não como dominadores” autoritários (cf. Jo 13,15,17; 2Cor 1,24; Lc 22,27) “daqueles que vos foram confiados” (lit. porções que couberam; alusão à divisão da terra entre as tribos de Israel; cf. Js 13,22), “mas, antes, como modelos de rebanho” como Paulo também recomenda (1Cor 4,16; 11,1; Fl 3,17; cf. Tt 2,7).

Assim, quando aparecer o pastor supremo, recebereis a coroa permanente da glória (v. 4).

O tema de Cristo pastor é frequente (2,25; Jo 10; Lc 15,3-7; Mt 9,36; 26,31; no AT, Davi e o messias; cf. 2Sm 16; Mq 5,3; Ez 34; Sl 23). Mas o título “pastor supremo” encontra-se só aqui em todo NT. Quando ele aparece, “recebereis a coroa permanente da glória” (cf. 1Cor 9,25; 2Tm 4,8).

 

Evangelho: Mt 16,13-19

O evangelho de hoje é de Mateus que destaca o papel de Simão Pedro através das palavras de Jesus. Para apreciar, precisa reconhecer que Mt já usava o evangelho mais antigo, Mc. Para Mc, a profissão de fé de Pedro está no centro do evangelho, mas não nos transmite as palavras de Jesus sobre o primado de Pedro que Mt insere depois. Na primeira metade de Mc, Jesus demonstra seu poder, cura e atua milagres na Galileia até ser aclamado de “Cristo-Messias” por Simão Pedro (Mc 8,29). Mas a partir daí, Jesus começa anunciar sua paixão e morte em Jerusalém (Mc 8,31; 9, 31, 10,33). Para não ser mal entendido como messias guerreiro e nacionalista, Jesus impõe silêncio ainda sobre seu segredo do messias (cf. 8,30; 9,9). Simão Pedro, porém, não quer entender o sofrimento anunciado do messias e repreende o mestre. A reação de Jesus é dura: “Atrás de mim, Satanás, não pensas as coisas de Deus, mas dos homens” (Mc 8,33).

O segredo do messias e a incompreensão até por parte dos discípulos são características do evangelho de Mc. Marcos acompanhava Paulo e era intérprete de Pedro, conhecia bem o lado humano deles. Ele concluiu sua obra em 70 d.C., durante a Guerra Judaica e pouco depois da perseguição violenta pelo César Nero que resultou no martírio de Pedro e Paulo e muitos outros cristãos em Roma, por isso falava da necessidade da cruz e da dificuldade de entender isso.

Para Mt, a situação já é diferente. Ele atenua ou evita falar da incompreensão dos discípulos. Para Mt e Lc, que escreveram 20 anos depois, os apóstolos já ganharam o status de santos. Como a guerra Judaica já havia terminado com a derrota dos judeus, não havia mais tanta necessidade de um segredo messiânico, ou seja, evitar o mal-entendido de um messias-Cristo nacionalista e guerreiro. Mas por fidelidade à sua fonte Mc, Mateus não omite nem o silêncio nem a repreensão, mas os adia, declarando primeiro Pedro como pedra fundamental da igreja.

Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (v. 13).

Na primeira parte do evangelho de hoje, Mt segue fielmente a Mc. Antes de ir ao sul para cumprir sua missão Jerusalém, Jesus e os discípulos encontram-se no ponto mais setentrional da sua trajetória, em Cesareia de Filipe, que era uma cidade construída junto às nascentes do Jordão, em 2 ou 3 a.C., por Herodes Filipe em honra de César Augusto. A pergunta de Jesus força os discípulos a fazer uma revisão de tudo o que ele realizou no meio de povo.

Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; Outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas” (v. 14).

Esse povo não entendeu bem quem é Jesus. Jesus não reivindicou o título “profeta”, senão de maneira indireta e velada (13,57p; Lc 13,33), mas as multidões lhe deram sem hesitar (16,14; 21,11.46; Mc 6,15p; Lc 7,16. 39; 24,19; Jo 4,19; 9,17). Este termo tinha valor messiânico, pois o espírito de profecia, extinto desde Malaquias, devia reaparecer, segundo a opinião dominante entre os judeus, como sinal da era messiânica, seja na pessoa de Elias (17,10-11p), seja sob a forma de uma efusão geral do Espírito (At 2,17s cita Jl 3,1s). De fato, no tempo de Jesus sugiram muitos (falsos) profetas (24,11.24p; etc.). Quanto a João Batista, esse foi realmente profeta (11,9p; 14,5; 21,26p; Lc 1,76), mas como precursor vindo com o espírito de Elias (11,10p.14; 17,12p). Mas negou (Jo 1,21) ser “o profeta”, que Moisés tinha predito (Dt 18,15.18). Este profeta, a fé cristã só reconheceu na pessoa de Jesus (At 3,22-26; Jo 6,14; 7,40). Contudo, por ter-se disseminado na Igreja primitiva o carisma da profecia após o Pentecostes (Mt 10,41; 23,34; Lc 11,49; At 11,27; 13,1; 15,32; 21,9s; Rm 12,6; 1Cor 12-14; 14; 1Ts 5,19s; Ef 2,20; 3,5; 4,11; 1Tm 1,18; 4,14; Ap 1,3 etc.), este título deixou, bem cedo, de ser aplicado a Jesus, cedendo o lugar a títulos mais específicos da cristologia.

Entre os profetas, Mt acrescenta o nome “Jeremias”, talvez pela perseguição que este profeta sofreu, ou pelo sonho em 2Mc 15,12-16 em que Jeremias dá uma espada a Judas Macabeus num gesto semelhante a Jesus que dará a chave a Pedro (v. 19).

Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (vv. 15-16).

Os discípulos, porém, que acompanham e veem tudo que Jesus tem feito, reconhecem agora, através de Pedro, que Jesus é o Messias.

“Cristo” não é um nome, é título, tradução grega da palavra hebraica mashiah (aramaico meshiah), “messias”, que significa “ungido”, consagrado por uma unção (grego crisma – unção com óleo; cristo – o ungido). Quem foi ungido no AT? Reis, sacerdotes e raramente profetas (1Rs 19,15s; Is 61,1; cf. Lc 4,18). Quanto aos membros do sacerdócio, não parece que unção lhes tenha sido conferida antes da época persa. Os textos sacerdotais antigos a reservavam ao sumo sacerdote (Ex 29,7.29; Lv 4,3.5.16; 8,12). Depois foi estendida a todos os sacerdotes (Ex 28,41; 30,30; 40,15; Lv 7,36; 10,7; Nm 3,3). Nos textos históricos antigos, a unção é reservada ao rei (1Sm 10, 1s; 16,1ss; 1Rs 1,39; 2Rs 9,6; 11,12) e lhe confere um caráter sagrado: ele é o Ungido de Javé (1Sm 24,7.11; 26,9.11.16.23; 2Sm 1,14.16; 19,22). Aplicado muitas vezes pelos Salmos a Davi e sua dinastia, este título tornou-se o título por excelência do rei do futuro, o Messias, do qual Davi era o protótipo, e o Novo Testamento o atribui a Cristo Jesus.

A esperança do messias futuro iniciou-se 1000 anos antes de Jesus. Em 2Sm 7, Deus prometeu a Davi que sua dinastia e seu trono permaneceria para sempre. O oráculo ultrapassa o sucessor de Davi, Salomão, e deixa entrever um descendente privilegiado em que Deus se comprazerá. É o primeiro elo sobre as profecias sobre o messias, filho de Davi (Is 7,14; 9,5-6; 11,1-5; 42,1; Jr 23,5-6; Mq 5,1-4). A maioria dos sucessores no trono de Davi, porém, não seguiu os caminhos de Deus (cf. 1-2Rs). Depois do exílio não houve mais um rei da descendência de Davi em Israel, só governadores (Zorobabel, cf. Ag 2,20-23; Zc 6,12s). Os hasmoneus (dinastia dos macabeus) não eram descendentes de Davi, mas de linhagem sacerdotal cf. 1Mc 2,1; 10,20). O rei Herodes não era nem judeu (era idumeu, povo vizinho ao sul da Judéia), mas foi instituído por imposição de César Augusto. A esperança de um messias salvador que libertasse o povo dos seus opressores igual a Davi, se mantinha viva (até hoje existe entre os judeus).

Messias ou Cristo é designação judaica do salvador esperado. Mc compreende esse título no sentido novo que lhe confere sua aplicação a Jesus (Mc 9,41; 12,35-37). Em Mc, Jesus só aprova esse título Messias/Cristo durante seu processo (Mc 14,61s), e só um homem reconhece Jesus como Messias: Pedro, mas ele é logo intimado ao silêncio (Mc 8,30.33). mas em Mt 16, é instituído “Papa” primeiro (vv. 17-19), antes de Mt continuar copiando de Mc a ordem de silêncio, o anúncio da paixão e a repreensão de Pedro (vv. 20-23, omitidos na liturgia de hoje).

À resposta de Pedro “Tu és o Messias (Cristo)” em Mc 8,29, Mt acrescenta “o Filho de Deus vivo”. Em Mt, não é a primeira profissão de fé. Já em 14,33, Mt substituiu a incompreensão dos discípulos por uma profissão de fé: “se ajoelharam diante dele dizendo: ‘De fato, tu és o Filho de Deus’”. No AT, “filho de Deus” aplica-se aos anjos, ao povo eleito, aos israelitas fieis e ao Messias (2Sm 7,14; Sl 2,7; 89,27) e designa uma relação particular com Deus fundada em sua eleição e na missão. Os cristãos destacam com suas primeiras confissões de fé, o caráter único e decisivo da pessoa de Jesus: ele é mais do que um profeta ou rei (cf. Mt 12,41-42p), ele mantém com Deus uma relação filial inigualável (“Abba”- papai, cf. Mc 14,36; Rm 8,15; Gl 4,6) e a ele foi confiada uma missão impar na obra da salvação (cf. Rm 10,9; Hb 9,26-28; Jo 3,16-17).

Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu (v. 17).

Jesus declara feliz (“bem-aventurado”) Simão que é “filho de Jonas” (de João em Jo 1,42), mas declarou que Jesus é o Messias esperado e Jesus ratifica, declarando que esta confissão procede de uma revelação do seu “Pai que está no céu” (cf. 11,25-27; Rm 8,15; Gl 1,16) não por um “ser humano” (lit.: “carne e sangue”).

A fé é resposta positiva à palavra de Deus; a fé de Pedro (e nossa também) é dom de Deus (não produto humano, de carne e sangue), mas a fé torna-se tarefa também. A revelação a Pedro tem um sentido cuja profundidade Pedro mostraria, mais tarde, não ter aprendido ainda (vv. 22-23).

Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la (v. 18).

Aqui, Mt aproveita a oportunidade e apresenta um paralelismo das identificações: o povo diz / vós dizeis. Pedro diz “tu és o Messias” / Jesus diz “tu és Pedro”.

“Tu és Pedro” (v. 18; cf. 10,2). Tal nome grego não era usado como nome próprio de pessoa na época. Pedro é tradução do nome aramaico Cefas (Jo 1,42; 1Cor 1,12; 9,5; 15,5; Gl 1,18). A mudança de nome pode ter ocorrido mais cedo (cf. Jo 1,42; Mc 3,16; Lc 5,8; 6,14).

“Sobre esta pedra construirei a minha igreja.” A palavra grega ekklésia (Igreja) traduz o termo hebraico qahal, que significa “assembleia” e é comum no AT para designar o povo eleito (cf. Dt 4,10; 23,2; 1Rs 8,22 etc.; At 7,38). Certos grupos judaicos que se consideravam o resto de Israel (cf. Is 4,3) dos últimos tempos (p. ex. os essênios em Qumrã), o aplicaram ao seu próprio círculo. Jesus o transfere à comunidade messiânica, que ele irá construir selando uma nova aliança pelo derramamento de seu sangue (26,28; cf. 5,25). “O reino de Deus já está próximo” (4,17), por isso está comunidade deve começar já aqui na terra por uma sociedade organizada cujo chefe institui (cf At 5,11; 1Cor 1,2 etc.).

Essa nova comunidade é simbolizada por um templo que Jesus construirá; ele é o dono da construção (“minha igreja”) e Pedro será a pedra fundamental (cf. Ef 4,20-22; Gl 2,7-9; 1Cor 10,10-17; 1Pd 2,4-8; Ap 21,14).

Pedro terá um papel medianeiro: por sua fé, adesão e aderência a Cristo, participa da solidez da “rocha”, símbolo antigo de Deus (cf. Dt 32,4.15.18.30.31; Sl 19,14; 27,5 etc.) e da fé operante (cf. 7,24). A declaração de Jesus corresponde à função eminente que Pedro desempenhou no início da Igreja (4,18; 17,1; At 1,13.15; 3,1; 10,5; 15,7; Jo 6,67-69; 21,15-23; Gl 2,7).

A interpretação destas palavras e seu alcance diferem nas diferentes denominações. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1890) anota o seguinte: A tradição católica aduz este texto para fundamentar a doutrina segundo o qual os sucessores de Pedro herdaram o seu primado. A tradição ortodoxa opina que, em suas dioceses, todos os bispos que confessam a verdadeira fé integram-se na sucessão de Pedro e na dos demais apóstolos. Embora reconheçam a posição e a função privilegiada de Pedro nas origens da Igreja, os exegetas protestantes estimam que Jesus só tem em vista, aqui, a pessoa de Pedro.

Por muito tempo, o primado do bispo de Roma (“Papa”) era um primado de honra (por ser Roma o lugar do martírio de Pedro e Paulo); somente no segundo milênio desenvolveu-se o primado jurídico de chefe quase absoluto (“vigário de Cristo”) culminando no dogma da infalibilidade no Concilio Vaticano I (1870), mas foi completado pela colegialidade dos bispos (o papa é o primeiro entre iguais) no Concilio Vaticano II (1962-1965).

A permanência própria da Igreja durante 2000 anos apesar de perseguições de fora, crises internas, cismas etc. comprovam de certo modo a palavra de Jesus de que ”o poder do inferno nunca poderá vencê-la”, lit. as portas do hades. A palavra grega hades, em hebraico sheol, designa a morada dos mortos (cf. Nm 16,33). As portas simbolizam seu poder (cf Jó 38,17; Sb 16,13). O hades não conseguirá reter na morte os membros da comunidade messiânica de Jesus.

Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (v. 19).

Jesus promete a Pedro “as chaves do reino dos céus” (v. 19), e com essas dá acesso ao reino (conforme as bem-aventuranças, cf. 5,3.10). Ele terá o poder de “ligar e desligar”, ou seja, proibir ou permitir, julgar, condenar ou perdoar, ensinar e interpretar, ratificado por Deus, diferente dos fariseus e doutores da lei que amarram fardos pesados (23,4) e fecharam o acesso ao reino de Deus (23,13). Enquanto Pedro fica com o símbolo da chave (cf. Is 22,22), a autoridade de ligar e desligar é dada também ao conjunto dos discípulos (18,18; Jo 20,23). O Reino de Deus está vinculado a uma Igreja cujos traços ainda não estão definidos, mas com o poder das chaves já não está desprovida de certa estrutura: depois das chaves, será a cátedra, depois da catedral, o Vaticano, ou seja, o magistério dos bispos e, em primeiro lugar, o do Papa.

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