22 de Maio de 2021, Sábado – Jesus respondeu: “Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, o que te importa isso? Tu, segue-me!” (v. 23).

Páscoa 7ª semana sábado

Leitura: At 28,16-20.30-31

No final do Tempo Pascal, ouvimos hoje o final do livro que nos acompanhou durante todo este tempo, os Atos dos Apóstolos que narram a dilatação do evangelho de Jerusalém até Roma. “Os irmãos que souberam da nossa chegada, vieram ao nosso encontro” (v. 15). Este versículo anterior à nossa leitura e a Carta de Paulo aos Romanos revelam que já havia cristãos em Roma, alguns anos mais cedo, por volta de 50 (cf. 18,2), mas nada sabemos sobre a origem dessa igreja na capital do império.

Quando entramos em Roma, Paulo recebeu permissão para morar em casa particular, com um soldado que o vigiava (v. 16).

Depois de longa viagem e sobrevivendo um naufrágio, Paulo chegou finalmente em Roma. Desde o cap. 21 ele é prisioneiro dos romanos por causa do tumulto que causou entre os judeus em Jerusalém. Em Roma, ele consegue o regime de prisão domiciliar enquanto espera o julgamento por César a quem havia apelado (25,10-12; cf. 23,11). Por hora é tratado com consideração.

O texto ocidental (adotado pela recensão antioquena) acrescentou: “quando entramos em Roma, o centurião entregou os prisioneiros ao prefeito do pretório. Paulo recebeu a permissão de se alojar fora do campo (pretoriano)”. A Bíblia de Jerusalém (p. 2103) informa a respeito: Estas informações complementares correspondem ao regime especial da custódia militar na qual o prisioneiro arranja um alojamento por conta própria, mas deve ter o braço direito sempre ligado, por uma corrente, ao braço esquerdo do soldado que o vigia.

Três dias depois, Paulo convocou os líderes dos judeus (v. 17a).

Como o preso está confinado, convoca os chefes da comunidade judaica de Roma, que podiam ser os chefes das diversas sinagogas da cidade, gente importante e influente no mundo político da capital do Império. Diante deles, Paulo quer regularizar a sua situação mais depressa possível. Como em outros lugares, dirige-se primeiro aos judeus, depois aos pagãos (cf. 13,36 etc.)

Quando estavam reunidos, falou-lhes: “Irmãos, eu não fiz nada contra o nosso povo, nem contra as tradições de nossos antepassados. No entanto, vim de Jerusalém como prisioneiro e, assim, fui entregue às mãos dos romanos. Interrogado por eles no tribunal e não havendo nada em mim que merecesse a morte, eles queriam me soltar. Mas os judeus se opuseram e eu fui obrigado a apelar para César, sem nenhuma intenção de acusar minha nação. É, por isso, que eu pedi para ver-vos e falar-vos, pois estou carregando estas algemas exatamente por causa da esperança de Israel” (vv. 17b-20).

Faz um resumo do seu processo e protesta mais uma vez sua fidelidade ao judaísmo. É como a última tentativa de dirigir-se aos judeus.

Paulo começa dando explicação numa apologia pessoal, resumo de coisas ditas (22,1-16 e 26,2-23). Foi “entregue às mãos dos romanos”, como os judeus foi feito fizeram com Jesus (Lc 18,32; 20,20; 24,7); eles se opuseram a sua libertação. Contudo Paulo não pretende pagar o mal com mal, acusando seus acusadores. Apelou a César não para acusar a nação (o povo judeu); o texto ocidental acrescenta: “mas somente com o desejo de escapar da morte”.

A última frase do discurso tem muito relevo falando não dos judeus, e sim de “Israel” na sua amplitude de povo escolhido; não da lei, mas da “esperança” (24,15; 26,s; Lc 2,38; 7,19; 24,21). Toda a esperança de Israel se concentra, para Paulo, na ressurreição dos mortos, antecipada na ressurreição de Jesus (cf. 26,6.23).

Paulo morou dois anos numa casa alugada. Ele recebia todos os que o procuravam, pregando o Reino de Deus. Com toda a coragem e sem obstáculos, ele ensinava as coisas que se referiam ao Senhor Jesus Cristo (vv. 30-31).

“Morou dois anos numa casa alugada”; mesmo termo técnico que em 24,27. A Bíblia de Jerusalém (p. 2103) comenta: Paulo esteve, pois, sob regime de custodia militaris durante todo o prazo no qual o seu processo devia ser julgado. Isto faz supor que o processo não se realizou, sem dúvida por falta de acusadores. Uma vez decorrido este prazo legal, Paulo devia recobrar a liberdade; Fm 22 prevê esta próxima libertação. Durante esses dois anos, Paulo escreveu as cartas aos colossenses, aos efésios e o bilhete de Filemon.

Muitos peritos, porém, consideram Ef e Cl cartas deuteropaulinas, ou seja, da autoria de discípulos de Paulo (cerca de 80 d.C.).

O alcance exato desta indicação cronológica é difícil: teria sido o livro redigido no fim desses dois anos e antes da conclusão do processo de Paulo? Teria sido Paulo solto por falta de acusadores? Ou teria sido julgado e condenado?  O autor se interessa menos pelo destino de Paulo (também não nos disse sobre o fim de Pedro), do que pela pregação do Reino de Deus (cf. 1,3) em Roma (capital do mundo pagão), por aquele cuja missão pessoal era evangelizar o mundo das nações (22,21; Rm 1,5.14s). Assim a proclamação do evangelho até os confins da terra (cf. 1,8) chegou a uma etapa definitiva, sem ser a derradeira (cf. Rm 15,23s: Paulo queria ir ainda à Espanha). Quanto ao ministério de Paulo após sua libertação e quando ao segundo cativeiro romano e sua morte na perseguição do César Nero (junto com Pedro em 65 ou 67 d.C.), está escrito nos livros da história da Igreja antiga.

Lucas quer fazer-nos palpar os começos da nova orientação. Embora preso, Paulo continua expondo sua mensagem a quantos o procuram, com toda a liberdade apostólica, “sem impedimento” das autoridades romanas. Lucas não julgou oportuno narrar a perseguição e o martírio de Paulo. O último nome no livro é “Senhor Jesus Cristo”, as últimas palavras “com toda a coragem e sem obstáculos”. A “coragem” (inteira firmeza, intrepidez, cf. 4,13) concerne a atitude de Paulo; “sem obstáculos” talvez seja uma homenagem à sabedoria da justiça romana. Mas, sobretudo quer acentuar que “a Palavra de Deus não está acorrentada” (2Tm 2,9). Ela tem o futuro pela frente até o dia evocado pelo acréscimo do texto ocidental: “dizendo que ele, Jesus é o filho de Deus pelo qual o mundo inteiro deve ser julgado” (cf. 17,31).

A Bíblia do Peregrino (p. 2700) resume: A última página do livro retoma e resume idéias já propostas e conclui coerentemente toda a série narrativa que começa em 1,8: “Sereis minhas testemunhas em Jerusalém na Judéia, na Samaria e até os confins do mundo”. O movimento de Paulo de Jerusalém até Roma materializa o movimento espiritual da igreja que se desprende definitivamente do judaísmo e se abre inteiramente aos pagãos. É um processo anunciado pelos profetas: a resistência de Israel por Is 6,9-10; 65,2; o destino dos pagãos em muitos textos (p. ex. Sl 67,2; 87; 98,3; Is 40,5). Roma será o novo centro de irradiação universal: tema que fica fora do livro.

Evangelho: Jo 21,20-25

Continuamos ouvir o final do quarto evangelho. Obviamente, o capítulo 21 é um anexo posterior, porque o evangelista já escreveu um final ótimo em 20,30s. Pouco tempo depois, uma redação eclesial acrescentou este capítulo (e também os caps. 15-17 e partes do cap. 10). O foco principal do cap. 21 é o papel de Pedro como líder da Igreja (mesmo depois da sua negação tríplice; cf. evangelho de ontem), e o papel do discípulo amado a quem o anexo atribui o evangelho (v. 24).

Pedro virou-se e viu atrás de si aquele outro discípulo que Jesus amava, o mesmo que se reclinara sobre o peito de Jesus durante a ceia e lhe perguntara: “Senhor, quem é que te vai entregar?” Quando Pedro viu aquele discípulo, perguntou a Jesus: “Senhor, o que vai ser deste?” (vv. 20-21).

É como um apêndice do apêndice. O papel de Pedro foi esclarecido e reforçado, seu martírio profetizado (vv. 15-19). Mas qual a função e o destino do discípulo amado? A pergunta de Pedro serve de ligação e pode soar como uma mistura de curiosidade e interesse pelo amigo. O “discípulo amado” é caracterizado aqui com a cena da ceia, onde aparece primeiramente como tal (13,23; 19,26; 20,2-8; 21,7.20-24; cf. 1,40; 18,15f; 19,35).

Jesus respondeu: “Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, o que te importa isso? Tu, segue-me!” (v. 23).

A resposta de Jesus é intencionalmente ambígua, polivalente. No condicional, Jesus reserva a si a decisão do destino. Ao dizer “até que eu venha”, pode sugerir a expectativa de uma parusia iminente (volta de Jesus em breve; cf. 14,3; 1Cor 11,26; 16,22; Ap 1,7; 22,7.12.17.20). A permanência do discípulo amado não será uma concorrência para a chefia de Pedro. Ele não precisa se importar, mas os leitores querem saber qual a função deste discípulo amado, que não é está abaixo de Pedro, mas ao seu lado (e, às vezes, à frente dele: cf. 13,23s; 19,26s.35; 20,4.8; 21,7).

Então, correu entre os discípulos a notícia de que aquele discípulo não morreria. Jesus não disse que ele não morreria, mas apenas: “Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?” (v. 23).

A correção acrescentada parece refletir a decepção de uma comunidade de discípulos (lit. “irmãos”, cf. 20,17) ante a morte inesperada de um guia que considerava imortal ou pouco menos (cf. 11,26). Pedro já morreu há muito tempo, como o autor do capítulo sabe (vv. 18s). O discípulo amado, porém, parece ter alcançado uma idade avançada, de modo, que os irmãos achassem que não morreria antes da volta de Jesus (16,16ss; cf. 1Ts 4,14s). Mas morreu também.

Era preciso reinterpretar a palavra de Jesus. O que significa “permanecer”? Aqui não significa “não morrer”. Jesus também falou de si que permaneceria apesar de morrer (15,4; cf. 6,56). É por sua elevação (glorificação), ou seja, através da sua morte que “o Cristo permanecerá para sempre” (12,34). Assim também o discípulo amado que estava tal próximo de Jesus (13,23; 19,26) devia permanecer além da sua morte.

Apoiando na ambiguidade, podemos refletir. O importante para cada cristão é “seguir” Jesus, sem preocupar-se com o destino atribuído aos demais. Nunca faltarão na igreja um discípulo predileto e uma testemunha fidedigna. É certo que Jesus há de vir.

Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e que as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. Jesus fez ainda muitas outras coisas, mas, se fossem escritas todas, penso que não caberiam no mundo os livros que deveriam ser escritos (vv. 24-25).

O autor da redação final identifica o discípulo amado com o autor deste evangelho. Fala dele na terceira pessoa e de si no plural: “sabemos” um grupo de discípulos, a comunidade (cf. 3,11; 1Jo 1,1-5). Na exegese, discute-se sobre a pessoa do discípulo amado. Na comunidade da redação final que o introduz cuidadosamente, talvez não fosse tal famoso como se pensava. Mas por seu testemunho, ele era a garantia da autenticidade e da proximidade de Jesus. O autor da redação final se apoia no seu “testemunho dessas coisas” (cf. 19,35), mas também em escritos dele (“as escreveu”). O considera como verdadeiro autor, apesar dos acréscimos e da reorganização da redação final (caps. 15-17; 21 etc.).

“Testemunho” e “verdadeiro” são termos frequentes e centrais no evangelho (cf. 19,35). Pode servir como definição: do evangelista, como testemunha ocular, autorizada e reconhecida; do evangelho, como compêndio canônico de uma “plenitude” inesgotável. É nesse testemunho, imprescindível para Igreja como a liderança de Pedro, e nesse evangelho escrito, que o discípulo amado “permanece” até a vinda de Jesus e ajuda discernir o discípulo verdadeiro do traidor. Assim, a Igreja com toda sua tradição e liderança, vai se apoiar no testemunho escrito que permanece, a Bíblia.

O final definitivo do quarto evangelho retoma o primeiro (20,30s) e o aumenta ao infinito (v. 25: “não caberia no mundo”). A história daquele por quem o mundo foi feito (1,3s) não pode ser contada plenamente, mas o essencial foi dito.

O site da CNBB comenta: O testemunho dos discípulos de Jesus é sempre verdadeiro, uma vez que, assistidos pelo Espírito Santo, que nos revela a plenitude da verdade, realizam a sua missão. E esse testemunho deve ser de tal modo que convença todas as pessoas a respeito de Jesus, caminho, verdade e vida, e as leve a dar a ele uma resposta positiva de adesão ao seu projeto de amor para se tornarem, conosco, verdadeiras testemunhas dele e operários do seu projeto. Assim, cada vez mais o Reino cresce no meio de nós, o mundo é transformado de acordo com os valores pregados por Jesus, e as obras dele continuam acontecendo.

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