22 de Novembro de 2019, Sexta-feira – Santa Cecília: “Está escrito: Minha casa será casa de oração. No entanto, vós fizestes dela um antro de ladrões” (vv. 45-46).

33ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: 1Mc 4,36-37.52-59

Depois de matar o delegado do rei que queria forçá-lo a participar do sacrifício pagão, o sacerdote Matatias fugiu ao deserto (2,15-29) e iniciou a luta armada contra a opressão do rei selêucida (greco-sírio) Antíoco IV Epífanes. O grupo dos assideus (2,42) que posteriormente deu origem aos fariseus e essênios (Qumrã), uniu-se à luta. Após a morte de Matatias, seu terceiro filho, Judas Macabeus (do apelido ha-makabi, o martelo), assumiu a liderança da revolta e conseguiu vitórias importantes (3,1-4,35).

Centro da vida religiosa, estrutura exigida para a observância integral da Lei, o Templo é uma das preocupações essenciais dos rebelados (cf. 2,7; 3,43; 2Mc 13,11). Pilhado e profanado pelos pagãos (1,21s.54), ele deve ser purificado e de novo consagrado imediatamente após as primeiras vitórias.

A Bíblia do Peregrino (p. 967) comenta: Para Judas e para o autor, a restauração do templo e do culto é o grande acontecimento da luta vitoriosa: é símbolo e penhor da total libertação. A profanação tinha sido a grande afronta ao povo, o abater-se da cólera divina; a restauração remove essa afronta. Em Js 5,7-9 lemos que, pela circuncisão na terra prometida, termina o opróbrio, a afronta do Egito; acaba a escravidão em terra alheia, começa a vida em liberdade em terra própria. Aqui encontramos o templo em vez da circuncisão: se a luta é pela liberdade religiosa, o exercício público do culto é sua expressão central. O novo Estado judeu será um Estado em torno de um templo (tema que 2Mc desenvolve). E como a luta é pela Lei, todas as cerimônias se desenrolam com estrita legalidade.

Historicamente essa restauração renova a consagração de Salomão (1Rs 8; 2Cr 5-7), a purificação de Ezequias (2Cr 29), a restauração de Esdras e Neemias (Esd 5-6) e prefigura a purificação de Jesus (Mc 11,15-19p [cf. evangelho de hoje!]). Mas o autor sabe colocar o fato num processo histórico de cunho militar: a surpresa e a decisão rápida ficam para o campo de batalha; o culto exige planejamento e sossego.

Judas e seus irmãos disseram: “Nossos inimigos foram esmagados. Vamos purificar o lugar santo e reconsagrá-lo”. Todo o exército então se reuniu e subiu ao monte Sião (vv. 36-37).

“Purificar” e “consagrar” são duas ações ligadas. O templo estava profanado pelas imagens idolátricas; o altar, pelos sacrifícios pagãos; por isso era necessária a purificação antes da nova consagração (1Mc 1,8; 2Cr 29). A leitura da liturgia de hoje omite o luto (v. 39: “rasgaram as roupas, jogaram cinzas na cabeça”) e a purificação: Judas “escolheu sacerdotes sem defeito corporal, observantes da Lei, que purificaram o templo e jogaram num lugar imundo as pedras que o contaminavam” (v. 42).

No vigésimo quinto dia do nono mês, chamado Casleu, do ano cento e quarenta e oito, levantaram-se ao romper da aurora, e ofereceram um sacrifício conforme a Lei, sobre o novo altar dos holocaustos que haviam construído. O altar foi novamente consagrado ao som de cânticos, acompanhados de cítaras, harpas e címbalos, na mesma época do ano e no mesmo dia em que os pagãos o haviam profanado (vv. 52-53).

Judas e seus homens destruíram o altar profanado pelos sacrifícios pagãos e ergueram um novo com pedras não talhadas, como manda a lei (vv. 44-47; Ex 20,25; Dt 27,6). Exatamente três anos depois do primeiro sacrifício pagão, oferecido ao deus grego Zeus (cf. 1,59), o novo altar é consagrado (a data referida corresponde ao dezembro de 164 a.C).

Três anos exatos marcam o tempo da ira (cf. 2Sm 24,13 sobre os castigos apresentados a Davi para escolher; 1Rs 18,1 três anos da seca no tempo de Elias; em contraste Jr 28,3, a falsa profecia de Hananias: “Antes de dois anos”). 2Mc 10,3 reduz o tempo para dois anos para adiantar a morte de Antíoco; cf. “três anos e meio” (Dn 7,25; 9,27) que é a metade do número sagrado sete e significa azar, tribulação.

Todo o povo prostrou-se com o rosto em terra para adorar e louvar a Deus que lhes tinha dado um feliz triunfo. Durante oito dias celebraram a dedicação do altar, oferecendo com alegria holocaustos e sacrifícios de comunhão e de louvor (vv. 55-56).

A tristeza deu ligar à alegria. Na festa da “dedicação” (hanukká), os judeus usam um candelabro com oito velas (lembrando os “oito dias”) que é muitas vezes confundido com a menorá, o candelabro de sete velas (cf. Ex 25,31-40) que estava no templo e tornou-se símbolo do judaísmo, além da estrela de Davi.

Ornaram com coroas de ouro e pequenos escudos a fachada do templo. Reconstruíram as entradas e os alojamentos, nos quais colocaram portas (v. 57).

Os macabeus tinham encontrado “o santuário desolado, o altar profanado, as portas incendiadas, o mato crescendo nos átrios como matagais numa ladeira e as dependências do templo destruídas” (v. 38).

Grande alegria tomou conta do povo, pois fora reparado o ultraje infligido pelos pagãos. De comum acordo com os irmãos e toda a assembléia de Israel, Judas determinou que os dias da dedicação do altar fossem celebrados anualmente com alegres festejos, no tempo exato, durante oito dias, a partir do dia vinte e cinco do mês de Casleu (vv. 58-59).

Apesar de 1-2Mc não estão na Bíblia Hebraica (e por isso não são considerados inspirados por judeus e protestantes), a festa da Dedicação (hebr. hanukká) entrou no calendário de Israel (cf. as festas mais antigas relatadas em Ex 23,14-19). Nela se cantava o Hallel (cf. (H)aleluia= louvai a Javé) que são os Salmos 113-118, e traziam-se ramos verdes e folhas de palmeiras. Tais semelhanças com a festa das Tendas (em outubro) são ressaltadas por 2Mc 1,9; 10,6. Aliás, foi na festa das Tendas que o Templo de Salomão foi consagrado (1Rs 8,2.62-66). Nela também se acendiam lâmpadas, que logo deram a festa de hanukká seu outro nome de “festa das luzes”; é o Natal dos judeus, por cair em dezembro e ser relacionado com as luzes. Uns dizem que esta festa judaica pode ter inspirado a escolha da data de Natal (além do solstício e da substituição da festa romana do sol invicto).

Essas lâmpadas, símbolos da Lei, colocadas às janelas e portas de cada casa, asseguram a manutenção e a popularidade da festa, mesmo após a destruição do Templo. Ela tem grande importância em 2Mc, como comprovam as duas cartas preliminares e 2Mc 10,1-8. A mesma festa é mencionada em Jo 10,22. A idéia da santidade do templo será particularmente realçada no segundo livro (2Mc 3,12; 5,15; 13,11; 15,18).

A morte de Antíoco Epífanes (6,1-13; cf. leitura de amanhã) que no autor situa após as expedições contra os povos vizinhos (cap. 5), certamente não foi estranha a essa reconsagração. As vitórias de Judas Macabeus deram as bases para um estado independente de Israel (governado pela dinastia dos asmoneus=macabeus) que durou até a ocupação romana em 63 a.C. e só foi reconquistado depois de 2000 anos através de uma resolução da ONU em 1947, mas até hoje está em conflito com os palestinos (habitantes árabes nesta terra desde 630 d.C.) e os países vizinhos.

Evangelho: Lc 19,45-48

Hoje, por coincidência, a leitura e o evangelho falam da purificação do Templo em Jerusalém. Com muitos outros judeus, Jesus fez a viagem a Jerusalém (9,51-19,28, parte central do evangelho de Lc) para participar da festa da páscoa. Lc contou a primeira romaria de Jesus junto com a família em 2,41-50, onde Jesus já reclamou o templo como “casa de meu Pai” (2,49). O centro religioso da capital da Judeia é o Templo. Para Lc, Jerusalém (cf. At 1,8) e particularmente o Templo são temas importantes; seu evangelho começa e termina no Templo: a primeira cena é o sacrifício de Zacarias (1,5-25), e a última, a oração dos discípulos depois da ascensão do mestre (24,53).

Jesus entrou no Templo e começou a expulsar os vendedores. E disse: “Está escrito: Minha casa será casa de oração. No entanto, vós fizestes dela um antro de ladrões” (vv. 45-46).

O cuidado do templo era responsabilidade do rei (2Cr 29,4.12; 29,6-11; 34,8). Herodes iniciou uma reforma esplêndida que durou 46 anos (cf. Jo 2,20). Jesus, que acabou de entrar na cidade e foi aclamado como rei messiânico pelo povo (vv. 29-40), se sente responsável pelo templo, toma posse da casa de seu Pai (cf. 2,49).

Mt e mais ainda Lc omitem os detalhes do relato de Mc 11,15-18. Para Lc importa apenas a interpretação da ação por Jesus. Ele se dirige ao templo para purificá-lo numa espécie de ação simbólica, que a citação de dois textos proféticos explica:

O primeiro é de Deutero-Isaias e define a função do templo como “casa de oração”, e sua abertura aos pagãos (Is 56,7 citado em parte); talvez uma segunda versão de Mc (Deutero-Marcos) já tenha omitido a outra parte “para todos os povos” (Mc 11,17; falta em Lc e Mt 21,13). O segundo texto é de Jeremias que denunciou o abuso do templo, como garantia de impunidade para continuar pecando: “Credes que é uma cova de bandidos este templo que traz o meu nome?” (Jr 7,11). Embora a ação pareça radical, não foi ilegal: Jesus não atrapalhou o próprio culto dos sacrifícios nem o questionou.

Jesus ensinava todos os dias no Templo. Os sumos sacerdotes, os mestres da Lei e os notáveis do povo procuravam modo de matá-lo. Mas não sabiam o que fazer, porque o povo todo ficava fascinado quando ouvia Jesus falar (vv. 47-48).

Esta notícia introduz os discursos que se seguem. O templo, como a sinagoga, não é só casa de oração (cf. At 3,1), mas também de ensino. Com a purificação, Jesus criou as condições para o templo servir de palco para o seu ensinamento (cf. 2,46s; 19,47; 21,37; 22,53; cf. Amós pregando no santuário de Betel, Am 7,13). Depois da ressurreição de Jesus, os apóstolos recomeçarão ensinando o evangelho no templo (At 5,12.20s.25.42). É ali onde se colocam as bases da doutrina da Igreja, ali se inicia a pregação missionária.

Com a purificação, Jesus não só atrapalhou os negócios da elite, mas se comportou como rei-messias. Neste ponto se apartam e contrapõem a hostilidade das autoridades (Sl 86,14) e a avidez do “povo todo” em escutar. Lc distingue o “povo” da “multidão”. O messias congrega o “povo” de Deus, a Igreja começa se formar, o verdadeiro Israel surge dentro do judaísmo, distinguindo-se pela confissão da fé em Jesus “Cristo” (messias). Os adversários são os três grupos do sinédrio (conselho supremo), “os sumos sacerdotes, os mestres da Lei e os notáveis do povo” (os últimos são uma expressão da comunidade de Lc, cf. At 25,2; 28,17). Eles têm que respeitar o povo cujo apoio precisarão para acusar Jesus diante do governador romano. Hão de esperar por uma oportunidade que surgirá depois.

O site da CNBB comenta: Existem muitas pessoas que se vangloriam do fato de participar ativamente da Igreja, possuir ministérios ou ter um cargo importante na comunidade eclesial. Mas infelizmente, existem pessoas que usam do fato da pertença na comunidade para substituir as relações de serviço por relações de poder, para dominar, oprimir, buscar promoção pessoal e desvalorizar as outras pessoas que fazem parte da comunidade. A religião para essas pessoas é uma forma não de adorar ao Deus vivo e verdadeiro, mas sim de promover o culto a si próprio e buscar a satisfação dos seus próprios interesses. A esses diz Jesus: “sofrerão a mais rigorosa condenação”.

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