23 de Novembro de 2019, Sábado: “Que os mortos ressuscitam, Moisés também o indicou na passagem da sarça, quando chama o Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’. Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem para ele” (vv. 37-38).

33ª Semana do Tempo Comum

Leitura: 1Mc 6,1-13

Cronologicamente, este episódio teria seu verdadeiro lugar antes da dedicação do Templo (4,36). O relato do fim do rei Antíoco Epífanes, apresentado de modo análogo pelo historiador Políbio, é aqui muito mais sóbrio que em 2Mc 9 onde a morte do perseguidor se prestava a uma patética lamentação, no estilo de Is 14 ou Ez 32. O nosso narrador se contenta com breve discurso, um pouco teatral, do rei moribundo. Sua confissão não significa verdadeira conversão, é somente o reconhecimento trágico do fracasso causado por sua culpa. A culpabilidade reconhecida duplica a dor do fracasso, segundo a doutrina tradicional (por exemplo, Sl 70).

(Naqueles dias) o rei Antíoco estava percorrendo as províncias mais altas do seu império, quando ouviu dizer que Elimaida, na Pérsia, era uma cidade célebre por suas riquezas, sua prata e ouro, e que seu templo era fabulosamente rico, contendo véus tecidos de ouro e couraças e armas ali deixadas por Alexandre, filho de Filipe, rei da Macedônia, que fora o primeiro a reinar entre os gregos. (vv. 1-2).

O começo liga-se diretamente a 3,37, que fala da partida do rei para o Oriente. De fato, não se tem notícia de cidade alguma com o nome de Elimaida, forma grega de Elam (Gn 10,22). Elimaida é a região em torno de Susa, antiga capital da Pérsia (Ne 1,1) e, em sentido restrito, a região montanhosa a nordeste desta cidade. A notícia sugere que Alexandre Magno tinha respeitado o templo deste lugar (de Naneia-Ártemis; cf. 2Mc 1,13) e o tinha enriquecido com suas ofertas. Mas se trata de informações comunicadas ao rei, nas quais havia lugar para a lenda.

Antíoco marchou para lá e tentou apoderar-se da cidade, para saqueá-la, mas não o conseguiu, pois seus habitantes haviam tomado conhecimento do seu plano e levantaram-se em guerra contra ele. Obrigado a fugir, Antíoco afastou-se acabrunhado, e voltou para a Babilônia (vv. 3-4).

O livro 2 Mc explora o tema do saque de templos nos caps. 1 e 3. A concentração de tesouros nos templos é fenômeno constante da religião. Na resistência da população se juntavam os motivos religiosos e políticos; e Antíoco não quis arriscar-se num assalto a uma cidade.

Estava ainda na Pérsia, quando vieram comunicar-lhe a derrota das tropas enviadas contra a Judéia.  O próprio Lísias, tendo sido o primeiro a partir de lá à frente de poderoso exército, tinha sido posto em fuga. E os judeus tinham-se reforçado em armas e soldados, graças aos abundantes despojos que tomaram dos exércitos vencidos. Além disso, tinha derrubado a Abominação, que ele havia construído sobre o altar de Jerusalém. E tinham cercado o templo com altos muros, e ainda fortificado Betsur, uma das cidades do rei (vv. 5-7).

Lísias da família real estava encarregado com os negócios do rei, “desde o Eufrates até a fronteira com o Egito” (1,32). Naturalmente a “Abominação” (ara sacrílega) é linguagem do autor, não de quem informa a Antíoco. Trata-se do altar no templo de Jerusalém que o rei dedicou ao deus grego “Zeus Olímpico” (cf. 1,54; 2Mc 6,2; Dn 9,27; 11,31; Mc 13,14p).

Ouvindo as notícias, o rei ficou espantado e muito agitado. Caiu de cama e adoeceu de tristeza, pois as coisas não tinham acontecido segundo o que ele esperava (v. 8).

A restauração do templo em Jerusalém e a construção da muralha simbolizam o fracasso da sua política de unificação cultural: Antíoco avalia da mesma forma que o narrador. Os dois verbos atribuídos ao rei recordam a fórmula do Sl 48,6: “Apenas o viram, ficaram aterrados e fugiram apavorados”.

Ficou assim por muitos dias, recaindo sempre de novo numa profunda melancolia, e sentiu que ia morrer. Chamou então todos os amigos e disse: “O sono fugiu de meus olhos e meu coração desfalece de angústia. Eu disse a mim mesmo: A que grau de aflição cheguei e em que ondas enormes me debato! Eu, que era tão feliz e amado, quando era poderoso! (vv. 9-11).

Na realidade, Antíoco deve ter falecido antes desses acontecimentos (cf. 2 Mc 9-10), mas o autor de 1 Mc tinha de adaptar sua narrativa à cronologia por ele fixada. Sobre a insônia, cf. a expressão de Dn 2,1; com outra fórmula, Sl 76.

“Lembro-me agora das iniquidades que pratiquei em Jerusalém. Apoderei-me de todos os objetos de prata e ouro que lá se encontravam, e mandei exterminar sem motivo os habitantes de Judá. Reconheço que é por causa disso que estas desgraças me atingiram, e com profunda angústia vou morrer em terra estrangeira” (vv. 12-13).

Para o autor de 1Mc, é o saque do templo de Jerusalém e não o do templo de Ártemis, como pensa o autor de 2Mc, que é vingado pela morte do rei. Em todo caso, ambos os autores apresentam-no igualmente arrependido. Narrativamente aconteceram duas situações semelhantes, duas tentativas de saquear templos. A segunda (o templo da Artemis em Elam) fracassou, a primeira teve êxito (o saque do templo de Jerusalém, cf. 1,21-24). O rei reconhece que a primeira foi a causa de suas desgraças. É a perspectiva do autor de 1Mc. É historicamente certo que a agressão contra o templo judeu desencadeou a resistência e a rebelião, com os sucessivos reveses para a monarquia selêucida. O autor quer que vejamos nesse desenvolvimento histórico a direção e o castigo de Deus. Porque os destinos dos reis são decididos na sua relação com o povo escolhido. Antíoco não enfrentou pessoalmente Judas Macabeus e seus guerrilheiros, mas enfrentou o verdadeiro Deus, e Deus castiga sua arrogância. “Morrer em terra estrangeira” é desgraça redobrada (cf. Am 7,17). De fato, a Pérsia dependia ainda do império selêucida.

Sobre a causa da morte do rei Antíoco IV Epífanes existem notícias divergentes: Em 2Mc 1,13-16, foi apedrejado e esquartejado pelos sacerdotes persas cujo templo queria saquear. Em 2Mc 9 foi cometido por um doença nas vísceras, caiu do seu carro e morreu de vermes de podridão. Estas versões querem expressar suas ações cruéis e sua atitude ímpia. Coisas semelhantes contam-se do fim dos inimigos e perseguidores dos cristãos (cf. At 1,18; 9,4; 12,20-23).

Mas é bem provável que Antíoco morreu numa amarga depressão. Só pelo fracasso e chegada da morte, ele cai em si e reconhece: “É justo submeter-se a Deus. E não aspirar, o simples mortal, a igualar-se à divindade.” (2Mc 9,12). Na pessoa dele, não a divindade se manifestou (como insinuava seu apelido “Epífanes”), mas o julgamento divino. Aquele que queria abolir as tradições religiosas locais e tradicionais alienando e perseguindo muitas pessoas, “do mesmo modo como tratou os outros, terminou a vida em terra estranha” (2Mc 9,28).

 

Evangelho: Lc 20,27-40

Os saduceus pertenciam às classes superiores do sacerdócio. Seu nome deriva de Sadoc, sumo sacerdote instituído por Salomão (1Rs 1,8.32-39; 2,35; cf. Ez 40,46). Eles tinham maioria no sinédrio, estavam abertos à cultura grega, mas na religião eram conservadores. Só aceitavam o Pentateuco (os primeiros cinco livros do AT, chamada Torá ou Lei de Moisés). Seguindo a velha tradição não admitiam outra vida (cf. Jó 14,10-19 e outros); não a liam na Escritura nem aceitavam uma tradição oral dos rabinos. Nisso eram conservadores.

Não admitiam a crença na ressurreição, surgida dois séculos antes (cf. Dn 12,2s; 2Mc 7). Jesus a admite, como os fariseus. Nesta questão da ressurreição, os saduceus discordam acerrimamente dos fariseus, como ilustra o episódio de Paulo (At 23,6-10).

Aproximaram-se de Jesus alguns saduceus, que negam a ressurreição, e lhe perguntaram: “Mestre, Moisés deixou-nos escrito: se alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, deve casar-se com a viúva a fim de garantir a descendência para o seu irmão. Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu, sem deixar filhos. Também o segundo e o terceiro se casaram com a viúva. E assim os sete: todos morreram sem deixar filhos. Por fim, morreu também a mulher. Na ressurreição, ela será esposa de quem?”  (vv. 28-32).

Tal como a imaginam, a suposta ressurreição consiste em prolongar ou repetir a vida presentes. Vigoram as mesmas leis, não obstante surjam novas situações. É fácil ridicularizar essa doutrina, e agora vão divertir-se à custa de Jesus. O caso que inventam se baseia na chamada lei do levirato (Dt 25,5; Gn 38,8; Rt 4) que deve garantir descendência a família e evitar alienação da sua propriedade.

Jesus respondeu aos saduceus: “Nesta vida, os homens e as mulheres casam-se, mas os que forem julgados dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, nem eles se casam nem elas se dão em casamento; e já não poderão morrer, pois serão iguais aos anjos, serão filhos de Deus, porque ressuscitaram” (vv. 34-36).

Jesus começa corrigindo a falsa imagem: a ressurreição verdadeira consiste em passar a uma categoria nova, “iguais aos anjos”, Lc acrescenta: “serão filhos de Deus (cf. a tradição cananeia em Sl 29,1; 82,6; Gn 6,1-4), “porque ressuscitaram” (lit. filhos da ressurreição). O matrimônio, em seu aspecto de fecundidade, é lei da vida sobre da morte (sobrevivência da família e do povo). Acabada a morte (1Cor 15,26), não se geram mais filhos. Aqui, Jesus se refere ao matrimônio em sua função de procriar, segundo a exposição do caso, não enquanto a relação pessoal amorosa.

“Nesta vida” (lit. “os filhos deste século”) é expressão de estilo semita: aqueles que pertencem a este mundo. “Na ressurreição dos mortos”, aqui é questão somente da ressurreição dos justos. Lc sublinha que é uma graça de ser admitido no mundo futuro (cf. 14,14; 21,36). A expressão “ser como anjos” não pretende depreciar o casamento (cf. 16,18; 17,27; Mt 19,1-12; 1Cor 7), mas significa não ter outra preocupação a não ser servir e louvar a Deus.

“Que os mortos ressuscitam, Moisés também o indicou na passagem da sarça, quando chama o Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó’. Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem para ele” (vv. 37-38).

O segundo é um argumento da Escritura no estilo da época, mas Jesus não podia se apoiar em Dn 12 e nenhum dos profetas, porque os saduceus só reconhecem a autoridade da lei de Moisés (Pentateuco), Então Jesus cita do segundo livro da Bíblia: Ex 3,2.6. O Senhor Javé não pode aduzir sua identidade como “Deus dos mortos”, seria absurdo imaginá-lo como divindade infernal (cf. Is 28,15; Sl 49,15; os egípcios adoraram um deus dos mortos, Anubis, com cabeça de chacal, um cão do deserto que come carne morta).

Os israelitas podiam chamar Yhwh (Javé, cf. Ex 3,14, traduzido por “Senhor”) de “nosso Deus”, por que era “seu Deus”; também o indivíduo no singular. Mas os mortos não podiam invocar o “nosso Deus” (p. ex. Sl 88,11-13); não era o Deus deles. Em contraste com a crença geral se leem os vislumbres de Sl 16,11; 17,15; 73,23-28. Em outras culturas circundantes, imaginavam a existência de deuses do reino dos mortos (Osiris, Nergal, Plutão etc.). O Pai de Jesus é Deus de mortos só para que cessem de estar mortos. Os que vivem, “vivem para o Senhor” (Rm 14,8) e os que são do Senhor vivem eternamente.

Alguns doutores da Lei disseram a Jesus: “Mestre, tu falaste muito bem.” E ninguém mais tinha coragem de perguntar coisa alguma a Jesus (vv. 39-40).

Lc copiou toda esta controvérsia de Mc 12,18-27, mas esta felicitação por parte dos doutores da lei é próprio dele (cf. Mc 12,32 sobre o primeiro mandamento). Os escribas, que na maior parte, são fariseus, aplaudem a refutação dos seus adversários (cf. At 23,8). Para Lc é importante, assegurar o conceito da ressurreição diante do conceito grego da sobrevivência apenas das almas como sombras num submundo (cf. 24,38-41; At 1,3s; 2,24-32; 17,31s). Jesus afirma a ressurreição, não a sobrevivência da doutrina grega, mas a exemplo e como dom do Senhor glorificado. A ressurreição da carne (corpo) entrou como artigo da fé cristã no Credo.

O site da CNBB comenta: Como todos nós vivemos num mundo marcado pelo materialismo, cada vez mais somos tentados a fazer da matéria a causa da nossa felicidade e nos fecharmos nessa realidade para analisar todas as coisas e, com isso, não somos capazes de ver outros caminhos para a felicidade ou até mesmo outras condições de vida que Deus pode nos conceder para o nosso bem, como é o caso da vida eterna. O erro que os saduceus cometeram e que aparece no evangelho de hoje é esse: se tornaram tão materialistas que ficaram incapazes de abrir o próprio coração para a proposta da vida plena que nos é feita pelo próprio Deus.

Voltar